Luciano Hortencio
Música e literatura fazem parte do meu dia a dia.
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Expedito Baracho e a chegada de Lampião no inferno

Nesta sexta feira trago o cantor pernambucano Expedito Baracho, sob o pseudônimo de Pedro Jerimum, interpretando a moda de viola CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO, da autoria do cordelista José Pacheco da Rocha.

Para curtição de todos tragos os versos completos, porém Pedro Baracho não os interpreta em sua íntegra, por óbvio. Lançado em fevereiro de 1962, disco RGE nº 10382-a. 

Essa moda de viola consta do CD que acompanha o livro A HISTÓRIA CANTADA NO BRASIL EM 78 ROTAÇÕES, da autoria do pesquisador Miguel Angelo Azevedo, Nirez.

Um cabra de Lampião
Por nome Pilão Deitado
Que morreu numa trincheira
Em certo tempo passado
Agora pelo sertão
Anda correndo visão
Fazendo mal-assombrado

E quem foi quem trouxe a notícia
Que viu Lampião chegar
O inferno neste dia
Faltou pouco pra virar
Incendiou-se o mercado
Morreu tanto cão queimado
Que faz pena até contar

Morreu a mãe de Canguinha
O pai de Forrobodó
Três netos de Parafuso
Um cão chamado Cotó
Escapuliu Boca Insossa
E uma moleca nova
Quase queimava o totó

Morreram dez negros velhos
Que não trabalhavam mais
E um cão chamado Traz-cá
Vira-Volta e Capataz
Tromba Suja e Bigodeira
Um por nome de Goteira
Cunhado de satanás

Vamos tratar da chegada
Quando Lampião bateu
Um moleque ainda moço
No portão apareceu:
— Quem é você, cavalheiro?
— Moleque, eu sou cangaceiro
Lampião lhe respondeu

— Moleque, não! Sou vigia
E não sou seu pariceiro
E você aqui não entra
Sem dizer quem é primeiro
— Moleque, abra o portão
Saiba que sou Lampião
Assombro do mundo inteiro

Então esse tal vigia
Que trabalha no portão
Dá pisa que voa cinza
Não procura distinção
O negro escreveu não leu
A macaíba comeu
Lá não se usa perdão

O vigia disse assim:
— Fique fora que eu entro
Vou conversar com o chefe
No gabinete do centro
Por certo ele não lhe quer
Mas conforme o que disser
Eu levo o senhor pra dentro

Lampião: — Vá logo
Quem conversa perde hora
Vá depressa e volte já
Eu quero pouca demora
Se não me derem ingresso
Eu viro tudo asavesso
Toco fogo e vou embora

O vigia foi e disse
A satanás no salão:
— Saiba, vossa senhoria
Aí chegou Lampião
Dizendo que quer entrar
E eu vim lhe perguntar
Se dou-lhe o ingresso ou não

— Não senhor, satanás disse
Vá dizer que vá embora
Só me chega gente ruim
Eu ando muito caipora
Estou até com vontade
De botar mais da metade
Dos que têm aqui pra fora

Lampião é um bandido
Ladrão da honestidade
Só vem desmoralizar
A minha propriedade
E eu não vou procurar
Sarna para me coçar
Sem haver necessidade

Disse o vigia: — Patrão
A coisa vai arruinar
Eu sei que ele se dana
Quando não puder entrar
Satanás disse: — Isso é nada
Convide aí a negrada
E leve os que precisar

Leve três dúzias de negros
Entre homem e mulher
Vá na loja de ferragem
Tire as armas que quiser
É bom escrever também
Pra virem os negros que tem
Mais compadre Lucífer

E reuniu-se a negrada
Primeiro chegou Fuxico
Com um bacamarte velho
Gritando por Cão de Bico
Que trouxesse o pau da prensa
E fosse chamar Trangença
Na casa de Maçarico

E depois chegou Cambota
Endireitando o boné
Formigueiro e Trupizupe
E o crioulo Quelé
Chegou Benzeiro e Pacaia
Rabisca e Cordão de Saia
E foram chamar Bazé

Veio uma diaba moça
Com a calçola de meia
Puxou a vara da cerca
Dizendo: — A coisa está feia
Hoje o negócio se dana
E disse: — Eita baiana
Agora a ripa vadeia

E lá vai a tropa armada
Em direção do terreiro
Pistola, faca e facão
Clavinote e granadeiro
E um negro também vinha
Com a trempe da cozinha
E o pau de bater tempero

Quando Lampião deu fé
Da tropa negra encostada
Disse: — Só na Abissínia
Oh! Tropa preta danada
O chefe do batalhão
Gritou: — As armas na mão
Toca-lhe fogo, negrada!

