O impacto da exportação de água do rio Amazonas

Enviado por MPaiva

Especialistas, para quê ouvi-los, não é mesmo?

No encontro das águas dos rios Negro e Solimões, em Manaus,  a vazão média é de 3,8 trilhões de metros cúbidos por ano. (Foto: Alberto César Araújo/FotoAmazonas)

De Amazônia Real

Rios voadores e a água de São Paulo 2: A reciclagem da água

Por Philip. M. Fearnside 

O papel da floresta amazônica nessa ‘oferta de água’ em outras regiões do país pode ser visualizado a partir da constatação de que a conversão de áreas de floresta em pastagem aumenta dramaticamente o escoamento superficial da água das chuvas.

Estudos sobre a erosão, realizados em diferentes partes da Amazônia, revelaram que, para coletar a água que escorria em 24 horas na superfície de uma área de 1 m por 10 m, em uma pastagem limpa, eram necessários quatro tambores de 200 litros cada (Figura 2) — com menos tambores, a água transbordava. Em uma parcela adjacente de floresta, com o mesmo tamanho, a coleta exigiu apenas um tambor, mas em geral bastava um balde, suspenso dentro do tambor (Figura 3). O escoamento superficial foi até dez vezes maior na área de pastagem [1, 2].

foto agua 1

Figura 2. Para captar a água de chuva que escoa superficialmente, durante 24 horas em uma parcela de 1 m por 10 m de uma pastagem limpa (em Rondônia), foi necessário usar quatro tambores de 200 litros cada um.

agua 2

Figura 3. Na floresta intacta, o escoamento superficial é pequeno, bastando um único tambor (em geral, apenas um balde suspenso dentro do tambor) para captar a água de escoamento de uma parcela de 1m por 10 m, durante 24 horas: a maior parte da água penetra no solo, sendo retirada pelas raízes das árvores e transpirada pelas folhas, mantendo o ciclo hidrológico.

Embora não se possam extrapolar os resultados de pequenas parcelas para bacias hidrográficas inteiras, a grande diferença verificada no escoamento superficial permite prever sérias consequências caso o desmatamento aumente ainda mais. Nesse caso, tais consequências envolvem a água, um recurso básico tanto para a sobrevivência da vegetação nativa quanto para as populações humanas.

A maior parte da água das chuvas não consegue penetrar no solo compactado das pastagens amazônicas. Então, escoa na superfície, vai para a rede fluvial e por fim é despejada no oceano Atlântico. Na floresta, porém, a água entra no solo, sendo em sua maior parte absorvida pelas raízes das árvores e relançada à atmosfera pela transpiração das folhas. Atualmente, acredita-se que o percentual de água reciclada dentro da bacia seja 20-30% [3], inferior à cifra tradicional de 50% [4-6].

A quantidade de vapor d’água que entra na região com os ventos vindos do Atlântico é calculada em cerca de 10 trilhões de m3 por ano, enquanto a descarga média do rio Amazonas, na foz, é de 6,6 trilhões de m3 anuais ([7], p. 170). A diferença, em torno de 3,4 trilhões de m3 por ano, é forçosamente exportada para alguma outra região (Tabela 1).

Parte do vapor d’água exportado escapa para o oceano Pacífico, passando por cima da cordilheira dos Andes no canto noroeste da bacia amazônica, na Colômbia. A maior parcela da água transportada, porém, vai para o centro-sul do Brasil e para o Paraguai, Uruguai e Argentina. Certo volume também atravessa o oceano Atlântico e chega ao sul da África. Esse transporte de água para outras bacias, em especial para a bacia do rio da Prata, dá ao desmatamento amazônico um nível de impacto que tem sido pouco considerado quando se definem as políticas para a região.

(a) Valores da revisão de [7], exceto o último item.

(b) Porcentagem em comparação com a vazão média na foz.

O volume de água exportado todo ano pela Amazônia (3,4 trilhões de m3) pode ser mais bem entendido se comparado à vazão média do rio Amazonas. A exportação representa 52% da vazão na foz do rio — e só quem viu o Amazonas com os próprios olhos pode ter uma ideia do enorme volume que isso significa. A quantidade de água exportada é pouco menor que a vazão média (3,8 trilhões de m3 por ano) medida no ‘encontro das águas’ dos rios Solimões e Negro, próximo a Manaus.

Na Amazônia, portanto, qualquer mudança no percentual de chuva que volta à atmosfera (resultante da conversão de floresta em pastagem) implica uma perda imensa de água, tanto na própria região quanto em outras regiões onde a chuva depende dessa fonte [8].

