
Terminal, por Felipe Bueno
Comparar as manchetes locais com as de outros países é uma maneira eficiente de analisar quão atrasada é a sociedade em que você vive.
Entrou em vigor na França, neste mês de maio, a proibição das viagens aéreas nacionais que possam ser substituídas por trajetos de trem com até duas horas e meia de duração.
O propósito do governo é reduzir o volume de produção de gases que contribuem para o efeito estufa. A proporção de emissão entre aviões e trens, segundo a entidade de defesa do consumidor UFC-Que Choisir, é de 70 por 1 – uma desvantagem inquestionável para os voos.
A malha ferroviária da França, segundo a associação internacional UIC, está entre as dez maiores do mundo, com cerca de 30 mil km, semelhante à do Brasil.
A derrota brasileira não está nos números absolutos, mas na proporção área x extensão: são 21 km2 por quilômetro de ferrovia para os franceses; para nós, 285 km2.
Se tomamos por base esse critério, pode-se escolher: Uruguai, Cuba, Bulgária, Croácia, Tunísia, Zimbábue, Líbano e Síria, entre tantos outros, estão melhores que nós.
Use-se o contra-argumento do “país com dimensões continentais”. Não funciona: Estados Unidos, Rússia, China, Canadá, Austrália e Índia são superiores ao Brasil.
A nossa querida e combalida Argentina também.
Voltando ao noticiário francês, talvez o primeiro pensamento de um brasileiro comum, às voltas com tantas preocupações nas searas da administração pública, da saúde, da educação, da segurança e outras seja a de que nossos amigos gauleses estejam reclamando de barriga cheia.
Pode ser, se nossa escolha for continuar fazendo a integração nacional de maneira pouco mais civilizada que a adotada pelos bandeirantes de 500 anos atrás.
Fato: a decisão do governo francês é impossível de se reproduzir no Brasil. Afinal, aqui não há deslocamento ferroviário de massa, a malha aérea é ao mesmo tempo cara e pobre, a exploração fluvial é um devaneio, as estradas brasileiras são em grande parte inadequadas e acima de tudo perigosas – e, as estatísticas mostram isso há décadas.
Seis anos atrás estava viajando entre Roma e Veneza. Em determinado ponto, o trem parou e assim ficou por cerca de meia hora. O serviço de bordo anunciou que o imprevisto se dava porque havia obras arqueológicas no trajeto. A companhia local Trenitalia pedia desculpas e informava aos passageiros e passageiras que o atraso seria compensado imediatamente por uma passagem à escolha, desde que com valor semelhante.
Brasileiro acostumado com a nossa realidade, no mesmo dia fui ao guichê da companhia explicar minha situação. A resposta “pois não, pode informar o trajeto e a data da sua passagem” me deixou alguns segundos sem ação. Isso sim é humilhar um cidadão do terceiro mundo.
Se você acha que isso que contei no parágrafo acima é apenas uma anedota, sorte de viajante, excentricidade de país rico, saiba que está contribuindo para que continuemos assim, no nosso eterno voo…de galinha.
Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte
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