Engenheiro diz que alertou Samarco sobre risco de rompimento da barragem

Jornal GGN – Em depoimento à Polícia Federal, o engenheiro que projetou a barragem de Fundão, da Samarco, disse que alertou a empresa sobre um “princípio de ruptura” na margem esquerda do reservatório, que “necessitava de uma providência maior do que a que a Samarco estava tomando”.

O engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila inspecionou a barragem em setembro de 2014 e recomendou uma série de medidas de segurança, mas não teve qualquer retorno da empresa.

Da Folha de S. Paulo

Engenheiro que projetou barragem diz que alertou Samarco sobre risco

Por Estêvão Bertoni

Um ano antes de a barragem de Fundão, da Samarco, se romper em Mariana (MG), o engenheiro projetista da estrutura alertou a mineradora sobre um “princípio de ruptura” na margem esquerda do reservatório, devido ao aparecimento de uma trinca.

Em depoimento à Polícia Federal obtido pela Folha, ele afirmou que a situação observada era “severa” e “necessitava de uma providência maior do que a que Samarco estava tomando”.

As informações foram prestadas pelo engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila em dezembro passado. Além de projetista, ele também era responsável oficial pela barragem ao menos até 2012.

Segundo Ávila, o reforço construído no local não considerava a liquefação, quando a estrutura da barragem passa do estado sólido para o líquido –o que pode resultar em rompimento.

A trinca foi analisada pelo engenheiro em setembro de 2014, mas, segundo soube pela Samarco, ela havia aparecido um mês antes. Afastado da mineradora desde 2012, Ávila passou a prestar consultoria à empresa em 2014, conforme explicou à PF.

Ele recomendou o redimensionamento do reforço na estrutura, a instalação de ao menos nove piezômetros (instrumentos para medir a pressão da água no solo) e o acompanhamento diário da posição do nível da água – se ele subisse, a empresa deveria bombeá-la para fora da barragem.

DADOS PERDIDOS

No depoimento, o engenheiro diz não ter tido retorno da Samarco sobre as ações tomadas. Ao solicitar, sem especificar em qual data, os cálculos do que foi feito, Ávila diz que a engenheira Daviély Rodrigues Silva, nova responsável por Fundão, afirmou que o disco rígido de seu computador havia queimado e que os dados tinham se perdido.

O engenheiro solicitou então que os cálculos fossem refeitos, mas, no depoimento, ele não disse se chegou a ter acesso a esses dados.

Daviély e outras seis pessoas, inclusive Ricardo Vescovi, diretor presidente da Samarco, foram indiciados pela PF, que apura desde novembro de 2015 a responsabilidade pelo crime ambiental.

A lama provocada pelo rompimento da barragem chegou ao litoral do Espírito Santo –e, neste mês, houve a suspeita de que tivesse atingido Abrolhos, no sul da Bahia.

Ávila não foi indiciado. As investigações continuam, e novos indiciamentos podem acontecer, segundo a PF.

O engenheiro afirma que a trinca apareceu em um recuo feito na barragem e que não estava no seu projeto.

Como a barragem foi aumentando de volume nos últimos anos, ela passou a encostar em uma estrutura vizinha, a pilha de estéril (material que envolve o minério e é desprezado) da Vale, dona da Samarco ao lado da anglo-australiana BHP Billiton.

No pé da pilha, havia surgido um lago. O contato entre as duas estruturas não era indicado pois poderia potencializar processos erosivos.

Antes mesmo que Fundão fosse construída, o estudo de impacto ambiental da barragem, de 2005, já previa que as duas estruturas entrariam em contato a partir da elevação 880 m. A barragem que ruiu estava em 898 m (altura em relação ao nível do mar).

Para ter espaço para realizar as obras que solucionassem o contato entre as estruturas, a Samarco criou um recuo, que se apoiava sobre os rejeitos da barragem.

