Florestas, Amazônia e Inclusão – Parte II

Parte II – UM RECORTE (NO BOM SENTIDO) DA AMAZÔNIA E O BRASIL

OBS: Este texto é trecho do capitulo Florestas e Inclusão, do livro “Economia Verde e outros Componentes de um Mundo Sustentável”, lançado na RIO+20 pela Fundação Konrad Adenauer, da Alemanha. Cliqui AQUI para ler a parte I ou AQUI para acessar o artigo completo.

Não se resolve o ambiental sem oferecer respostas ao social

A Amazônia, com uma superfície de quase 7,8 milhões km²;  ocupa 44% da América do Sul, envolvendo nove países. Abriga um quinto de toda disponibilidade de água doce. Suas extensões florestais representam mais da metade das florestas tropicais úmidas existentes, concentrando grande parte da biodiversidade mundial (Pnuma e Otca, 2008).

Há muitos mitos em relação a Amazônia, como a percepção do público geral de outras regiões de que é uma coisa só ou uma grande mata sem gente.

Ao contrário do que se pensa, é um bioma bastante heterogêneo, cuja diversidade pode ser percebida pelo seu conjunto de formações ambientais – abrigando desde áreas de cerrado e de savana até florestas densas, de planície, de terras altas e inundáveis,  rios de águas barrentas, pretas e azul-esverdeadas – o que contribui para a geração de uma grande variedade de espécies animais e vegetais.

É também uma região de imensa diversidade sociocultural, com 420 povos indígenas, 86 línguas, 650 dialetos e aproximadamente 60 etnias vivendo em situação de isolamento (Pnuma e Otca, 2008; Otca, 2007). A heterogeneidade da natureza amazônica suscitou diversos modos de vida, estratégias de subsistência e tecnologias de manejo dos recursos naturais para cada uma das formações ambientais da região – fruto das interações humanas milenares – constituindo uma enciclopédia de conhecimentos tradicionais.

Há ainda os diferentes processos de colonização iniciados pelos países europeus no século XVI (Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Holanda) e continuados pelas nações depois independentes (Brasil, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela, Peru e as Guianas), com  distintas políticas, formas de ocupação e fluxos migratórios ocorridos em cada uma delas. 

Uma região antes de tudo habitada, com uma população de 34,1 milhões de pessoas – desde indígenas sem contato até industriais, comerciários, fazendeiros, acadêmicos e profissionais liberais – cerca de 65% vivendo nas cidades (Ara, 2011).

Enfim, um bioma complexo e megadiverso em todos os aspectos. Diante disso tudo, não se pode afirmar que haja uma solução única para Amazônia. O desafio pelo desenvolvimento sustentável da região deve levar em conta suas diferentes realidades locais – sobretudo com a ativa participação dos seus habitantes – para a partir do seu conjunto traçar diretrizes, políticas e estratégias mais amplas.

Apesar das várias Amazônias, há um elemento comum à todas as nações integradas pelo seu território: um processo de ocupação predatória, que historicamente mais extraiu do que trouxe riquezas para região, com grande impacto ambiental associado e enormes contradições sociais. 

Por um lado, a Amazônia supre o Planeta com produtos florestais, agropecuária, minérios, hidrocarbonetos, energia, além de serviços ecossistêmicos fundamentais para conservação da biodiversidade, ciclos hidrológicos e regulação climática – estima-se que ela contribui com aproximadamente 20% de toda água que flui dos continentes para os oceanos e que suas árvores evaporam diariamente 20 bilhões de água doce que seguem regiões afora nas forma de rios voadores, evitando a aridez e garantindo terras férteis (Pnuma e Otca, 2008).

Por outro lado, tais riquezas não se converteram em benefícios concretos para o amazônida. Mesmo com avanços nas últimas duas décadas, quase metade dos seus habitantes continua vivendo abaixo da linha de pobreza. As taxas de analfabetismo e mortalidade infantil permanecem altas, assim como a ocorrência de doenças como a malária e tuberculose,  sem falar que a mortalidade materna e os casos de soros positivos aumentaram nos últimos anos. As condições de abastecimento de água e saneamento básico se mantem precárias – nenhum dos países tem mais de 10% dos domicílios amazônicos ligados a uma rede coletora de esgoto. O acesso à escola foi facilitado, embora com qualidade de ensino muito aquém do necessário, com mais de 2/3 dos alunos fora da idade adequada. Apesar dos baixos índices de desemprego, a informalidade é elevada, atingindo mais da metade da população economicamente ativa, que trabalham sem benefícios e direitos sociais (Ara, 2011).