NOTAS

[1] Fearnside, P. M. 1989. A Ocupação Humana de Rondônia: Impactos, Limites e Planejamento. CNPq Relatórios de Pesquisa No. 5. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasilia, DF, 76 p.

[2] Barbosa, R. I.; Fearnside, P. M. 2000. Erosão do solo na Amazônia: Estudo de caso na região do Apiaú, Roraima, Brasil. Acta Amazonica 30(4): 601-613.

[3] Lean, J.; Bunton, C. B.; Nobre, C. A.; Rowntree, P. R. 1996. The simulated impact of Amazonian deforestation on climate using measured ABRACOS vegetation characteristics. In: Gash, J. H. C.; Nobre, C. A.; Roberts, J. M.; Victoria, R. L. (Eds.), Amazonian Deforestation and Climate. Wiley, Chichester, Reino Unido, p. 549-576.

[4] Marques, J. A.; dos Santos, J. M.; Villa Nova, N. A.; Salati, E. 1977. Precipitable water and water vapor flux between Belém and Manaus. Acta Amazonica 7(3): 355-362.

[5] Salati, E., Dall’Olio, A., Matusi, E., Gat, J. R., 1979. Recycling of water in the Brazilian Amazon Basin: An isotopic study. Water Resources Research 15: 1250-1258.

[6] Salati, E.; Vose, P. B. 1984. Amazon Basin: A system in equilibrium. Science 225: 129-138.

[7] Salati, E. 2001. Mudanças climáticas e o ciclo hidrológico na Amazônia. In: Fleischresser, V. (Ed.). Causas e Dinâmica do Desmatamento na Amazônia. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, DF, p. 153-172.

[8] Atualizado e expandido a partir de Fearnside, P. M. 2004. A água de São Paulo e a floresta amazônica. Ciência Hoje 34(203): 63-65. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (proc. 708565) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ1).

Philip M. Fearnside é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, do CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências. Também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Em 2007, foi um dos cientistas ganhadores do Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC).

Redação

18 Comentários

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  1. O escovão deveria aproveitar o nome…

    …Fear inside e pedir um carguinho na Universidade de East Anglia… mais um típico representante do climategate.

  2. Erosão

    MPaiva,

    Agora, é a vez dos ruralistas destruirem completamente o estudo do pesquisador, que trouxe uma abordagem, prá mim desconhecida, relativa à substancial diferença de comportamento da água quando em florestas ou pastagens.

    O patropi precisa passar a se preocupar de fato com a erosão do solo, caminho sem volta, desertificação. Desmatamento é arma fatal para a evolução da erosão do solo. 

    1. Este trabalho não é um trabalho científico, mas

      Atenção, Este trabalho não é um trabalho científico, logo é facilmente refutado, porém há MILHARES de trabalhos realmente científicos na bibliografia internacional que falam sobre a relação cobertura vegetal e conservação da água no solo, ou seja, que cortando a floresta a intensidade das cheias e das secas na região aumenta.

      A característica deste trabalho é o oportunismo e o vedetismo do autor, ele trabalhou sobre o assunto há quase trinta anos, de uma forma pouco usual e diríamos com alguns erros de procedimento, logo não é uma autoridade no assunto (nem eu, para não achar que estou querendo me promover).

      1. rdmaestri, a intenção do post

        rdmaestri, a intenção do post não foi de forma alguma promover o autor [que, apesar do nome “estrangeiro” é de longa data pesquisador em academias brasileiras] mas divulgar esses trabalhos que estabelecem relações mais sistêmicas digamos assim, do que os desîgnios de São Pedro para a seca atual que sofremos.

        Entender esses processos e trabalhar seriamente para superá-los significaria mudanças importantes no modo como produzimos e consumimos – não é pouca coisa. Por isso a preguiça imensa de parte dos comentaristas em abordar o assunto … mais fácil simplesmente desacreditar o mensageiro !

        Se há milhares de trabalhos científicos melhores que esse [não duvido nem um pouco], que sejam apresentados para que o debate se enriqueça.

        É só isso que importa.

