Documentário conta a vida de Zé Luiz do Império, um dos últimos “malandros maneiros”, por Augusto Diniz

Zé Luiz do Império

Documentário conta a vida de Zé Luiz do Império, um dos últimos “malandros maneiros”

por Augusto Diniz

Zé Luiz do Império, 73 anos, é um compositor de uma obra sucinta, mas bastante consistente e relevante. A razão talvez seja o fato de seu trabalho reunir elementos que muitos poucos sambistas ainda cultivam – e que no passado era quase padrão. O documentário “Tempo Ê” revela essa figura singular.

Embora nascido em Santa Teresa, Zé Luiz mora há mais de 40 anos em Oswaldo Cruz, na Zona Norte do Rio, onde convive com sua escola do coração Império Serrano (já frequentava a agremiação antes de se mudar para perto dela, onde chegou a ser vice-presidente), com as tradições do Jongo da Serrinha, com o modo de ser suburbano.

Sua música carrega esse universo, no verso e na melodia, com primazia, malandreado, delicadeza, consciência e atitude. O documentário “Tempo Ê” expõe esse conjunto de fatores de seu trabalho. A direção geral e pesquisa do projeto são da filha de Zé Luiz, Aída Barros, que conviveu com essa realidade. O roteiro também é dela com o jornalista João Pimentel, outro ativista do samba.

Foi no início dos anos de 1960 que Zé Luiz se envolveu com o samba, indo parar tempos depois no grupo do Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo, criada por Candeia como bastião da cultura afro-brasileira e das origens do gênero – embora de vida curta, tornou-se um marco do movimento.

Essas passagens de resistência são amplamente debatidas no documentário por Zé Luiz com sambistas históricos e estudiosos, levando o espectador a uma reflexão da realidade do samba.  

Uma samba de Zé Luiz (com Nei Lopes), que reflete muito bem essa questão (e abordada no documentário), é “Resistência”, cujos versos dizem (aliás, bastante atuais):

Resista que o dever do artista é resistir

Pra não morrer vivo nem cativo sucumbir

Faça da emoção a sua profissão de fé

Trate a inspiração como um botão de um bem-me-quer

Mentes e pincéis, rimas, cinzéis e violões

A serviço sempre das mais belas intenções

Nem reis nem barões comprarão a consciência

De quem faz arder a chama da resistência

Na sua pintura pinte o retrato de Deus

Na arquitetura erga vários coliseus

Mas nunca se esqueça que do velho nasce o novo

E todo poder só é real se vem do povo

“Malandros maneiros” é um dos maiores sambas-crônica já feitos. Trata-se de uma descrição completa do jogo do bicho (ouça aqui). É de uma excelência musical plena em letra e melodia. No filme, Zé Luiz conta que escreveu a música no dia do nascimento de seu segundo filho, Jorge – a letra foi completada depois por Nei Lopes.

Com Nei Lopes compôs ainda outros sambas-crônica, como “Eu não fui convidado” e “Caído com elegância”.

O documentário de Zé Luiz traz também as canções com seu outro parceiro constante, o baiano Nelson Rufino, como “Todo menino é um rei” e “Tempo ê” (que dá título ao filme), sucessos na voz de Roberto Ribeiro.

O registro apresenta ainda sambas de Zé Luiz com acentuado gingado nos versos – um fato raro hoje, como: “Já resolvi não vou sair mais sexta-feira, já vi mesmo que é besteira, é negocio de amador…” (com Wanderley Monteiro, seu afilhado musical).

Nos vários depoimentos apresentados no documentário, ressaltam-se dois pelo registro memorial. O primeiro de Wilson das Neves, imperiano como ele, falecido em agosto último. E outro do cavaquinhista Pablo Amaral, o Gamarra, do grupo Galocantô, falecido há poucos dias precocemente aos 37 anos de infarto.

O documentário foi lançado no meio do ano e agora percorre o circuito de festivais e mostras de cinema e cultura. Conheça a página oficial do documentário aqui.

Redação

1 Comentário

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  1. Parabéns pela matéria

    Tenho muita alegria de ter participado das filmagens deste documento que, ao meu ver deveria ser exibido em todas as escolas para que todos, os jovens, tivessem acesso ao SAMBA pelo viés do cinema. Porque sei que o cinema é muito eficaz em sua maneira de instruir!!!

    Ierê Ferreira

    Fotografo

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