Há ainda uma grande diferença entre a situação das zonas urbanas e rurais, estas últimas com o agravante das dificuldades de acesso, grandes distâncias e populações dispersas. Para os povos tradicionais – indígenas, ribeirinhos, seringueiros e demais extrativistas – a percepção de bem estar não está tão ligada a renda monetária, mas sim “a garantia da terra, disponibilidade dos recursos naturais para subsistência, e as condições e capacidades para manejá-los” (Veríssimo & Celentano, 2007). Muitos líderes indígenas não se consideram pobres, apenas com um outro modo de vida. Diante da pressão externa para ocupação de novas áreas, da degradação ambiental, do acesso limitado aos serviços sociais e das dificuldades de governança em interiores tão vastos como os da Amazônia,  são estas populações que se encontram entre os grupos mais vulneráveis (Pnuma e Otca, 2008; Oea, 2000).

Uma pesquisa do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON) – O Avanço da Fronteira na Amazônia: do Boom ao Colapso – comparou indicadores em regiões da Amazônia Brasileira que já passaram (desmatadas), que passam (sob pressão) e que ainda não passaram (florestal) por processos intensos de ocupação.  Nas Zonas Sob Pressão, a atividade econômica cresce rapidamente no curto-prazo – sobretudo na renda e emprego – assim como a violência e o desmatamento. No longo-prazo (Zona Desmatada), embora os conflitos se reduzam, os indicadores socioeconômicos não se mantem, ficando próximos aos da Zona Florestal, com o agravante da degradação ambiental já ter sido consumada.

A Amazônia permanece como um dos biomas mundiais que mais vem sofrendo degradação ambiental. Somente o Brasil é responsável por 72% da taxa de desmatamento anual, com perdas acumuladas de 18% da cobertura florestal original (INPE, 2009). Cientistas afirmam que seu ponto limite é próximo dos 40%, ou seja, se o desmatamento atingir tal estágio, inicia-se um processo irreversível de savanização com implicações catastróficas para todos (Pnuma e Otca, 2008).

Por se tratar de uma região vital para o Planeta, se faz necessário priorizar esforços,  nacionais e internacionais, em prol da erradicação da pobreza, da inclusão e da melhoria das condições de vida de seus povos, tendo em vista que não se resolve o ambiental sem oferecer respostas ao social.

O Brasil

O Brasil ocupa 68% da Amazônia – o que representa  60% do território nacional – permitindo ao país deter o maior patrimônio genético, a maior bacia hidrográfica e a maior floresta tropical do mundo (Pnuma e Otca, 2008). Uma riqueza imensurável, que se manejada de forma sustentada e includente poderá impactar o desenvolvimento da nação como um todo.

Apesar de muito por fazer, vale registrar os avanços recentes do país no tocante às politicas de combate ao desmatamento, vigilância, governança, gestão ambiental, ordenamento territorial, criação de novas áreas protegidas, entre outras iniciativas que já começam a dar resultados na redução do ritmo de perda da cobertura florestal.

 

 

Mesmo com as louváveis melhoras nos últimos anos, não se pode comemorar o que receia-se ser um piso anual de 6 a 7 mil km² – uma área equivalente ao Estado de Sergipe de florestas perdidas a cada 36 meses. A contaminação dos rios e a degradação ambiental continuam, assim como a violência, a grilagem de terras e a pobreza.

As dificuldades atuais para guinar rumo ao desenvolvimento sustentável da região esbarram também no seu histórico de ocupação, que ainda guarda uma forte herança comportamental predatória vinculada a um passado não tão distante.

Se a colonização da Amazônia brasileira ocorreu durantes séculos ao longo de seus rios navegáveis, isso começou a mudar entre as décadas de 60 e 80. Sob o regime militar, com a justificativa de ocupar a região por se tratar de uma zona de segurança nacional, foram feitos investimentos pesados como a construção de estradas e hidroelétricas, instalação de grandes empreendimentos mineradores, a criação da Zona Franca de Manaus, uma politica de incentivos  para implantação de colônias agrícolas e créditos subsidiados para atividades agropecuárias e florestais de larga escala. Com os slogans oficiais “Uma terra sem homens para homens sem terra” ou “Integrar para não entregar”,  a região atraiu um grande fluxo de migrantes de outras regiões estimulados pelas politicas governamentais da época (Pnuma e Otca, 2008).

