Belo Monte: rentabilidade, roubalheira, alumínio

Críticos ao projeto da usina de Belo Monte tem alegado que ela seria antieconômica, ocasião para roubalheira, e que empurraria  o Brasil ainda mais para uma economia subdesenvolvida por alimentar a indústria de alumínio para exportação.  Confesso que não vejo mérito nessas críticas.

Belo Monte será antieconômica?

Há alegações de que o custo de Belo Monte poderia vir a ser 30 bilhões de reais, em vez dos 20 ou 25 citados nos documentos oficiais; o que supostamente tornaria a usina economicamente inviável e um enorme prejuízo para o país. 

Porém, mesmo que essa estimativa estivesse correta, ainda assim Belo Monte seria muito mais barata que qualquer outra forma de energia renovável.  Belo Monte produzirá em média 4.500 MW de potência, portanto essa estimativa significa um custo de instalação de 6,7 reais por watt efetivo (2010).  Para o Parque Eólico de Osório, a maior usina eólica brasileira, esse número é 670 MR$ / 51 MW = 13,1 R$/W, ou seja quase o dobro.  Usinas solares são ainda mais caras, e o potencial da biomassa é extremamente limitado.

De qualquer forma, a rentabilidade de Belo Monte deve ser uma preocupação da concessionária (Norte Energia) e não do país.  A empresa levou a concessão em troca da promessa de vender a energia gerada a 77 reais por megawatt-hora.  Se esse preço não compensar os custos, o prejuízo será dela; portanto, não há porque supor que a empresa tenha sido leviana ou otimista demais nesse cálculo. Tanto mais que as construtoras e concessionáris brasileiras tem experiência centenária nesse tipo de empreendimento.  Aliás, esse é praticamente o mesmo preço por MWh estabelecido nos leilões das usinas de Jirau e Santo Antônio em 2007-2008. Em comparação, o preço da energia eólica nos últimos leilões ficou por volta de 130 R$/MWh; novamente, quase o dobro do preço de produção da energia hidrelétrica.

Os 4.500 MW de Belo Monte equivalem a 39,5 terawatt-hora (milhões de  MWh) de energia por ano.  Ao preço leiloado, isso dá 2,7 bilhões de reais por ano.  De onde se vê que, por mais que se exagere o custo de construção, a usina se pagará, com juros e lucro, em menos de 20 anos.

Quanto ao suposto risco de prejuízo para o governo, deve-se observar que o dinheiro público entrará em belo Monte apenas na forma de um financiamento (isto é, um empréstimo) do BNDES.  Embora os juros sejam bem camaradas (4 ou 5% ao ano), esse empréstimo terá que ser devolvido pela empresa dentro do prazo estipulado.

Mas o princial equívoco dessas críticas é confundir a rentabilidade comercial com os benefícios econômicos para o Brasil. Para que o empreendimento seja vantajoso para uma empresa, é importante que o capital investido seja recuperado, com juros e lucro, em  20-30 anos no máximo.  Por outro lado, para o Brasil esse cálculo tem que ser feito sobre toda a vida útil da usina, que é muito maior do que isso.  As obras civis de Belo Monte vão durar séculos, e a usina pode continuar gerando os mesmos 4.500 MW médios por todo esse tempo, com um custo muito baixo de manutenção.  Por exemplo, a usina Henry Borden em  Cubatão, SP,  alimentada pela represa Billings, está produzindo energia desde 1926. Belo Monte produzirá energia no valor de 2,7 bilhões de reais por ano, por quanto tempo quisermos.

Mas mesmo esse cálculo é equivocado.  O valor da energia em reais interessa à empresa,  e é tanto maior quanto  mais cara for a energia.  Para o país, por outro lado, o benefício concreto é a energia, e não o  faturamento da empresa; e  o benefício será tanto maior quanto menor for o preço.  Assim, um MWh hidro a R$ 77 é muito melhor para o país do que 1MWh eólico a  R$ 130.  Em troca do investimento inicial de 25 (ou 30) bilhões, Belo Monte vai dar ao país 39,5 TWh de energia limpa por ano, que é mais que 1/10 do consumo nacional (388 TWh em 2009).  Esse é o cálculo que importa.

Vai haver roubalheira na construção de Belo Monte?

Em toda obra pública existe o risco de ‘roubalheiras’ de todo tipo, como superfaturamento, obras fantasmas, desvio de recursos, licitações fraudadas, suborno e sonegação; e, infelizmente, parece que esse risco é realidade em muitos casos, se não na maioria.  O risco em Belo Monte não será pior que em outros projetos públicos, como os metrôs do Rio e de São Paulo, o Rodoanel paulista, as usinas nucleares de Angra dos Reis, ou a merenda escolar.  (Na verdade poderá ser menor; pois, pelo tipo de contrato, “roubalheiras” em Belo Monte devem causar prejuízo à Norte Energia, e não ao Tesouro.)

