Israel: os tiros na própria face

Os mais sólidos resultados da política de assassinatos de Israel são os realinhamentos estratégico de países, o descrédito mundial e o fortalecimento dos inimigos.

Artigo de Chico Villela

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Até mesmo o sempre pusilânime governo BHObama foi levado à “recomendação a Israel” de encerramento do bloqueio criminoso aos palestinos da Faixa de Gaza, cerca de 1,5 milhão. Como aliado preferencial, incondicional e, neste momento, quase isolado, os EUA vêem sua obra dissolver-se e sua política externa embarcar nas mesmas águas em que naufraga a política externa israelense, o que, evidentemente, desagrada ao governo euamericano. O governo egípcio, pago pelos seus serviços obedientes à política de Israel-EUA (depois de Israel, é o país que mais recebe dinheiro dos EUA), foi obrigado a abrir passagem para os palestinos de Gaza e deixar de lado seu papel secundário no bloqueio.

O lobby israelense é o mais forte do mundo, e chega a determinar movimentos sísmicos nas políticas externa e interna dos EUA. Com a aberta perspectiva de perder para a oposição republicana as eleições deste ano para a renovação de mandatos parlamentares, o governo debate-se entre dois fogos não tão amigos. Há o fracasso cada vez mais acentuado da política externa de guerras e de apoio a Israel, e há a crise que se aprofunda e anuncia severa depressão a partir da predominância do insolúvel nó das dívidas interna e externa e do abismo fiscal.

O ataque à Turquia consumado no navio Mavi Marmara, com o assassinato de nove ativistas turcos, alguns à queima-roupa (há até tiros na face disparados, segundo os médicos legistas, a distâncias de menos de meio metro); o desaparecimento de citados seis ativistas; e ferimentos em mais de sessenta pacíficos militantes antibloqueio, provocou para Israel a perda do seu maior aliado na região. Maior e mais antigo: a Turquia, hoje ainda membro da Otan, reconheceu a existência do Estado de Israel já na sua origem, em 1949. O ataque a uma embarcação em águas internacionais que navega sob a bandeira de um país equivale, pelas leis aceitas em todo o mundo, a um ataque ao país. É como se a embarcação fosse uma embaixada.

Os desentendimentos com a Turquia vêm se acumulando, e foram agravados pela barbárie israelense em 2009 contra a população da Faixa de Gaza, em que, contra a morte de 13 tropas israelenses, foram assassinados mais de 1,1 mil palestinos, entre eles centenas de mulheres e crianças. Na reunião anual dos donos do mundo financeiro em Davos, na Suíça, em 2009, o premiê turco Tayyip Erdogan abandonou um debate com o presidente israelense Shimon Peres após ter sido bloqueado em seu tempo de resposta a Peres pela sua defesa de doze minutos do ataque a Gaza de 2009.

Ao sair da sala e retirar-se da reunião, Erdogan declarou a Peres em público: “Vocês sabem matar muito bem”. Bem até demais: acabam de assassinar quatro palestinos desarmados que navegavam em uma canoa de poucos metros, dessas em que cabem três pescadores, se tanto. Para os porta-vozes das forças armadas, eram “terroristas” que carregavam “armas” e planejavam um “atentado”. Pela primeira vez na história das guerras, de canoa.

A Turquia declarou-se disposta a enviar ajuda aos palestinos de Gaza em embarcações acompanhadas por navios de guerra da sua frota. Semana passada, o Irã ecoou a proposta e também declarou-se favorável ao envio de ajuda iraniana com escolta de guerra. Ou seja: se Israel quiser a guerra na região, tem a decisão em suas mãos. Mas desta vez seus adversários são equivalentes em poderio bélico tradicional, o que obrigaria a entrada dos EUA no conflito e detonaria o que vem sendo chamado de Terceira Guerra Mundial.

Desenvolve-se hoje e amanhã em Istanbul a terceira reunião da CICA – Conference on Interaction and Confidence-Building Measures in Asia, com a presença de presidentes Nazarbayev do Casaquistão, Ahmadinejad do Irã, Alyiev do Azerbaijão, al-Assad da Síria,  Karzai do Afeganistão, do chefe Abbas da Autoridade Palestina e de dirigentes da Turquia, além de representantes dos EUA, Japão, Indonésia, Malásia, Ucrânia e Qatar e de enviado da ONU e outros delegados. A CICA foi fundada no fim do século passado a partir de iniciativa do Casaquistão após a dissolução da URSS. O premiê russo Putin também compareceu e fez pronunciamento hoje cedo, além de uma série de reuniões bilaterais.  