Nacos de florestas foram sendo dizimados ano a ano em um ciclo muito aquém do sustentável, com dinâmicas de ocupação começando em geral pela exploração madeireira, quando são derrubadas as maiores árvores, que acabam arrastando consigo a vegetação em sua volta trazendo impactos nos processos de regeneração e aumentando os riscos de incêndios. No momento em que as espécies de valor comercial ficam escassas, os madeireiros partem para outras regiões,  deixando suas trilhas e ramais abertos que acabam posteriormente se transformando em estradas, facilitando assim as condições para conversão do solo pelas atividades agropecuárias migratórias –  atraídas também pelo baixo valor das terras – atividades estas com pouca porcentagem de áreas efetivamente usadas e altos índices de abandono por se tratarem de solos originalmente florestais (Pnuma e Otca,  2008).

Sem querer negar a importância de investimentos na região, o fato é que esta dinâmica de desenvolvimento, entre aspas,  não ocorreu de forma ordenada, monitorada e consequente, gerando um intenso crescimento urbano, a fragmentação dos habitats com a criação de novos centros sem o devido planejamento de corredores ecológicos, a expansão da fronteira agrícola através de práticas de corte-queima, a busca de ganhos patrimoniais rápidos por meio de grilagem de áreas publicas e apropriação indébita das riquezas naturais.

Deu-se inicio a graves conflitos pelo acesso à terra, aos recursos minerais,  pesqueiros e florestais, envolvendo complexas redes de interesses como garimpeiros, madeireiros e grandes fazendeiros se chocando com os antigos ocupantes – povos tradicionais e produtores familiares – com frequente violação dos direitos humanos (Psa, 2008; Alloggio, 2008).

Somente há pouco mais de 20 anos, essa política de povoamento começou a ser gradualmente revista. Contribuíram para isso a pressão internacional com uma maior evidencia da Amazônia no cenário mundial, além do entendimento crescente por parte dos setores da sociedade quanto as consequências e perdas associadas à degradação ambiental, com a mobilização dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil – fortalecidas  com o fim da ditadura militar e a redemocratização do país.

A implementação de estratégias socioambientais baseadas na criação de grandes áreas protegidas, como Unidades de Conservação, Reservas Indígenas e outras modalidades territoriais foram passos importantes para começar a conter a cultura de ocupação estimulada pelas políticas passadas, que deixou uma situação fundiária caótica, com brechas jurídicas e falta de definição sobre os direitos de propriedade – grande parte sem escrituras e registros – o que até hoje dificulta a aplicação de sanções e penalidades (Pnuma e Otca,  2008).

Com processos de ordenamento territorial e zoneamento econômico-ecológico (ZEE) iniciados, avançou-se na demarcação de terras, tanto para assegurar a permanência de boa parte das populações  tradicionais extrativistas, como para reduzir as áreas sem destinação motivadoras da ocupação desordenada e povoamento espontâneo que vinha se processando.

Instituições públicas diretamente responsáveis pela questão fundiária e ambiental foram reestruturadas – como o INCRA e o IBAMA/ICMBio. Sistemas de vigilância, monitoramento e detecção do desmatamento se modernizaram. Mecanismos de governança entre Municípios, Estados e União passaram por aprimoramentos. Surgiram medidas importantes como a Lei de Crimes Ambientais,  a Lei de Biossegurança, o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação),  a Lei de Gestão de Florestas Públicas, o PPCDAM (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazonia Legal), o PAS (Plano Amazônia Sustentável),  entre outras.

No entanto, mudanças de comportamento demandam tempo. Apenas três anos após a celebração da Cúpula da Terra sediada pelo Brasil em 1992, a taxa anual de desmatamento na Amazonia atingiu o recorde histórico de 29 mil Km².  Uma década depois, nos três anos subsequentes à Conferencia de Johanesburgo ou RIO+10, os índices de deflorestação foram os maiores já registrados na soma plurianual (2002 a 2004), período que se caracteriza pelo boom do agronegócio brasileiro e expansão da soja em direção ao norte do país. Duas décadas depois, em 2012, mesmo ano em que o Brasil sedia a RIO+20, o Congresso Nacional pressionado pela sua forte bancada ruralista encaminha mudanças no Código Florestal do país com retrocessos na proteção do meio ambiente, o que aumenta o receio de que as taxas de desmatamento na região voltem a crescer.

