O Relatório Independente sobre Belo Monte: metano e fazendas

O relatório independente sobre Belo Monte

Em 2009 foi circulado um relatório de vários acadêmicos criticando o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte: http://t.co/7wpTzG94. É um relatório de mais de 200 páginas com muitas críticas detalhadas sobre todos os aspectos do EIA.

De modo geral, não tenho conhecimento para dizer se as críticas são pertinentes ou não.  Entretanto, na maior parte elas me parecem ser apenas divergências quantitativas: quanta área será alagada, quanta água restará no trecho de vazão reduzida, quantas pessoas serão afetadas e em que grau, e assim por diante.  Ou seja, na maior parte as críticas não mostram problemas que o EIA tenha omitido e que inviabilizem o projeto, mas apenas afirmam que as medidas de remediamento deveriam ser mais extensas do que contemplado no EIA. 

A questão do metano

A única critica que notei que poderia ser um obstáculo sério é a questão do metano. O especialista que escreveu essa parte do relatório (Phillip Fearnside) observa que os reservatórios de usinas hidroelétricas (bem como muitos lagos naturais) só tem oxigênio dissolvido numa camada superficial, da ordem de uns ~10 metros.  Abaixo dessa profundidade a água geralmente é anóxica (sem oxigênio dissolvido).  Nessas condições, a decomposição de material orgânico (como algas e vegetação trazida pelo rio) é diferente da que ocorre em condições normais.  Madeira e outras partes duras das plantas resistem indefinidamente na água anóxica sem apodrecer, mas as partes moles apodrecem gerando gás metano (CH4) que fica dissolvido na água. 

Embora o metano em si seja inofensivo aos seres vivos, acredita-se que ele tem efeito estufa 20-25 vezes maior que o dióxido de carbono (CO2), o gás produzido pela queima de combustíveis e pelo apodrecimento em presença de oxigênio. O metano produzido em lagos naturais não é um problema, pois para escapar ele tem que atravessar a camada de água oxigenada , onde ele é quase todo convertido para CO2.  (Por ser parte do ciclo da vegetação, este CO2 não conta como adição ao efeito estufa.)

Porém, numa hidroelétrica típica, as turbinas tiram água do fundo do reservatório, cheia de metano, e a despejam rio abaixo, onde o metano é liberado e vai para a atmosfera sem tempo de virar CO2. Assim, um parte do carbono que circula entre o CO2 da atmosfera e a vegetação é desviado para metano na atmosfera, aumentando o efeito estufa.  Fearnside calcula que o metano liberado desta maneira por certas hidroelétricas na Amazônia contribui para o efeito-estufa 2-3 vezes mais que o CO2 que seria gerado por usinas termoelétricas de mesma potência.

Ora, a ausência de emissões de gases-estufa era supostamente a principal vantagem das usinas hidroelétricas sobre as termoelétricas.  Se a análise de Fearnside fosse válida, então a decisão lógica seria trocar belo Monte (e outras usinas hidroelétricas) por usinas termoelétricas. 

Porém, vejo três problemas nessa análise: dois gerais, e um específico para Belo Monte.

Em primeiro lugar, o metano tem vida limitada na atmosfera:  a cada 12 anos, metade da quantidade existente é convertida para CO2. Isso significa que, depois de duas ou três décadas, a produção efetiva de metano pela usina fica muito pequena.  Depois desse tempo, a quantidade de CH4 que é liberada na saída da turbina, por ano, fica praticamente igual à quantidade que é convertida para CO2; e este, como dito acima, não conta para efeito estufa pois é parte do ciclo da vegetação.  Portanto, mesmo que uma usina hidroelétrica seja mais poluente do que uma termoelétrica nos primeiros 20 anos, no decorrer de sua vida esperada (possivelmente 100 anos ou mais) ela vai contribuir bem menos.

Em segundo lugar, a camada anóxica de lagos e barragens é um importante sorvedouro de gás estufa. Isso porque parte da matéria vegetal que entra nela vai parar no fundo sem se decompor.  Não encontrei dados sobre qual é a percentagem de carbono que é sequestrada (em vez de virar CO2 ou CH4),mas mesmo que seja pequena, este fenômeno faz com que uma usina hidroelétrica não apenas páre de poluir mas comece a limpar atmosfera depois de algumas décadas.

Finalmente, Belo monte tem várias características que devem diminuir ou eliminar completamente o problema do metano.  Nas usinas ‘poluidoras’, a água que entra no reservatório fica 10-30 anos parada no lago antes de sair pelas turbinas; enquanto que em BM, como o reservatório é praticamente inexistente, o tempo de residência da água deve ser muito curto, e portanto  boa parte da matéria vegetal suspensa deve  sair antes de ter tempo de se decompor.  Além disso, em BM a água é levada da barragem até as turbinas por canais abertos, que retiram água da camada de água oxigenada no alto do reservatório, e portanto sem metano.  O metano na camada anóxica, se houver, só poderá escapar atravessando a camada oxigenada, onde será covertido para CO2.

Em suma, mesmo no aspecto da produção de metano, ainda não vi no relatório nenhum problema que justifique cancelar o projeto.

Floresta já foi em boa parte desmatada

Aproveitando o ensejo, é importante notar que a maior parte da área afetada por Belo Monte não é floresta amazônica, mas sim área desmatada, aparentemente grandes fazendas agropecuárias.  Este fato pode ser constatado na imagem do LANDSAT abaixo, que cobre aproximadamente 400×400 km:

http://www.ic.unicamp.br/~stolfi/EXPORT/projects/img-belo-monte/L225a/t547.png

Nesta imagem, as manchas brancas no alto são nuvens, preto são rios (ou sombras das nuvens), verde escuro é floresta, e marrom ou verde claro são áreas desmatadas.  A mancha avermelhada na margem esquerda, na primeira “esquina” do rio Xingu, é a cidade de Altamira. Pode-se ver que a área dentro da Grande Volta está quase toda desmatada.  Esta imagem pode ser comparada com a planta da usina: http://3.bp.blogspot.com/_Zw7UaMn21wY/S-2qddgC3lI/AAAAAAAACvE/abKxELCi6Kk/s1600/Trecho+vaz%C3%A3o+reduzida.png

Redação

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