Investigação revela a extensão do desmatamento ilegal ligado à JBS, Marfrig e Minerva

do EcoDebate

Investigação revela a extensão do desmatamento ilegal ligado à JBS, Marfrig e Minerva

Novo relatório da Global Witness mostra como as três maiores empresas de carne do Brasil não conseguem evitar o envolvimento de suas cadeias produtivas com grandes áreas desmatadas na Amazônia, e como isso não foi identificado nas auditorias feitas por DNV-GL e Grant Thornton, conhecidas empresas internacionais de auditoria.

Ao mesmo tempo, grandes bancos como Santander, Barclays e Morgan Stanley continuam a apoiar as gigantes da carne, apesar dos muitos avisos sobre suas práticas destrutivas.

A Global Witness revela hoje a extensão do desmatamento ligado às cadeias produtivas de algumas das maiores empresas de carne bovina do mundo: JBS, Marfrig e Minerva. A investigação constatou que entre 2017 e 2019, apenas no estado do Pará, essas empresas compraram gado de 379 fazendas com mais de campos de futebol de desmatamento ilegal, infringindo os termos de ajuste de conduta firmados com o Ministério Público Federal e as suas obrigações legais.

Avaliações erradas feitas pelos auditores internacionais DNV-GL e Grant Thornton para monitorar o cumprimento dessas obrigações não foram capazes de identificar esses casos, mas foram usadas pelas empresas para dar um “greenwash” (verniz ecológico) em suas credenciais ambientais.

A pesquisa também mostra como essas gigantes da carne bovina falharam em monitorar mais de 4.000 fazendas no Pará inseridas em suas cadeias produtivas, e com um total estimado de 140.000 campos de futebol de desmatamento, para evitar que gado dessas fazendas chegasse a seus frigoríficos.

Ademais, JBS e Marfrig compraram gado de pecuaristas acusados pelo Ministério Público Federal de grilagem de terras, abusos de direitos humanos de povos indígenas e ativistas dos direitos à terra, além do assassinato de representantes de movimentos de trabalhadores sem terra.

Essas falhas foram recompensadas por grandes bancos da UE e dos EUA, que financiaram as empresas de carne bovina em quase R$ 14 bilhões no período analisado. Nomes tradicionais como Santander, Deutsche Bank, Barclays, Morgan Stanley, BNP Paribas, ING e HSBC aparentemente falharam em fazer a due diligence de seu envolvimento com essa destruição e continuam a apoiar as empresas de carne bovina, apesar de muitos avisos sobre seus problemas. Grandes bancos brasileiros também estão envolvidos, com Bradesco e Banco do Brasil, que facilitaram mais de R$ 6 bilhões para as empresas no período.

A nova investigação da Global Witness, Carne Bovina, Bancos e Amazônia Brasileira, mostra como a ausência de leis em países consumidores e centros financeiros como a Europa e os EUA significa que as empresas de carne bovina, os bancos e investidores que as apoiam e os importadores e supermercados que compram sua carne podem continuar lucrando com o desmatamento desenfreado sem arcar com as consequências.

“Nossa investigação demonstra claramente que um setor privado não regulamentado e com políticas voluntárias de não desmatamento não conseguiu lidar com a destruição da floresta e os abusos dos direitos humanos relacionados. Isso pode contribuir para a perda permanente da floresta amazônica”, diz Chris Moye, Investigador Sênior da Amazônia na Global Witness. “Todos os envolvidos – fazendas que criam gado, gigantes da indústria da carne brasileira, auditores internacionais, financiadores tradicionais, supermercados, importadores e redes de fast-food – estão destruindo florestas tropicais, ou são cúmplices, com auditorias falhas realizadas por auditores americanos e europeus”, acrescenta.