Como legado de toda esta dinâmica histórica de ocupação, tem-se quase 720 mil km²  de área desmatada acumulada até 2008 no bioma brasileiro – 80% estão concentradas em um raio de 50 km das estradas oficiais, 15% se encontram abandonadas e 62,2% foram ocupadas por pastagens, o que faz da pecuária a grande vilã das florestas (Pnuma e Otca, 2008) – de 1990 até 2008 o rebanho da região mais do que triplicou chegando a 71,4 milhões de cabeças de gado,  36% do total nacional (Barreto e Silva, 2009).

A Amazônia responde por apenas 8% do Produto Interno Bruto do país, com PIB médio per capita 30% inferior ao nacional (Ibge, 2008), ao mesmo tempo em que o desmatamento na região é responsável por aproximadamente 50% das emissões totais de CO2 do Brasil (Inpe, 2009), motivado por atividades econômicas de baixa agregação de valor (Veríssimo & Celentano, 2007), como o comércio do minério bruto, dos grãos in natura ou  da madeira em toras, sem falar na exportação de bois vivos (ou mercado do boi em pé).

Muitas medidas significativas foram e vem sendo tomadas. O problema é que sua efetividade na prática ainda está aquém da brevidade exigida – como a estória do fumante que decide largar o vicio por decreto em fração de segundos, mas está há anos tentando implementar.

Apesar dos avanços na criação de Áreas Protegidas – que ocupam atualmente 43,9% da Amazônia Legal – elas ainda precisam ser consolidadas. Quase a metade das Unidades de Conservação (UC) existentes não possui Plano de Manejo aprovado e Conselho Gestor implantado. A média de funcionários alocados nessas Unidades é ainda muito reduzida para atender as demandas – 1 profissional para cada 1.872 km². Estas áreas não estão totalmente imunes ao desmatamento – somente no período entre 1998 e 2009, as perdas florestais foram superiores a 12 mil km², representando 47,4% do total histórico acumulado em UCs e Territórios Indígenas(Veríssimo et al., 2012).

Não basta apenas ter leis robustas se sua aplicabilidade é falha. A impunidade prevalece,  já que a maioria dos autuados por crimes contra a flora raramente cumprem as sanções aplicadas – a arrecadação de multas emitidas pelo Governo não chega a 5% (Cgee/Ipam/Sae-PR, 2011; TCU, 2008). Entre os diversos fatores que contribuem para isso, cabe destacar as dificuldades do produtor em se adequar à novos regulamentos que substituíram os do passado, sem mecanismos públicos transitórios suficientes para o cumprimento das legislações mais atuais – um exemplo disso é a mudança, em 1996, de 50% para 80% da área exigida de Reserva Legal para as propriedades no Bioma Amazônico  (Cgee/Ipam/Sae-PR, 2011; Stick, 2009).

Por mais que os mecanismos de comando e controle tenham melhorados, a cultura do ilegalismo todavia insiste em se manter viva, o que continua desestimulando investimentos com responsabilidade socioambiental. Proprietários ou empresas que investem em boas práticas, como por exemplo o manejo sustentável da floresta, sofrem com a concorrência desleal,  tendo que enfrentar os preços baixos da madeira extraída de forma irregular, sendo comum retraírem os investimentos socioambientais ou se verem obrigados a mudar de lado. Enfim, ainda há muitos que ganham mais dinheiro derrubando a floresta do que conservando-a.

Nivelar por cima, evidenciando como exemplares os empreendimentos com séria responsabilidade socioambiental – sejam de fazendeiros, madeireiros, entre outros poucos – é uma das estratégias que precisam ser reforçadas para torná-los predominantes, para enquadrar os que ainda praticam ilegalidades, e até para sensibilizar quadros acionistas que pressionam pela redução de investimentos sociais na busca por maiores ganhos, como acontece em alguns casos empresariais.

Neste sentido, a sociedade vem começando a se constituir em um importante aliado, dada sua maturidade crescente no trato das causas socioambientais – facilitada pelo advento das tecnologias de informação e a popularização das redes sociais – seja por parte dos consumidores, exigindo cada vez mais a qualidade ética das commodities e outros produtos; seja pelas organizações não governamentais,  com o monitoramento constante na forma de observatórios socioambientais, bem como o estabelecimento de um diálogo mais pragmático com os Governos e meios empresariais a favor da mitigação dos impactos e da sustentabilidade.