O Casaquistão, ao fim do império soviético, viu-se no papel de potência nuclear, com comando sobre boa parte do arsenal de armas atômicas da antiga URSS. Numa iniciativa elogiável, firmou acordo com Uzbequistão, Quirguistão, Turcmenistão e Tadjiquistão para desnuclearizar a Ásia Central e renunciou ao seu fantástico arsenal. Israel também faz parte da CICA original, mas, evidentemente, não mandou representantes: a agenda internacional da conferência aborda o acordo Brasil-Turquia Irã, o recente ataque à flotilha de bandeiras turca e grega por Israel e a crise entre as Coréias.

 O Irã também assumiu posição pela desnuclearização do Oriente Médio, o que, se levado a efeito, significaria a renúncia de Israel a seu arsenal nuclear. Nazarbayev declarou, em nome dos participantes da CICA, que a entidade apóia firmemente o Irã em seus propósitos pacíficos de domínio do ciclo nuclear, e que a solução dos problemas só pode ser encaminhada por meios pacíficos e políticos. E também que o armamento nuclear, a maior ameaça à humanidade, deve ser destruído em todo o planeta. Tem autoridade para se pronunciar.

Cada vez com mais veemência, a Turquia realinha suas relações com muitos países a partir da sua economia sólida e posição estratégica de participante do mundo europeu e também do asiático. Abre novas portas largas de cooperação com o Irã, com o qual mantém diversos projetos de energia e outros temas. E aprofunda seus laços com a Rússia, seu principal parceiro comercial, com projetos em colaboração de oleogasodutos, como o South Stream e o Samsun-Ceyhan, e a primeira central de energia nuclear, a ser construída pelos russos, no porto mediterrâneo turco de Mersin.

Em artigo no jornal Hurriyet Daily News, o analista Marco Vicentino anota (trechos selecionados, tradução livre): “A recente violência fora da costa da Faixa de Gaza marcou um momento definitivo na opinião pública mundial”. “A Turquia vem habilidosamente preenchendo os vácuos deixados por outros países”. “A Turquia demonstrou claramente intenção de perseguir seus interesses vigorosamente, afirmá-los publicamente e arriscar confrontação se for preciso”. “Os dias da obediente aliada da Otan que desempenhava seu papel conforme a solicitação estão encerrados”. “Sua expansão não é liderada por soldados, mas por atilados empresários”. “Em conseqüência, o papel da Turquia como respeitado poder regional tem crescido exponencialmente”.

“Também colocou o último prego no caixão da sua parceria histórica estratégica com Israel, datada da época da Guerra Fria”. “Sem dúvida, o crescimento histórico da Turquia era inevitável, particularmente se consideradas sua posição geográfica e sua população”. A questão principal versava sobre quando a Turquia iria assumir plenamente seu papel de liderança na região. Seu tempo chegou. Agora, precisa proceder com responsabilidade”.  

Esta semana, Istanbul sediará também a quinta reunião do Fórum Econômico Árabe-Turco, criado em 2005, com presença dos países da Liga Árabe e de mais de 3 mil empresários e 300 instituições. Aos poucos, a Turquia abandona a órbita USA-Otan-União Européia (à qual por anos se candidatou e não foi admitida) e aproxima-se mais ainda de Irã, Rússia, mundo árabe. BHObama e seus planejadores políticos e militares devem estar bastante preocupados. Mais talvez que com seu genocida aliado regional.

Mas o que pode ser o maior tiro de Israel na própria face acaba de virar notícia: judeus alemães da Organização Voz Judaica da Alemanha para a Paz no Oriente Médio estão preparando uma flotilha de três embarcações para seguir em direção à Faixa de Gaza. Um membro do grupo, Katie Laitrer, declarou que os judeus alemães ficaram “assustados”, não com o Hamas, mas com a virulência dos militares israelenses. Outras notícias dão conta de que judeus de alguns países europeus estão no mesmo caminho. 

Em tempo: a Folha enviou o jornalista Marcelo Ninio à Faixa de Gaza. O relato do rapaz é orwelliano, e os verbos duplipensar e duplifalar ganham toda sua torpe e abjeta dimensão. Em chamada no alto da primeira página da edição de domingo 6, o jornal titula: “Há alimentos em Gaza, mas a economia está arrasada”. E vem o texto do rapaz: “As prateleiras dos mercados da faixa de Gaza estão cheias. Não falta quase nada nas farmácias. Não há crise humanitária na região”. Ou seja, não são necessários navios com ajuda se não há crise humanitária…

O impávido e orwelliano rapaz continua: “Mas três anos de bloqueio israelense arrasaram a economia, deixaram quase metade da população desempregada e tornaram muitos dos produtos inacessíveis a grande parte do 1,5 milhão de palestinos”.

É exatamente o mesmo que dizer que não há crise de transportes em São Paulo porque as revendedoras dos Jardins e dos bairros chiques estão cheias de BMWs e Mercedes. O editor de extrema-direita da Folha não dá trégua. A Folha é ridícula.

Chico Villela é editor de Mundo da revista NovaE.

Redação

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