“Existe uma alternativa. Governos em todo o mundo devem tomar medidas e garantir que as empresas, incluindo bancos, sejam responsabilizadas por seu papel na destruição da Amazônia, exigindo due diligence obrigatória sobre riscos de desmatamento. Isso teria um impacto real na viabilidade do modelo de negócios destrutivo das empresas de carne bovina e as obrigaria a enfrentar o desmatamento e os abusos de direitos humanos em suas cadeias produtivas”, conclui Moye.

A equipe da Global Witness usou diversas técnicas investigativas, incluindo imagens de satélite, análise geoespacial, mineração de dados, documentos publicamente disponíveis e entrevistas com fontes. A investigação fornece provas detalhadas de todas as alegações, com imagens de satélite para cada uma das 379 fazendas incluídas no relatório. Seis estudos de caso originais também ilustram como essas empresas de carne compraram de pecuaristas acusados de fraudes, grilagem de terras e violações de direitos humanos, ou que foram multados pelo Ibama por desmatamento ilegal.

Essas descobertas vêm à tona enquanto a Amazônia está sendo destruída a taxas alarmantes, com a revogação de proteções florestais pelo governo Bolsonaro, redução da fiscalização durante a COVID-19 e outra devastadora temporada de incêndios, criando o pior cenário possível. O desmatamento da Amazônia aumentou dramaticamente ao longo de 2019 e 2020, resultando na maior taxa de desmatamento desde 2008. No Brasil, 70% dessa destruição foi causada pelo desmatamento de terras para a pecuária. Sozinha, a produção de carne bovina no Brasil é considerada a principal causa de emissões provenientes de desmatamento na América Latina.

Preservar as florestas tropicais é fundamental para ajudar a interromper a degradação do clima e proteger as comunidades locais e os povos indígenas que dependem delas e as defendem. Além disso, a pandemia de Covid-19 destacou a importância de preservar os hotspots de biodiversidade, como a Amazônia, para prevenir a propagação de zoonoses.

A Global Witness está convocando os países que importam, financiam ou investem em commodities de risco florestal, como a carne bovina brasileira, a aprovar legislação exigindo que todas as empresas, incluindo instituições financeiras, identifiquem, previnam, mitiguem e relatem riscos de desmatamento e direitos humanos relacionados às florestas.

A Global Witness também pede que JBS, Marfrig e Minerva adotem total transparência em suas cadeias produtivas, a fim de permitir o escrutínio público das fazendas das quais essas empresas compram gado. Até que tais medidas sejam implementadas, nenhum financiador ou comprador pode confiar nas garantias das empresas de que seus compromissos relacionados à floresta estão sendo respeitados.

O Governo Federal do Brasil deve assegurar que dados independentes e publicamente disponíveis que rastreiam o ciclo de vida do gado sejam facilmente acessíveis, como as guias de trânsito animal que mostram de quais fazendas as empresas de carne compram.

Todas as empresas de carne bovina, bancos e auditores apresentados no relatório foram procurados para comentários (consulte as notas abaixo).

Leia a íntegra do relatório da Global Witness clicando aqui.