Como resultados destes novos mecanismos de pressão e recentes diálogos intersetoriais, se comparado ao passado, passos importantes foram dados. Tem-se evoluído na exigência da regularização fundiária e ambiental dos empreendimentos; no embargo ao uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente; na revisão de grandes projetos de mineração, hidroeletricidade e transportes; no adoção de critérios de sustentabilidade para avaliação de créditos bancários; na corresponsabilização das cadeias produtivas; nos processos de licenciamentos,  compensações e certificações; e no maior rigor pelo cumprimento dos direitos sociais.

Entre outros exemplos, pode-se citar a proliferação dos grupos de Compradores de Produtos Madeireiros Certificados; o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (2005); a Moratória da Soja (2006), onde as empresas signatárias se comprometem a deixar de adquirir produtos oriundos de áreas de desmatamento; e nesta mesma linha, o Pacto da Pecuária e a adoção dos Critérios Mínimos para Operações com Gado e Produtos Bovinos em Escala Industrial no Bioma Amazônico (2009), prevendo também sistemas de rastreamento dos animais e atestados de origem da carne.

Embora muitos dos acordos sejam todavia frágeis, as chances de retrocederem nos tempos atuais são mais difíceis. Porém, há necessidade de se aprimorar seus mecanismos monitoráveis, verificáveis e reportáveis – principalmente nos empreendimentos menores – bem como fortalecer os compromissos no âmbito dos consumidores nacionais da mesma maneira que já começa a acontecer no mercado de exportação, cada vez mais exigente com os aspectos socioambientais.

Além dos instrumentos legais de comando e controle, cabe lembrar que a população amazônica anseia por desenvolvimento, produção e consumo, saúde, educação, cultura, lazer, emprego e renda. Neste sentido, as politicas governamentais devem priorizar a transição para praticas de menor impacto do setor produtivo em uma logica muito mais de adensar as fronteiras já abertas, ao invés de estimular a expansão de novas, estas de baixa densidade populacional.

Isto quer dizer maiores investimentos em serviços e infraestrutura (transportes, saneamento, energia, etc) nas áreas já alteradas, agilidade no atendimento às demandas para regularização dos empreendimentos, incentivos tecnológicos e insumos que tragam ganhos de produtividade, enfim, tornando atrativo os negócios ambientalmente mais amigáveis nessas regiões, que por sinal se encontram também mais próximas dos mercados (Barreto e Silva, 2009).

A intensificação das atividades agropecuárias, com o manejo sustentável dos solos, já seria um caminho econômico para reduzir a pressão sobre as florestas. Um outra estratégia seria a geração de emprego e renda como consequência da expansão da atividade produtiva de ponta tais como polos tecnológicos, biotecnológicos, além de indústrias de baixo carbono que agreguem valor à produção, isto em uma Amazonia brasileira onde 73,5% dos seus quase 25 milhões de habitantes residem nas cidades.  (Ibge, 2011).

Já nas regiões preservadas, é imprescindível  a presença do Estado e da governança antes de consumados novos processos desordenados de ocupação. Investimentos socioambientais, em pesquisa e tecnologia serão fundamentais para fomentar uma economia verde includente e de vanguarda, com iniciativas para remuneração de serviços ambientais e compensação por desmatamento evitado, entre outras medidas que resgatem a vocação florestal da Amazônia ao mesmo tempo que respeitem e viabilizem o bem estar dos seus povos tradicionais. Entre outras possibilidades, o Fundo Amazônia e o REDD+ se apresentam como mecanismos potenciais de financiamento (inclusive para as áreas degradadas por meio do reflorestamento para o sequestro de carbono), embora este ultimo, para se efetivar, ainda demande um regime nacional (articulado com os entes federativos) respaldado por acordos internacionais (Cgee/Ipam/Sae-PR, 2011).

Sob esta lógica, com estratégias para as zonas mais ou menos degradadas, que deveriam se calcar os grandes projetos de investimentos para Amazonia, como por exemplo os previstos no PAC – Plano de Aceleração do Crescimento – levando em conta aspectos econômicos, ambientais, sociais, culturais e éticos, assim como as realidades microrregionais. O que se vê é o embate entre as politicas de infraestrutura e de conservação. A primeira,  caracterizada por processos ágeis, onde as decisões de investimento são velozes e a gestão financeira cabe a um número restrito e centralizado de atores, coerentes com a lógica meramente econômica e de mercado. Do lado oposto, as políticas socioambientais, que envolvem dimensões espaciais maiores, estudos e processos abertos de discussão pública com atores dos mais variados setores, o que demanda outro timing (Psa, 2008; Alloggio, 2008).

