Os prejuízos do volume morto do Cantareira para os ecossistemas dos mananciais

Do Estadão

‘Volume morto’ do Cantareira ameaça espécies de extinção
 
Ricardo Brandt – O Estado de S.Paulo

CAMPINAS – A seca nos rios e reservatórios do Sistema Cantareira e a utilização de bombas de sucção para captar a água do fundo das represas (o chamado volume morto), para evitar o racionamento, vão desestruturar todo o ecossistema desses mananciais, com prejuízos ainda incalculáveis e permanentes para algumas espécies da fauna e da flora.

Peixes vão desaparecer, aves e outros animais migrarão. Esses e demais organismos vivos do bioma passarão por transformações biológicas e comportamentais, provocadas pela seca severa fora de época do verão de 2014. Problema que será potencializado com a captação do volume morto do Cantareira.

Num efeito em cascata, toda cadeia alimentar das vidas dos mananciais vai mudar. “A alteração que essa queda de volume de água nos rios e represas e a possibilidade de se mexer no volume morto do Cantareira podem provocar nesse meio ambiente é sem precedentes e só poderá ser avaliada no futuro”, afirma a bióloga e professora da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) Silvia Regina Gobbo.

Os níveis dos reservatórios do Cantareira atingiram ontem 13% – pior índice desde que foram construídos. Nos rios da bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), que forma o sistema, a baixa vazão já provoca alterações.

Em fevereiro foi registrada a mortandade de cascudos no Rio Camanducaia, na altura de Amparo. A espécie é uma das mais resistentes e vive no fundo dos mananciais.

“O que aconteceu em Piracicaba também foi um exemplo do que pode ocorrer com a soma de poluentes, rios em baixo nível e calor”, afirma Dejanira de Franceschini de Angelis, professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Rio Claro.

Com menor quantidade de água, a temperatura aumenta, acelerando a queima de oxigênio. Sem oxigênio, os mais fracos são os primeiros a morrer. A especialista em toxicidade da Unesp afirma que a situação é de aumento de poluentes com reflexos imediatos.

Laudo da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), obtido pelo Estado, aponta que foi essa combinação de baixa vazão do rio – que de uma média de 240 mil litros por segundo caiu para 14 mil l/s – com o revolvimento do fundo do curso d’água, causado por uma pancada de chuva de dois dias, que provocou a mortandade de 20 toneladas de peixes. Entre as espécies, estão dourado, corimba e piapara.

Nos últimos 5 anos, aumentou de 23 para 49 o registro de mortandade de peixes ao ano nos rios da bacia do PCJ, segundo a Cetesb. “Antes tinha peixes grandes. Hoje não se pega mais nada, só lambari”, afirma Rubens Godoy, de 82 anos, conhecido como “guardião” do Rio Atibaia. Por isso, especialistas ouvidos pelo Estado afirmam que drenar a água do volume morto vai mexer o fundo da represa, concentrado de poluentes, e alterará o ecossistema.

“Toda vez que há uma mudança no ambiente, as espécies são obrigadas a se adaptar para sobreviver. Algumas somem”, afirmou a professora da Faculdade de Biologia da PUC-Campinas Luiza Ishikawa Ferreira.

Efeito cascata. “Tudo isso está ocorrendo na pior época, que é a da piracema”, afirma o especialista em ambiente do Consórcio do PCJ, Guilherme Valarine. “Houve também uma alteração nas espécies nativas em sua floração sentida na produção de sementes”, diz Valarine. “Paineiras e jacarandás, por exemplo, ou adiantaram ou atrasaram a florada – mudando a recomposição da mata e reduzindo os alimentos para a fauna.”

O efeito cascata da seca afeta também aves aquáticas, que, sem encontrar alimento, têm de migrar. Entre elas há socós, martins-pescadores, biguás, patos e gansos.

 

Redação

4 Comentários

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  1. As pererecas e os bagres de

    As pererecas e os bagres de Lula
    Aldem Bourscheit – 04/05/09

    Constantemente alfinetando o suposto atraso e a burocracia para o licenciamento de hidrelétricas, rodovias e outras obras, o presidente Lula tem escolhido alguns animais como símbolos para entraves ao avanço da infra-estrutura no país, ligada ou não ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). 

    Entre várias espécies citadas durante discursos populares e conversas informais, ele já atacou os bagres amazônicos que podem ser prejudicados pelas usinas hidrelétricas no Rio Madeira e, nos últimos dias, desferiu golpes verbais contra uma perereca gaúcha, acusando-a de atrasar em mais de meio ano a construção de um viaduto na BR-101. Na verdade, pelo menos quatro espécies ameaçadas de anfíbios foram localizadas em locais que serão atingidos pelas obras da rodovia. Uma delas, o sapo-narigudo-de-barriga-vermelha (Melanophryniscus macrogranulosus), não era vista há mais de 30 anos. 

    Conforme o especialista em anfíbios Celio Fernando Haddad, professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e coordenador de Ciências Biológicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a legislação federal protege a vida de espécies ameaçadas e levantamentos são feitos justamente para se descobrir a ocorrência de animais e plantas no caminho de obras e direcionar medidas para protegê-los. Também fez duras críticas às afirmações do presidente.

    “Lula não é especialista é está dizendo besteira novamente. Eles (governo) que comecem antes as obras, não em véspera de eleição e passando por cima das leis. No mundo atual não há mais espaço para esse tipo de postura. A degradação ambiental no Brasil é brutal e devemos ter mais atenção sobre isso. Quem fala que o bicho é idiota simplesmente não entende do assunto”, disse o herpetólogo.

     

  2. Em qual estado vai acontecer tal desgraça?

     

    Qual é a companhia de saneamento que deixou as coisas chegarem a este ponto?

    É obra do governo? Quem é o Governador? E o Secretário de Recusrsos Hídricos?

    Ainda bem que o Estadão preserva o nome dos envolvidos. Se a população tivesse essas informações, acho que aconteceria uma revolução!!

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