Notas:
• JBS, Marfrig e Minerva se comprometeram a não comprar gado de fazendas que desmataram após outubro de 2009, foram embargadas pelo Ibama ou se sobrepunham a terras protegidas ou indígenas. JBS e Minerva também têm termos de ajuste de conduta com o Ministério Público Federal do meio ambiente no estado do Pará, comprometendo-se a não adquirir gado de fazendas com desmatamento ilegal ocorrido após 22 de julho de 2008.
• O relatório também detalha várias relações financeiras em andamento entre grandes bancos da UE e dos Estados Unidos e empresas de carne bovina, apesar dos muitos avisos sobre suas relações com o desmatamento. Por exemplo, em 2019, o BNP Paribas, o ING Bank e o Santander lideraram a venda dos polêmicos “títulos de transição” sustentáveis da Marfrig, que permitiriam à empresa investir mais em seus frigoríficos na Amazônia, apesar de seu fracasso de uma década na remoção de fornecedores indiretos com desmatamento de suas cadeias produtivas. Enquanto isso, os compromissos declarados do Barclays com as florestas não o impediram de subscrever quatro negócios de títulos no exterior para a JBS desde 2017, no valor combinado de U$ 2,75 bilhões, apesar de a empresa estar muitas vezes ligada ao desmatamento da Amazônia e de seu envolvimento na grande investigação de corrupção da Lava-Jato. As respostas dos bancos às novas descobertas do relatório demonstram que eles continuam não fazendo a due dilligence necessária.
• Em resposta às nossas alegações, as empresas de carne bovina alegaram que as guias de transporte animal, que detalham a origem do gado que compram, não são documentos disponíveis ao público. Portanto, elas afirmaram que não conseguem monitorar o movimento do gado ao longo da cadeia produtiva para ver se os animais provêm de fazendas com desmatamento. No entanto, essas alegações são refutadas por várias análises legais que concluíram que tais documentos estão sim disponíveis ao público. Vários estados da Amazônia brasileira também estão agravando a situação ao dificultar o acesso a essas guias, que são essenciais para responsabilizar os pecuaristas e as empresas de carne bovina pelo cumprimento das leis brasileiras.
• A JBS teve a oportunidade de comentar sobre sua ligação com 327 fazendas com desmatamento ilegal e das quais a Global Witness alega que a empresa comprou gado entre 2017 e 2019. A empresa apresentou justificativas para cada fazenda, alegando que em 94% dos casos estavam cumprindo suas promessas legais e voluntárias de não desmatamento, e em 6% dos casos não tinha registros de compra de gado das fazendas em questão. A Global Witness avaliou todas essas explicações e as considerou inadequadas, sustentando suas alegações originais (consulte o relatório para mais detalhes).
• A Marfrig teve a oportunidade de comentar sobre sua ligação com 89 fazendas com desmatamento ilegal e das quais a Global Witness alega que a empresa comprou gado entre 2017 e 2019. A empresa alegou que 84 dessas fazendas cumpriram suas promessas voluntárias e legais de não desmatamento e que não foi possível identificar compras de gado de cinco delas, de acordo com as informações enviadas. A Global Witness, por sua vez, avaliou essas explicações e concluiu que todas as justificativas eram inválidas (consulte o relatório para mais detalhes).
• A Minerva teve a oportunidade de comentar sobre sua ligação com 16 fazendas com desmatamento ilegal e das quais a Global Witness alega que a empresa comprou gado entre 2017 e 2019. A empresa alegou que 13 das fazendas cumpriam suas promessas voluntárias e legais de não desmatamento e que não tinha registros de compras de três delas. A Global Witness, por sua vez, avaliou todas as justificativas e as considerou inválidas, sustentando as alegações iniciais (consulte o relatório para mais detalhes).
• Em suas respostas aos pedidos para comentar, DNV-GL e Grant Thornton alegaram que restrições às auditorias podem tê-las impedido de identificar os casos encontrados pela Global Witness.
• Quando questionados sobre o assunto, todos os bancos mencionados no relatório defenderam seu relacionamento com as empresas de carne.
• A Global Witness contratou a Profundo para pesquisar o financiamento de seis empresas do agronegócio ativas em Papua Nova Guiné, na Bacia do Congo e na Amazônia brasileira. As atividades de crédito, que incluem empréstimos e subscrições, foram analisadas entre janeiro de 2013 e março de 2019, enquanto a compra de ações e títulos foi analisada em sua data de depósito mais recente, abril/maio de 2019. É impossível saber quanto de um financiamento foi usado para financiar desmatamento, se é que isso aconteceu de fato. Ao publicar este conjunto de dados, não fazemos nenhuma alegação de que os bancos indicados financiam conscientemente a destruição da floresta tropical ou sejam culpados de qualquer delito específico. No entanto, descobertas detalhadas sobre algumas instituições apresentadas podem ser encontradas em nosso relatório Money to Burn

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/12/2020

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