Mesmo em uma região que tem pressa, neste ponto em particular,  deve-se respeitar  o tempo necessário para se negociar, amadurecer e implantar – se for o caso, com as devidas revisões no projeto original. Se o Governo conduziu razoavelmente bem as discussões em torno da Rodovia Santarém-Cuiabá (que resultou na construção participativa o Plano BR163 Sustentável), o mesmo não se pode dizer do processo de implantação da Usina Hidroelétrica de Belo Monte.

No tocante às politicas sociais, em uma Amazônia onde municípios tem o tamanho de estados, e estes, de países – com um quadro de exclusão social ainda mais agudo nas zonas rurais – a conta jamais fechará se a equação continuar simplificada ao número de habitantes versus receitas, isso se a ideia for realmente integrar essa região ao Brasil.

Como previsto na Constituição, a execução na ponta das políticas sociais são atribuições das esferas públicas mais próximas, em especial dos Estados e municípios, com apoio federal. Não se pode responsabilizar apenas os governos locais por todas mazelas da região se não existem mecanismos arrecadatórios suficientes de compensação financeira ao custo social amazônico – com logísticas dispendiosas decorrentes da dispersão populacional, grandes extensões e dificuldades de acesso – de modo a viabilizar uma gestão publica mais presente, assim como o seu controle social. A titulo de exemplo, não são fáceis os desafios como  de uma Prefeitura de Altamira/PA – segundo maior município do mundo em extensão – para distribuir a merenda escolar seguindo o padrão nacional custo-aluno ou implementar via tabela SUS (Sistema Único de Saúde) a atenção básica junto aos seus cidadãos espalhados em uma área maior que o Ceará ou países como a Grécia e Portugal.

Desta maneira, estratégias diferenciadas que atendam as peculiaridades amazônicas devem ser priorizadas na formulação de politicas adaptadas de saúde, educação, tecnologia da informação, microcrédito, produção familiar, pesca, agroecologia, manejo comunitário, entre outras. De certa forma, já existem algumas iniciativas neste sentido, mas que na prática ainda precisam ganhar escala para impactar a região como um todo.  

O desafio de se conciliar conservação, inclusão social, crescimento econômico e o desenvolvimento da Amazonia permanece. O processo de integração da região ao País não pode mais ser visto apenas de forma unidirecional, como reserva de riquezas para o outro lado da “nação desenvolvida” (Psa, 2008; Alloggio, 2008).

O Brasil precisa entender a Amazônia. Fala-se muito na sua internacionalização, embora o que se faz necessário é nacionalizá-la. Sobretudo o principal centro econômico e de formação de opinião – o eixo RJ-SP –  compreender melhor suas realidades, desafios, culturas, potencialidades e oportunidades.

Só assim o país deixará de enxergar a Amazônia como um ônus onde só existem conflitos e desmates e perceberá o bônus que tem nas mãos – de importância estratégica crescente em tempos de aquecimento global, do futuro com economias de baixo carbono, acordos internacionais em torno da distribuição dos benefícios da biodiversidade e serviços ambientais.

A Amazônia representa uma oportunidade única para que se alcance um modelo de desenvolvimento inovador e sustentável, que promova condições dignas de vida a seus habitantes, assim como estabeleça um ambiente de negócios estimulador de investimentos que valorizem o patrimônio da sociobiodiversidade e as vocações regionais.

Para tal, os custos de um processo como este são sem sombra de duvidas maiores, mas os retornos sociais, ambientais e econômicos, no médio e longo prazos, serão significativamente compensatórios, com a diferença de que serão duradouros e não efêmeros, seja para a população local, para o país e para o Planeta.

O Brasil hoje, como sexta economia mundial, reúne melhores condições para responder aos seus enormes desafios sociais e ambientais. Com base no seu Plano Nacional sobre Mudança do Clima, em 2009 apresentou à comunidade internacional suas metas voluntárias de redução em 80% das taxas anuais de desmatamento na Amazonia até 2020, sendo alçado para uma  posição de destaque nas estratégias de combate ao aquecimento global.

Deter a maior parte da Amazônia, além da imensa responsabilidade, é também um privilégio exclusivo desta nação. As escolhas do Brasil no que tange a esta região poderão determinar não apenas o estabelecimento de novos paradigmas de desenvolvimento para o país, como também sua liderança no âmbito internacional para um futuro mais harmônico, equilibrado e sustentável de nosso Planeta.

Luis Nassif

Luis Nassif

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