“Dia do Fogo”: chamas acendem suspeitas no município amazônico Novo Progresso

Jornal GGN – Adecio Piran, o jornalista que denunciou o “Dia do Fogo”, evento que ocorreu no dia 10 de agosto em Nova Progresso, município do Pará, localizado na região amazônica, se escondeu temporariamente depois de receber ameaças de morte e hoje evita sair à noite. A informação é da Reuters que enviou uma equipe de reportagem ao local que se tornou o epicentro das queimadas que chamaram a atenção do mundo inteiro para o Brasil.

A polícia local pediu que promotores estaduais inscrevam Adecio Piran em um programa de proteção a testemunhas. Além das ameaças contra sua vida, circulam pelo município panfletos denunciando-o como um mentiroso responsável, ele mesmo, pelo fogo que incendiou vários pontos de Novo Progresso a partir do fatídico sábado do “Dia do Fogo”.

A matéria de Adecio Piran foi publicada no dia 5 de agosto, no site da Folha do Progresso, baseada em mensagens trocadas via WhatsApp de produtos e fazendeiros que planejavam realizar uma série coordenada de incêndios. Uma das inspirações para o ato criminoso era o próprio presidente Jair Bolsonaro que, em diversas ocasiões havia manifestado o propósito de abrir a maior floresta tropical do mundo para o desenvolvimento.

Graças à matéria de Piran, o Ministério Público alertou, três dias antes, o governo sobre o que estava sendo planejado – e colocado em prática – por agricultores e grileiros às margens da BR-163. O órgão enviou um ofício ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, com informações sobre a iminência dos incêndios.

Dois dias depois do “Dia do Fogo”, em 12 de agosto, o Ibama respondeu que havia comunicado a Coordenação de Operações de Fiscalização e o Núcleo de Inteligência da Superintendência do Pará ressaltando que “devido aos diversos ataques sofridos e à ausência de apoio da Polícia Militar do Pará” as ações de fiscalização não aconteceram por “envolverem riscos relacionados à segurança das equipes em campo”.

O Ibama disse ainda que foram “expedidos ofícios de solicitando o apoio da Força Nacional de Segurança”, mas que não obteve retorno sobre esse pedido.

Imagens obtidas via satélites do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que do dia 9 a 10 de agosto, os pontos de incêndio no município saltaram de 31 para 124. O fogo é usado anualmente por moradores e agricultores (de forma ilegal) para limpar as pastagens ou áreas desmatadas.

A reportagem da Reuters ressalta que muitos moradores de Novo Progresso estão insatisfeitos com toda a atenção repentina que a cidade, de apenas 30 mil habitantes, ganhou.

“A maioria dos agricultores abordados pela Reuters se recusou a ser entrevistada. Muitos descartaram a história da Folha do Progresso como lixo, chamando de invenção e fabulista. ‘Para vocês de fora, somos todos criminosos aqui’, disse um fazendeiro, recusando-se a dar seu nome”, escreve Stephen Eisenhammer que assina a matéria.

O repórter chegou em Nova Progresso vinte dias depois do “Dia do Fogo, em 30 de agosto, mas disse que ainda era possível ver e sentir uma fumaça que “pairava” em algumas partes do município. “Troncos de árvores carbonizados e cinzas cobriam o chão onde a selva estava recentemente”, descreveu.

Ele observou ainda que moradores da cidade ficaram ressentidos com a chegada da polícia federal e dos militares. “Os comerciantes de gado reclamam que isso é ruim para os negócios”.

O jornalista enviou pedidos de entrevista ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ibama, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria. Por outro lado, conseguiu falar com a ex-prefeita de Novo Progresso, Madalena Hoffmann.

Ela disse que não sabe se os incêndios do dia 10 de agosto foram intencionalmente coordenados ou não. Mas culpa o governo por impor regras ambientalistas tão complicadas e rigorosas que os agricultores se sentem impelidos a infringir a lei para exercer seu comércio. “Fundamentalmente, é culpa do governo”, pontuou.

A reportagem da ressalta que Novo Progresso foi fundada nos anos 80, por incentivo da ditadura militar, com a promessa de terra e oportunidades às famílias que foram atraídas para a região.

“As forças armadas, onde o ex-capitão do Exército Bolsonaro começou, viam a Amazônia praticamente desabitada como um vasto recurso rico em recursos, vulnerável à invasão ou exploração por estrangeiros. Os militares construíram estradas e incentivaram o assentamento”, escreve Eisenhammer.

Mas, com o fim da ditadura, em 1985, o projeto para a Amazônia, nos governos que assumiram dali em diante, não era mais a exploração predatória, mas a conservação.

O fazendeiro Moisés Berta, de 59 anos, disse que se mudou para Novo Progresso em 1981, com a esperança de iniciar uma fazenda de sucesso. Mas hoje acusa o governo de tê-lo deixado à sorte e, até hoje, não conseguiu registrar o título de suas terras, mesmo após 38 anos de exploração.