        Abç

  3. Este tipo de abordagem… amazônia, Culpada pela seca dos outro?

    Não acho certo este tipo de abordagem cientifica sobre a amazônia, me parece que a amazônia e a região Norte eh sempre a Geni do Brasil, e do mundo. Ao meu ver deveriam agradecer a amazonia por ainda exister e poder contribuir com aguas para outras regioes. Estes pesquisadores, deveriam verificar e fazer os calculos de quanta agua a regiao sudeste ja disperdiçou com o desmatamento de quase toda a mata atlantica e destruição de seus recursos hidricos, e deveriam incentivar seu reflorestamento. Quanto ao quintal do vizinho, a amazonia, sim, eh preciso preservar, investido na regiao e no povo da floresta, mas quando se fala em dinheiro, não aparece um para contribuir, apenas criticar, nem ongs, nem onu, nem nada. A Amazônia não eh vilão, e a mocinha, que tá com a bunda na janela… lembrei de um certo alguem, que disse mais ou menos assim: “primeiro tire a trave de teu olho para depois tirar o cisco do olho do teu irmão”.

    1. Acredito que e você ler

      Acredito que e você ler novamente a reportagem, ou se ler pela primeira vez, pois parece que não leu, notará que o posicionamento do autor é exatamente igual ao seu: preservar a amazônia.

  4. criticas

    Notei que os críticos ao autor do texto só xingam,  sem fornecer um embalsamento para a crítica. 

    Se o autor está errado mostrem, ou se calem.

    1. Edson, queres críticas técnicas, então vamos lá!

      Primeiro vamos ao que está correto: O desmatamento não só na Amazônia mas como na Mata Atlântica ou em qualquer mata do mundo, provoca o que se chama o aumento do coeficiente de Runoff ou coeficiente de escorrimento ou melhor (mais elegante) coeficiente de escoamento superficial (relação da água da chuva e a água que escorre sem infiltrar ou ser retida pela massa folear) e este aumento na intensidade das cheias e secas na região já é um problema enorme sobre todos os pontos de vista, logo não estou contrariando a ideia que devemos perseguir um desmatamento zero na Amazônia, porem vou contrariar a expertize do autor como um técnico confiável na área. O que Fearnside me lembra é um imenso marqueteiro da sua ciência e alguém que se dedica a publicar somente em temas que lhe trazem visibilidade.

      Agora vamos às críticas técnicas.

      O aumento do desmatamento de aumenta a intensidade das cheias e secas, pois a água não fica retida no solo, isto já é conhecido a mais de 100 anos principalmente pelo United States Forest Service e mais recente (década de 30-40) pelo National Resources Conservation Service.Numa rápida pesquisa na internet achei inclusive livros da década de 30 que falam neste assunto, como Forest types in the southwest as determined by climate and soil.

      O mais interessante neste livro é uma incrível bibliografia do fim do século XIX e início do século XX que demonstra a precocidade de estudos que nos dias atuais são tratados como coisas inéditas, exemplos Foundations of silviculture upon an ecological Basis – 1928 ou .The influence of Western Yellow pine forest on the accumulation and melting of Snow – 1915  Research Methods in Ecology – 1905 ou finalmente Experimental researches in vegetable assimilation and respiration . IV- A Quantitative study of Carbon-Dioxide assimilation and leaf temperature in natural illumination 1905.

      O que quis destacar nas citações acima que estes estudos já são levados nos Estados Unidos há mais de 100 anos e as conclusões dos trabalhos do Fearnside são tão inéditas como a invenção do avião. A única diferença é que nos USA eles guardam os melhores pesquisadores para eles e mandam os que sobram para os Tupiniquins. 

      Os trabalhos do Fearnside feitos sobre perda de solo na Amazônia carecem inclusive de características básicas de um trabalho científico, a repetibilidade.  Em seus trabalhos ele simplesmente não seguir alguns itens básicos que autores do meio do século XX (principalmente do National Resources Conservation Service) recomendam para o estudo de perda de solo (basicamente os estudos que ele cita são trabalhos de perda de solo). Inclusive num dos seus trabalhos que estuda a Amazônia as parcelas utilizadas tem declividades superiores a 20%, ou seja as declividades que menos existem na Amazônia! Além disto as parcelas não são normalizadas para poder comparar com outros ensaios em outros países, a parcela mais ou menos padrão no mundo inteiro seguem o padrão de Wischmeier -1959 de 4 m de largura  por 22 m de comprimento, valores mínimos para poder ser eliminado o efeito das paredes (as paredes magnificam a erosão, quanto mais estreita a parcela, maior a distância dos dados reais!).

