Brasil não convencerá países na Cúpula do Clima, dizem especialistas

Especialistas advertem que a confiança no presidente Jair Bolsonaro está tão abalada que o Brasil não conseguirá convencer os demais países quanto às suas boas intenções

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Foto: Reprodução

Líderes de 40 países se reúnem nesta quinta e sexta-feiras (22 e 23) para debater medidas que ajudem o planeta a trilhar numa trajetória mais sustentável. A Cúpula dos Líderes do Clima, convocada pelo presidente americano, Joe Biden, é uma nova oportunidade para o Brasil se reposicionar na pauta ambiental e se comprometer com a proteção da Amazônia – mas especialistas advertem que a confiança no presidente Jair Bolsonaro está tão abalada que o Brasil não conseguirá convencer os demais países quanto às suas boas intenções, independentemente de eventuais promessas.

Por Lúcia Müzell

Da RFI

Nas últimas semanas, o governo americano manteve diálogos com o brasileiro para preparar o evento e estimular Brasília a mudar o rumo da sua política ambiental. Desde a posse de Bolsonaro, os índices de desmatamento bateram recordes sucessivos e as instituições de fiscalização ambiental, como o Ibama, foram sucessivamente enfraquecidas. O país chegou a ameaçar deixar o Acordo de Paris sobre o Clima, influenciado por Donald Trump, então aliado do presidente na cena internacional.

Com a nova presidência de Biden, Bolsonaro moderou o tom, porém com compromissos insuficientes, avalia o professor de Relações Internacionais da UNB Eduardo Viola, especialista nas questões climáticas.

“O que vale é o que acontece no terreno. Os países – Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido – esperam do Brasil um anúncio de que promete reduzir significativamente as emissões já este ano”, explica. “A meta anunciada pelo vice-presidente Mourão na semana passada é fraca, porque reduz um pouco o desmatamento em relação ano passado, mas é mais alta que as emissões de quando o governo Bolsonaro começou. Pode ser que anunciem alguma coisa a mais, mas isso, em princípio, não tem credibilidade.”PUBLICITÉ

Carta sem avanços

Na semana passada, Bolsonaro enviou uma carta para Biden, na qual diz que vai acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e atingir a neutralidade de carbono em 2060, reafirmando os compromissos que o país já tinha desde a Conferência do Clima de Paris, em 2015. Mesmo assim, o presidente pede, em troca, ajuda externa para atingir o objetivo, para o qual não apresentou propostas concretas. É por isso que, na visão de Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, o suposto reposicionamento do governo brasileiro não passa de retórica.

“Acho que, mais uma vez, o governo não agarrou essa chance de realinhamento ao futuro – ao contrário. Usou essa oportunidade para, novamente, chantagear. O governo brasileiro não tem uma visão de futuro”, constata a economista e ambientalista. “A NDC [contribuições nacionalmente determinadas, na sigla em inglês] brasileira que eles colocaram em dezembro mostra que não tem nada de novo, que é uma política de retranca, e por isso não vai levar nada especificamente para o Brasil.”

O país chega à reunião poucos dias depois da notícia de que o desmatamento da Amazônia em 2020 foi o maior dos últimos 10 anos, com uma alta de 30% em relação ao ano anterior, conforme levantamento do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Ana Toni frisa que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, busca recursos financeiros internacionais baseado em manobras contábeis com os números de emissões de gases de efeito estufa.

“O Salles é extremamente inteligente, hábil. Como muitos já falaram, ele consegue mentir sem mexer a face, e fala muito bem inglês. Ele é muito bem articulado, mente com convicção, e eu acho que perceberam que nem bala na agulha para negociar ele tem”, acusa Toni. “Acho que ele não conseguiu enganar os americanos e eles vão, sim, anunciar recursos, mas para as florestas tropicais como um todo, e não especificamente para o Brasil. Quem perde é o Brasil porque esses recursos todos poderiam ter sido alocados para a Amazônia.”

Mudança improvável a um ano das eleições

O pesquisador Eduardo Viola destaca ainda o peso do componente político por trás da questão ambiental, para o governo Bolsonaro. A um ano das eleições, o presidente não arriscaria uma reviravolta num tema no qual perderia uma parcela importante da sua base eleitoral: o agronegócio associado ao desmatamento e outras atividades ilícitas na Amazônia, como o garimpo.

“Obviamente, o discurso de Bolsonaro é muito bom para esse seu núcleo eleitoral. Esse é um ponto-chave, que mostra o quão difícil seria, para o governo Bolsonaro, ter uma mudança forte de posição. Isso significaria romper com a sua base eleitoral”, afirma. “Seria possível apresentar resultados rápidos, como o Brasil já mostrou que sabe fazer, entre 2005 e 2012, e sem ajuda externa. Mas teria que remobilizar todo o Ibama, ICMBio e outras agências do governo, as Forças Armadas, para uma campanha concentrada. A probabilidade disso acontecer é baixíssima em um governo Bolsonaro.”

expectativa é que vários países, como Canadá e Japão, revelem metas mais ambiciosas durante a cúpula, o primeiro grande palco de Joe Biden na cena internacional. O encontro marca o reposicionamento dos Estados Unidos nas questões ambientais, depois dos anos Trump, e serve de preparação para a Conferência do Clima da ONU em Glasgow (Escócia), em novembro.

Washington deve anunciar a neutralidade de carbono na matriz elétrica até 2035 e zerar as emissões até 2050. Com essa proposta na mesa, Biden deve buscar maior comprometimento de outros grandes emissores, como a China.

Redação

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