“Ele pode não ter os direitos à sua terra, mas, segurando o telefone, Berta mostrou um documento referente a quatro casos abertos contra ele do Ibama, o órgão ambiental. Perguntado sobre as leis que ele supostamente violou, ele sorriu. ‘Eu não tenho idéia’, disse ele”, observa o repórter da Reuters.

Segundo informações do sindicato de agricultores do município, 90% dos agricultores e pecuaristas não têm suas terras reconhecidas formalmente. A reportagem destaca ainda que os agricultores ficaram ainda mais irritados quando, em 2006, o governo estabeleceu uma vasta reserva a oeste do Novo Progresso, chamada Floresta Nacional Jamanxim, que eles dizem ter estrangulado sua capacidade de expansão.

Cerca de 500 agricultores já estavam explorando a reserva quando o governo a criou com o objetivo de retardar o desmatamento na região vizinha ao estado do Mato Grosso.

“Muitos dos incêndios de 10 de agosto ocorreram dentro da Floresta Nacional Jamanxim, a reserva mais desmatada do Brasil este ano, mostram dados do governo. Mais de 100 quilômetros quadrados de floresta tropical foram limpos desde janeiro, uma área quase o dobro do tamanho de Manhattan”, pontua o jornalista Stephen Eisenhammer.

*Clique aqui para ler a reportagem da Reuters na íntegra.

O GGN prepara uma série de vídeos explicando a interferência dos EUA na Lava Jato. Quer apoiar esse projeto? Acesse www.catarse.me/LavaJatoLadoB e saiba mais.

Redação

Redação

View Comments

  • Direta ou indiretamente, como o atual governo sabe que mudar a lei (e a CF) para liberar reservas indígenas ou florestais protegidas deve ser lento e difícil, ele está promovendo de fato o que não pode fazer de direito, de forma rápida e contundente, transformando a discussão em fato consumado, ainda que criminoso.
    Macrons, feiuras de primeiras damas, interesses estrangeiros (óbvios e conhecidos), estatísticas distracionistas de quantidades de queimadas e similares são apenas discussões para disfarçar que realmente importa:
    DESMATAMENTO de áreas protegidas por lei (e pelo interesse PÚBLICO).
    Sem falar nas discussões que não interessam, a quantidade de desmatamentos NÃO É o que está em questão, pois embora indesejáveis e antiquadas (porém rápidas e baratas para os fazendeiros), se as queimadas forem feitas em áreas já agricultadas, isto não implica necessariamente em desmatamento (mas em poluição), o qual foi sistematicamente reduzido no governo de Lula, independentemente do número de queimadas (inclusive em outras regiões).
    O fato é que enquanto discutimos irrelevâncias, o chefe (?) de governo (?), declaradamente à favor de desmatar para oferecer riquezas ao seu país cafetão, insistindo em predação a troco de meras commodities cujo valor é definido externamente sem o nosso controle, em associação declaradamente solicitada com interesses americanos (conforme Bolsonaros, pai e filhos).
    Fora a destruição irreversível ou de recuperação por muitas gerações.
    Enquanto discutimos o que não interessa, o Mitosco vai conseguindo o que LHE interessa (ou àqueles à quem serve), e o desmatamento continua, gigantesco...
    Inclusive neste momento em que se escreve este.

  • Para deixar claro que estrangeiros essas ONGs não estão enteressados na floresta muito menos em índios, o que eles querem mesmo é nosso minério, querem nos colocar pra escanteio e tomar de conta do Brasil, O BRASIL É NOSSO fora gringos já

Recent Posts

El Niño tende a acabar entre abril e junho, segundo ANA

Maioria dos modelos climáticos apurados pela agência indica enfraquecimento de fenômeno climático para condições neutras

10 horas ago

Milei usa chanceler para pedir encontro com Lula

Solicitação foi encaminhada por meio de carta entregue pela ministra dos Negócios Estrangeiros, em viagem…

11 horas ago

Este é Elon Musk, por Tarso Genro

Diferentes e distantes dos estados modernos, formados até agora, o Estado de Musk é o…

11 horas ago

Investigações devem abarcar além dos figurões da Lava Jato, mas tudo ligado à 13ª Vara

À luz da correição do CNJ julgada nesta terça com Hardt como um dos alvos,…

11 horas ago

Justiça torna réus 19 alvos da Operação Fim da Linha em SP

Os denunciados pelo MP são investigados por crimes de organização criminosa, lavagem de capitais, extorsão…

12 horas ago

Irã vive tensão de escalada da guerra e tem grupo no WhatsApp para orientar brasileiros

À TVGGN, embaixador no Irã relata o clima do país após ataque a Israel e…

12 horas ago