A ruptura apontada por Ávila em 2014 estava justamente nesse recuo, inicialmente com 25 metros. No momento do rompimento, disse ele à PF, atingia 40 metros. Esse crescimento, disse ele, exigia um monitoramento ainda maior da situação.

No depoimento, Ávila diz que, ainda em 2014, apontou a existência de escavações inadequadas no pé do dique da barragem de Selinha, que faz divisa com Fundão, para implantação de tubulações.

O engenheiro sugeriu avaliações de segurança e reforço nos reparos, mas não soube dizer se isso foi seguido.

OUTRO LADO

A mineradora Samarco disse em nota que todas as ocorrências surgidas no processo de manutenção de barragens em 2014 foram tratadas.

Segundo a empresa, foram instalados 12 piezômetros no local indicado pelo engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, que havia recomendado a colocação dos medidores em Fundão depois de observar a existência de uma trinca num recuo criado no reservatório.

“Não havia previsão de recuo no projeto. Porém, foi necessário em função de um problema estrutural na galeria secundária da barragem, estrutura do projeto elaborado pela Pimenta de Ávila. Ele era consultor da Samarco e, nessa condição, tem ciência do recuo”, afirma a empresa.

À PF o engenheiro Ávila, ex-projetista da barragem de Fundão, alegou que sua responsabilidade na obra terminou em 2012, ao vencer seu contrato com a Samarco.

A partir de então, após a mineradora realizar uma licitação, disse, a empresa VogBR assumiu a estrutura.

Após seu depoimento, a VogBR e o engenheiro da empresa Samuel Loures, que assinou a última inspeção do reservatório, feita em julho de 2015, foram indiciados.

A Samarco, porém, afirmou em nota que o engenheiro Ávila é o projetista da barragem no projeto que previa a elevação da parede da barragem até a cota de 920 m, o que estava sendo executado.

A VogBR divulgou nota negando a responsabilidade no projeto que estava sendo feito. Alega que seu trabalho, de ampliação da capacidade do reservatório, só seria realizado em cerca de dois anos.

Também diz que o nome do engenheiro consta como “consultor responsável pela operação e manutenção do complexo mineradora da Samarco” no Manual de Operação da Barragem de Fundão.

A VogBR diz ainda que não é a responsável pelo recuo na estrutura, onde, segundo Ávila, havia uma trinca em 2014.

À PF Ávila disse que estranhava o fato de a VogBR ter atestado a estabilidade de Fundão em julho sem considerar em seus relatórios os piezômetros cuja instalação ele havia sugerido à Samarco.

A VogBR afirmou que fez o estudo dos dados e que os entregou ao Ministério Público.

A reportagem não localizou Daviély Rodrigues Silva.

AVISO ANTES DA TRAGÉDIA

Em depoimento, engenheiro diz que alertou para trinca em barragem de Mariana antes de rompimento

LINHA DO TEMPO DA BARRAGEM DE FUNDÃO

2005
Estudo de Impacto Ambiental da bar- ragem previa que quando a altura chegasse a 880 m a estrutura entraria em contato com outra, potencializando erosões

2008
Barragem do Fundão começa a ser operada pela mineradora Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton

Até 2011
Construção, supervisionada pelo engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, apresenta “muitos defeitos”, que foram solucionados segundo o profissional

set.2014
Ávila, engenheiro projetista da estrutura até 2012, alerta Samarco sobre “princípio de ruptura” na barra- gem de Fundão ?um mês após ?falha aparecer

Data não específica
Segundo Ávila, engenheira responsável por Fundão afirmou que os dados sobre ações tomadas contra a trinca tinham se perdido

5.nov.2015
Barragem de Fundão, com 898 m de elevação, cai e provoca tsunami de lama sob a região do rio?Doce; ao menos?19 morreram?na tragédia

‘DONOS’ DA BARRAGEM
Samarco
Mineradora responsável pela barragem de Fundão, controlada pela Vale e BHP Billiton