Mas não faz sentido cancelar Belo Monte por esse motivo.  Se acreditarmos na tese de que a roubalheira em obras públicas é inevitável, então ou nos conformamos com ela, ou desistimos de fazer qualquer  outra obra pública. Se, pelo contrário, acreditamos que a roubalheira pode ser evitada, então porque supor que ela não poderá ser evitada em Belo Monte, especificamente?

Belo Monte vai impedir o desenvolvimento da indústria brasileira?

Ao reduzir (ou prevenir o aumento) do custo da energia elétrica no país, Belo Monte sem dúvida vai beneficiar todos os consumidores; incluindo, é verdade, as indústrias americanas, canadenses e japonesas de alumínio instaladas na região.   Mas não vejo como isso pode impedir o desenvolvimento da indústria nacional; pelo contrário.

Depois da queda da ditadura, houve de fato um retrocesso qualitativo em vários setores da indústria brasileira. Deixamos de fabricar alguns produtos avançados, como eletrodomésticos e computadores, e passamos a exportar produtos de baixo valor agregado, como minérios, madeira, carne bovina, frangos, soja, etc..  orém, essa regressão da indústria brasileira foi resultado de políticas explícitas nesse sentido, especialmente nos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique.  Não faz sentido atribuí-la à construção de hidroelétricas. Pelo contrário, em todo mundo a energia elétrica é ingrediente essencial para desenvolvimento da indústria avançada. E  não esqueçamos que a nossa indústra de manufaturados é também uma grande consumidora de alumínio.

É verdade que a exportação de alumínio é em parte exportação da energia elétrica barata — assim como a exportação de carne é no fundo exportação da terra barata criada pelo desmatamento agropecuário. Mas as alternativas a exportar alumínio são exportar o minério bruto (bauxita), ou não exportar nada.  Nenhuma destas  duas opções poderia ser considerada progresso industrial.

Olhemos de outro ângulo:  em seus rios, o Brasil tem a sorte de possuir uma fonte abundante de energia elétrica  barata, segura,  limpa e renovável.  Isso nos dá uma enorme vantagem sobre muitos outros países industrializados, como Alemanha, França, Japão, Inglaterra e mesmo os Estados Unidos, que dependem de fontes de energia poluentes, perigosas, finitas e pelo menos duas vezes mais caras que a hidrelétrica.  É por isso que as indústrias de alumínio vieram para cá: o  alumínio produzido nos países seria muito mais caro que o que podemos produzir aqui.  Sim, através do alumínio estamos exportando  nossa energia elétrica: porque isso é ruim?  Ao contrário de minério, petróleo e floresta, a energia das águas do Xingu não pode ser guardada para a posteridade; se não for aproveitada ela simplesmente desaparece.

A energia hidrelétrica nos permite dispensar as opções nuclear  e termelétrica, e limitar a eólica a um papel secundário (cobertura do período de seca).  Ao mesmo tempo, ela cria oportunidade para desenvolvimento de uma indústria  avançada nacional.  Para os outros países industrializados, as duas coisas são ruins, pois significam que o Brasil vai comprar menos deles e competir contra eles, com essa grande vantagem, no mercado internacional.  Vem toda daí a preocupação  ostensiva desses países (e das ONGs que eles financiam) com o suposto “desastre ambiental” de Belo Monte. (Onde estavam esses países “amigos” e essas ONGs enquanto as empresas agropecuárias multinacionais desmatavam a Amazônia e o Pantanal?) 

Recentemente, uma agência ambiental internacional criticou o Brasil por não  investir o suficiente  em energia eólica.   Esse  pito, absolutamente ridículo e descabido, tem uma explicação simples. Os geradores  para  usinas  eólicas são  todos  importados; enquanto que a maior parte dos gastos na contrução de uma  hidrelétrica, desde as obras civis até as turbinas, vai para a indústria nacional. As multinacionais da energia nuclear estão especialmente desesperadas, uma vez que, depois de Fukushima, sua clientela ficou reduzida aos países do terceiro mundo.  O esforço intenacional para impedir Belo Monte é apenas parte de uma campanha sistemática dos países industrializados, especialmente dos fabricantes de usinas nucleares, contra a exploração de energia hidrelétrica nos países em desenvolvimento.

[Editado em 2011-12-08 para corrigir gramática e clarear o texto.]

Redação

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