      Os trabalhos de Fearnside não tem a mínima metodologia que centenas de excelente pesquisadores brasileiros de dezenas de Universidades e de órgãos com o Embrapa tem, ele é bem oportunista em se auto citar com trabalhos de décadas atrás para parecer alguém que está contribuindo sobre a hipótese dos rios aéreos (a auto citação é o forte dos seus trabalhos,ou seja ele é referência dele mesmo!).

      Outra coisa surpreendente é o balanço hídrico que ele faz sobre toda a bacia Amazônica, um balanço de uma região extensa como esta teria que ser feito por no mínimo algumas dezenas de especialistas em diversas áreas num projeto que deveria durar de cinco a dez anos e custaria algumas centenas de milhões. Se fosse mais sério trabalho ele deveria no mínimo computar a vazão do Rio Hamza (rio formado pelo aquífero Alter do Chão) que segue paralelo ao Amazonas com uma velocidade muito baixa mas com uma área enorme.

      Os dados que ele usa na seu artigo são dados de um relatório técnico e não de uma publicação que passou por peer review, ou seja, dados sem verificação por outros especialistas.

      Poderia seguir nas críticas, nas quais não adotei nenhum xingamento, mas seria muita perda de tempo.

       

      1. dúvida

        Vc disse que algumas medidas que ele fez já haviam sido feitas (nos EUA não na amazonia), que ele se auto-referencia, e não seguiu o mesmo método de outros pesquisadores, mas…

         

        A derrubada da floresta não reduz a transferência de água para a atmosfera e não aumenta o escoamento de água para os rios?

        1. Claro que aumenta!

          Que o desmatamento aumenta a quantidade de água para os rios, já se sabe há quase um século (ou mais), logo não é nenhuma novidade, todos sabem, o problema não é técnico é político.

          o que mais me contraria é redescobrir a roda a cada publicaçãozinha em sites conservacionistas, parece que todos os técnicos da área são idiotas e que somete sumidades norte-americanas que sabem das coisas.

          Temos técnicos na área muito mais competentes do que ele.

          1. estrangeiro ?

            Philip Martin Fearnside  

                  
            Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1A

             

            Atualmente é pesquisador titular iii do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA, desde 1978).

          2. Para quem sabe construir um currículo, faz sentido!

            Para quem sabe construir um currículo, faz sentido! Afinal com toda a exposição a mídia que ele tem é uma consequência.

            Agora uma pergunta que faço, querias ou não críticas técnicas ao trabalho?

            Se querias apenas elogios era só avisar, eu não perderia meu tempo. Não estava motivado para fazer estas críticas, porém de forma enganosa, acusaste todos de só estarem utilizando argumentum ad hominem. Quando alguém passa a não utilizar esta falácia tu passas a argumentar com outra, argumentum ad auctoritatem, é hora de escolheres, queres uma discussão honesta ou simplesmente queres ganhar a discussão a qualquer preço?

            Se seguires na mesma linha de raciocínio sugiro que não cites Rosa Luxemburgo e utilizes citações do Vanderlei Luxemburgo, pois elas ficariam mais condizentes com o caráter da tua forma de discutir.

          3. que viagem!!!!!!!

            Coloquei que ele é pesquisador do INPA porque vc falou sobre “pesquisadores estrangeiros”.

            Me parece que vc tem algum problema com eles.

            O resto que vc escreveu é viagem da sua cabeça. 

             

          4. Raciocínio circular.

            Voltando ao argumentum ad hominem, depois é viagem!

            Edson, reflita sobre a tua forma de argumentar.

            Ele veio aqui para fazer um doutorado e ficou, não é por isto que ele deixa de ser estrangeiro!

            Agora quanto a ter desconfiança contra pesquisadores estrangeiros que vem até aqui para mostrar o que o Brasil deve fazer ou não, realmente tenho desconfianças.

             

          5. acusações

            Vc imputa aos outros o que faz.

            Eu fiz uma pergunta sobre escoamento de água e uma colocação sobre o autor ser do INPA.

            Todas as outras coisas que vc diz que eu fiz vc tirou da sua própria cabeça.  

  5. Excelente

    O texto está excelente. Pelo menos o autor dele está procurando uma explicação racional para a seca que está em SP. Está buscando uma saída para um fenômeno que ajudou a derrubar o crescimento do PIB ( e por conseguinte ajudar a derrubar a popularidade de Dilma.)

    Melhor do que os eco-céticos que estão esperando sentados que chova e alguns só faltam chegar  ao extremo de tentar  negar que houve seca em SP no ano passado
     

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