Ricardo Vescovi
Presidente da Samarco, tem um habeas corpus preventivo; foi indiciado pela PF

Germano Lopes
Gerente geral de projetos da Samarco; foi indiciado

Daviely Rodrigues Silva
Responsável técnica pela barragem de Fundão

Kleber Terra
Gerente geral de operações da Samarco; foi indiciado

QUEM FISCALIZOU

Samuel Loures
Engenheiro responsável pela última auditoria em Fundão, em jul.2015. Foi indiciado

Pimenta de Ávila
Projetista de Fundão até 2012, elaborou o plano de ação de emergência e análise de ruptura da barragem

Redação

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. “A mineradora Samarco disse

    “A mineradora Samarco disse em nota que todas as ocorrências surgidas no processo de manutenção de barragens em 2014 foram tratadas.

    Segundo a empresa, foram instalados 12 piezômetros no local indicado pelo engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, que havia recomendado a colocação dos medidores em Fundão depois de observar a existência de uma trinca num recuo criado no reservatório”:

    O engenheiro “diz que” sem documentacao.  Perguntado, UM cara especifico da Samarco “diz que” o disco se queimou e nao tem documentacao.  No entanto “a mineradora Samarco” diz que as recomendacoes do engenheiro foram seguidas.

    Tem alguem mentindo a respeito de desaparecimento de documentacao aqui ou eh so impressaozinha?

    Por sinal, o “diz que” do engenheiro tambem nao tem la grande valor se ele nao apresentou a documentacao que entregou pra Samarco, que sabe delas e as seguiu mas…  mas diz que nao tem mais essa documentacao!

    Que bagunca!

  2. Como é que é?????

     

    “Ávila diz que a engenheira Daviély Rodrigues Silva, nova responsável por Fundão, afirmou que o disco rígido de seu computador havia queimado e que os dados tinham se perdido.”

     

    Como engenheiro devo dizer que estas figuras são…, deixa pra lá.

    Queimou o HD? Surreal a desculpa, será que eles querem um pirulito e um carrinho da hotWheels como presente de aniversário. Essa é uma desculpa que até os estudantes de engenharia, quando solicitados a fazerem algum trabalho para alguma disciplina evitam fazer porque não cola, e aqui nós temos marmanjos dizendo: “olha, o HD que queimou”.

    Já vi e ouvi muita coisa na área de engenharia, mas francamente.

    E essa estória de “eu disse ele disse”, para que serve uma coisa chamada de relatório técnico???

    Cadê os relatórios/laudos técnicos de avaliação, com as fotos dos locais, as medições (pode ser até com trena mesmo, pô!), análises, levantamentos, etc e tal.

    Cadê as plantas e os desenhos técnicos ou esquemáticos???? Cadê o papel impresso ou o e-mail enviado com o pdf???

    Aí depois quando acontece um dos maiores CRIMES ambientais e um dos culpados é um HD????

    Já fiquei sem pegar trabalhos ou mesmo empregos por causa destas coisas, agora o sujeito está aí, vai gastar uma baba de dinheiro com um processo longo, além de ter o nome, vamos dizer não bem quisto nas conversas de bar.

     

     

  3. Demora

    Se o Estudo de Impacto Ambiental recomendava que tomasse providências quando a altura chegasse a 880,00 m deve ser porque os técnicos se basearam em cálculos. Ao deixarem chegar a 898 m pecaram pela demora (no mínimo) ou quem sabe negligência, em adotar alguma medida preventiva. E o resultado foi aquela tragédia cujas consequencias vemos até hoje. A população afetada parece invisível, tudo o que vemos agora, pelo menos na grande imprensa, são papéis, pessoas da Vale, Samarco dando explicações. Não se pode creditar  tal tragédia apenas a uma fatalidade uma vez que havia um estudo prévio e também uma recomendação posterior do projetista. A Samarco e a Vale deveriam no mínimo  amparar as vítimas.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador