Meio Ambiente

Fala FADS: A energia não pode ser um gargalo

por Ana Claudia, membra do FADS

Nós sabemos que o Brasil é rico em fontes renováveis de energia, e que muitos países gostariam de possuir uma natureza propícia para a geração de energia limpa como o nosso, mas nem todas as regiões do mundo são abundantes de recursos como a nossa. Por exemplo, que as maiores médias de radiação solar da Alemanha são menores do que as medidas mínimas brasileiras. Aqui, a matriz energética é limpa e renovável. 58% da nossa energia vem das hidroelétricas. A participação das energias eólica e solar no abastecimento elétrico do país vem crescendo e tomando importância. O cenário parece perfeito, mas estamos em meio a uma enorme crise que pode nos conduzir ao racionamento e até a apagões.

E não é a primeira crise que vivemos, tampouco não era de se prever, ao contrário, trata-se de um problema que já vinha se anunciando aos olhos atentos, por diversos fatores. Por exemplo, a regulação do setor hidrelétrico, considerando os períodos de cheia e de seca, busca manter uma determinada média de água nos reservatórios, sem levar em conta o real crescimento da demanda, mas o consumo de energia vem crescendo enquanto a expectativa de geração nova é muito baixa.

O professor Edvaldo Santana, no programa Brasil Energia Debates de setembro de 2021, disse acreditar que as empresas que possuem a concessão do uso da água das usinas não se sentem responsáveis pela administração dos reservatórios. Ainda que o processo de concessão estipule o investimento da concessionária, elas entendem que a responsabilidade é dos órgãos públicos. Afora isso, sabemos que ocorreram reduções de investimentos no setor, bem como desfalques relacionados à eficiência energética. 

No mesmo programa de debates, o consultor Luiz Eduardo Barata ressaltou, como principal agravante da situação, a crise hídrica, decorrente de uma crise climática, que já há algum tempo afeta não só o Brasil, mas o mundo todo. “Nós temos visto, diariamente, eventos extremos no hemisfério Norte, um calor terrível afetando Estados Unidos e Canadá; Europa e China com enchentes… Eu diria que essa crise climática de hoje, que seguramente será bastante discutida na COP26, em Glasgow, em novembro, é a causa da crise hídrica que afeta o Brasil. Como nós temos a nossa matriz majoritariamente hidroelétrica, é natural que a crise hídrica se transforme em crise energética.” Para Barata, já faz tempo que a situação vem se tornando crítica. 

Nota-se, então, que se fossem tomadas as providências necessárias pelos órgãos competentes a tempo, a situação energética, hoje, poderia ser mais tranquila. Mas vejamos como está sendo resolvido o problema.

Embora a matriz elétrica brasileira faça uso de fontes renováveis, o segundo modelo que mais utilizamos é o termoelétrico, que se procede com a combustão de fontes como os combustíveis fósseis, cuja formação, no nosso planeta, deu-se há prováveis 11 mil anos, e que não se renovam. 

As termoelétricas são alternativas para países que não possuem os recursos naturais que temos. São mais rápidas de serem construídas e menos exigentes quanto ao local de construção, pois independem da quantidade de precipitação e de cursos d’água. Dessa forma podem ser instaladas por um custo menor. Por outro lado, fazem uso de fontes cuja queima gera poluentes responsáveis pelo efeito estufa e aumento do aquecimento global. Trata-se de um modelo de geração prejudicial ao ambiente em que vivemos, que faz uso uma tecnologia bastante questionada atualmente, considerada inadequada nesses tempos em que o mundo busca estratégias para mitigar as mudanças climáticas. E, como se não bastasse, seu custo final é mais elevado do que o da energia gerada por meio de fontes renováveis.

Luiz Pinguelli Rosa conta que, em 2007, foram apresentados, em seminário na Fiesp, dados mostrando que a energia elétrica produzida no Brasil tornou-se mais cara do que a de muitos países ricos, em particular, aqueles que usam fortemente a hidroeletricidade como o Canadá, e o preço veio subido muito acima da inflação. 

A distribuição da energia elétrica no Brasil segue o modelo de modicidade tarifária, na qual o operador do sistema vai despachando a energia conforme o preço, começando com as hidroelétricas (R$ 200 mw/h), depois lançando mão das termoelétricas, primeiro as à gás (R$ 600 mw/h), até chegar nas térmicas emergenciais à diesel (cerca de R$ 3.000 mw/h). 

O investimento em termoelétricas vem crescendo. Em setembro de 2021 a CNN publicou um levantamento mostrando que o país tem 19 usinas termelétricas em construção e uma nuclear. “Entre os projetos termelétricos, sete terão combustíveis fósseis como combustível, principalmente, o gás natural. Outros 12 serão alimentados por biomassa, utilizando licor negro, produto do tratamento da indústria de papel e celulose, e o bagaço de cana-de-açúcar. Cada unidade tem contrato próprio e prazo de entrega diferente das demais. O total permite abastecer uma cidade com 5 milhões de habitantes” diz a reportagem.

Em vista desse tipo solução para as situações drásticas que temos atravessado no setor de energia deste país, fico imaginando se não estamos fazendo da nossa energia um gargalo, como mencionou Luiz Pinguelli Rosa, em artigo que expõe os problemas “da implementação de um novo modelo no setor energético e para a inclusão de termelétricas em um grande sistema hidrelétrico”. Para esse autor, o governo deve dar mais atenção às fontes renováveis, considerando a “necessidade de uma política energética voltada também para o lado da demanda, visando ao aumento da eficiência dos equipamentos e à racionalização do seu uso, mesmo no setor residencial, sem com isso negar o direito de grande parte da população mais pobre aumentar seu consumo, dadas as enormes disparidades existentes”.

No Fala FADS desta quarta-feira, 6 de outubro, abordaremos essas questões tendo “Termoelétricas: alternativa de hoje, crise e risco de amanhã” como tema de debate. Os nossos convidados são:

  • Jeffer Castelo Branco é diretor da Associação de Combate aos Poluentes e pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Saúde Socioambiental da Unifesp. É técnico em meio ambiente, graduado em serviço social, mestre em Ciências pela Unifesp e doutorando em Ciências pelo programa de Pós-graduação interdisciplinar em ciências da Saúde da Unifesp.
  • Mari Polachini, que é engenheira agrônoma, cofundadora do MoCAN (Movimento Contra as Agressões à Natureza); secretária executiva do Condema (Conselho de Defesa do Meio Ambiente) e presidenta do COMBEM (Conselho de Proteção e Bem-Estar Animal) de Peruíbe. É conselheira do Conselho Gestor da APAMLC (APA Marinha do Litoral Centro).; integrante do NEPSSA (Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde Socioambiental da UNIFESP) e uma das coordenadoras da FABS (Frente Ambientalista da Baixada Santista), que criou e mantém os seguintes grupos de atuação: Movimento a Cava é Cova, Movimento Contra a Incineração e Movimento Fora Navio Bomba.
  • Vicente Andreu é estatístico pela Unicamp e exerceu o cargo de diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) de 2010 a janeiro de 2018. Exerceu, entre outros, os cargos de diretor da CPFL, presidente da SANASA-Campinas/SP, secretário municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente de Campinas/SP, diretor-presidente da Usina Termoelétrica Nova Piratininga e secretário nacional de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente. Também presidiu o Sindicato dos Eletricitários de Campinas
  • Wilson Cabral é oceanólogo com mestrado em Sensoriamento Remoto e doutorado em Economia. Realizou pós-doutorado no Instituto de Energia e Ambiente da USP e no Centro de Pesquisas em Sustentabilidade da Universidade de Sunshine Coast/Austrália. É professor associado do ITA. Atua com pesquisas em Infraestrutura, Ambiente e Sustentabilidade. É autor do livro “Tapajós: hidrelétricas, infraestrutura e caos”, dentre outros.

A mediação do debate ficará por conta de Carlos Henrique Andrade Oliveira, que é arquiteto e urbanista, com atuação em gestão ambiental, que atualmente é assessor parlamentar da deputada estadual em São Paulo Marina Helou (REDE). 

Assista ao Fala FADS Termoelétricas: alternativa de hoje, crise e risco de amanhã, nesta quarta-feira, 6 de outubro, a partir das 18h30, pela TV GGN (https://www.youtube.com/c/TVGGN). Para saber mais sobre a FADS ou assistir aos programas anteriores, acesse https://www.facebook.com/falafads

Referências 

BARATA, Luiz Eduardo. Brasil Energia Debates: com Edvaldo Santana e Luiz Eduardo Barata. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Phu37wG8Q MA>. Acesso em: out./2021. (vídeo).

ISA, Instituto Socioambiental. Ameaça de termoelétrica na Juréia mobiliza comunidades e parceiros no litoral sul de SP. 11/set./2017. Disponível em: <https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/ameaca-de-termoeletrica-na-jureia-mobiliza-comunidades-e-parceiros-no-litoral-sul-de-sp> Acesso em: out./2021.

ROSA, Luiz Pinguelli. Geração hidrelétrica, termelétrica e nuclear. Estudos Avançados. 2007, v. 21, n. 59 Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-40142007000100005>. Acesso em: out./2021.

SALLESDA, Stéfano. Entre termelétricas e nuclear, Brasil tem 20 usinas de energia em construção. CNN, Rio de Janeiro, 02/09/2021. <https://www.cnnbrasil.com.br/ business/entre-termeletricas-e-nuclear-brasil-tem-20-usinas-de-energia-em-construcao/> Acesso em: out./2021.

SANTANA, Edvaldo. Brasil Energia Debates: com Edvaldo Santana e Luiz Eduardo Barata. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Phu37wG8QMA>. Acesso em: out./2021. (vídeo).

Redação

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