Nessa voz ouviu-se tiros
Que só pipoca no caco
Lampião pulava tanto
Que parecia macaco
Tinha um negro nesse meio
Que durante o tiroteio
Brigou tomando tabaco

Acabou-se o tiroteio
Por falta de munição
Mas o cacete batia
Negro embolava no chão
Pau e pedra que pegavam
Era o que as mãos achavam
Sacudiam em Lampião

— Chega, traz um armamento
Assim gritava o vigia
Traz a pá de mexer doce
Lasca os ganchos de Caria
Traz o birro de Maçau
Corre vai buscar um pau
Na cerca da padaria

Lucífer mais satanás
Vieram olhar do terraço
Todos contra Lampião
De cacete, faca e braço
O comandante no grito
Dizia: — Briga bonito
Negrada, chega-lhe o aço

Lampião pode apanhar
Uma caveira de boi
Sacudiu na testa dum
Ele só fez dizer: — Oi!
Ainda correu dez braças
E caiu enchendo as calças
Mas eu não sei de que foi

Estava a luta travada
Já mais de hora fazia
A poeira cobria tudo
Negro embolava e gemia
Porém Lampião ferido
Ainda não tinha sido
Devido a sua energia

Lampião pegou um seixo
E o rebolou num cão
A pedrada arrebentou
A vidraça do oitão
Saiu um fogo azulado
Incendiou-se o mercado
E o armazém de algodão

Satanás com esse incêndio
Tocou um búzio chamando
Correram todos os negros
Os que estavam brigando
Lampião pegou olhar
Não viu mais com quem brigar
Também foi se retirando

Houve grande prejuízo
No inferno nesse dia
Queimou-se todo dinheiro
Que satanás possuía
Queimou-se o livro de pontos
Perderam seiscentos contos
Somente em mercadorias

Reclamava satanás:
— Horror maior não precisa
Os anos ruins de safra
E mais agora essa pisa
Se não houver bom inverno
Tão cedo aqui no inferno
Ninguém compra uma camisa

Leitores, vou terminar
Tratando de Lampião
Muito embora que não posso
Vos dar a resolução
No inferno não ficou
No céu também não chegou
Por certo está no sertão

Quem duvidar nessa história
Pensar que não foi assim
Querer zombar do meu sério
Não acreditando em mim
Vá comprar papel moderno
Escreva para o inferno
Mande saber de Caim

Luciano Hortencio

Música e literatura fazem parte do meu dia a dia.

11 Comentários

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  1. Ai, Jesus!

    Se tava bom, por quê parou?

    [video:http://youtu.be/Au5FrHPv2bc%5D

    Era um tempo de cobra e de serpente 
    O cangaço era a maior diversão 
    Jararaca nunca temeu tenente 
    E também nunca abriu pra lampião 
    Seu capitão 
    Jararaca envenenou o sertão 

    Era um tempo de cobra e de serpente 
    O cangaço era a maior diversão 
    A canção conta a história de um tenente 
    Que vinha acabar com lampião 
    Rei do sertão 
    Cangaceiro no céu não tem perdão 

    Onde tá lampião 
    Foi subindo serra acima 
    Foi se banhar no lago 
    Do raso da catarina 

    Água cristalina 
    Nuvem que se faz chover 
    Forma espelho na caatinga 
    Pro cangaceiro se ver.

    Em 2002, di Tróia lançou, pelo selo Atração, o CD “Vontade Doida”, com as músicas “História de Cangaço”; “Aprendendo a Amar”; “Onde Anda Você”; “Se Tá Bom Prá Que Parar”; “Patativa”; “Tá Difícil Te Esquecer”; “Jogo Rápido”; “Sanfoneiro Mole”; “Prá Viver Eternamente”; “Miragem”; “Bem de Amor”; “A Saudade Continua” e “Luar do Sertão Que Me Ensinou”, todas de sua autoria.

    Kátia di Tróia

    (2003) Forró Do Poeirão • Atração • CD
    (2002) Vontade doida • Atração • CD
    (2001) Kátia canta Mastruz • SomZom • CD
    (1997) Katia di Tróia • UniversaL • CD
    (1996) Katia di Tróia • UniversaL • CD
    (1995) Katia di Tróia • UniversaL • CD

    Kátia di Jesus

    A forrozeira de responsa abandonou o cangaço – que pena -, se converteu ao evangelho, adotou o nome Kátia di Jesus e segue a carreira gospel em Fortaleza-CE.

    Peditório

    Lamentavelmente, escamoteado pelo Comandante | http://advivo.com.br/node/1440133 | 12/07/13

    Passeou!

    1. De cangaceira e evangélica…

      Meu Rei, Dom JNS, I e Único…

       

      Teu comentário fez-me lembrar uma estória que meu sogro contava:

      Um caixeiro viajante recebeu uma promissória para cobrar em Piripiri. Em lá chegando, dirigiu-se à casa do devedor e por este perguntou. Recebeu a surpreendente resposta de que o mesmo estava passando férias em Bacabal.

      O cobrador parou pra pensar, olhou para a promissória,rasgou-a em dezesseis pedacinhos e disse pra pessoa que o recebera e informara. O fila da puta que mora em Piripiri e vai passar férias em Bacabal, não me deve nada!

      (É só uma estória de cobradores de promissória. Nada em detrimento das cidades aludidas. Poderiam ser do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, etc…)

      Abraço do teu discípulo,

      luciano

      1. O CANGACEIRO CAPADOR

        Manoel Pau-Ferro, conhecido pela alcunha de “Atividade”, era  alagoano do município de Pão de Açúcar, sendo irmão do cangaceiro “Velocidade”.

        O cabra “Atividade”, inicialmente, pertenceu ao grupo de “Corisco” e, posteriormente, com a criação de subgrupos, passou a integrar o de “Pancada”, que passou a ser seu líder.

        Esse cidadão, tinha uma grande habilidade na castração de pessoas, que o fazia, com a maior eficiência e naturalidade.

        Ele foi assassinado pelo, também cangaceiro “Barreira”, que, influenciado pela promessa de anistia, acabara de aliar-se aos Volantes, e, como prova de submissão, entregou ás autoridades  a cabeça de “Atividade”, fato ocorrido em 5 de junho de 1938, na região de Caboclo, Pão de Açúcar, Estado de Alagoas.

        O cangaceiro  “Barreira” e a cabeça de “Atividade”, seu ex-parceiro de peixeiradas nervosas nos desafetos e dedos-duros | Foto de Frederico Pernambucano de Melo

        Por Ivanildo Silveira | Do Livro “O Cangaceirismo no Nordeste” de Bismarck Martins de Oliveira

         

        UMA BOBAGEM

        Recentemente, um enfurecido visitador do blog pediu reparação – ia meter um processo? – por ter sido feita uma zoação – uso de peixeira – inserida no recorrente contexto trollágico que os amigos se permitem.

        O costume de ‘pegar no pé’ dos nordestinos, em torno deste tema, pode ser explicado(?) pelo uso dos afiados instrumentos de corte pelo trancendental bando do enfezado Lampião, que castrava os desafetos, como pensei em fazer com o fervoroso frequentador, defensor da bizarria politicamente correta, que impera em todos os meios de comunicação e está desgraçando as nossas inter-relações cotidianas.

        Se me importasse com estes critérios toscos não postaria, no seu blog, as insanidades absurdas para zoar com este Leão do Mar que mata no peito e bota a bola rolando redondinha no terreno sem se machucar.

        Abraços ao Empeixeirado Raposão Catingueiro.

  2. Lampião e o diabo$$$

    Olha ai, perfeito. Lampião contra os capitalistas. Daria para ilustrar o artigo de Ariano Suassuna sobre esquerda versus direita. 

  3. VOLTA SÊCA

    O CANTADOR pertenceu ao grupo que se tornou “um dos maiores fenômenos populares do Brasil, misto de banditismo e heroísmo no imaginário coletivo, o cangaço de Lampião, que desafiou as autoridades e sobreviveu por 20 anos às investidas das unidades volantes da polícia” – Fabio Nieto Lopez.

    [video:http://youtu.be/UWebcWYKpWw%5D

    Antônio dos Santos, o cangaceiro do bando de Lampeão apelidado de Volta Sêca, canta nas oito faixas deste CD, originalmente editado num LP de dez polegadas da gravadora Todamérica, em 1957, com arranjos do maestro Guio de Moraes e narração do apresentador da Rádio Nacional Paulo Roberto.

    Cada faixa é prefaciada por um texto curto (meio romanceado, como convinha na época), lido pelo locutor.

    Em seguida, Volta Sêca entoa as melodias quase à capela e a orquestração irrompe geralmente no compasso do baião, com acordeom e zabumba.

    [video:http://youtu.be/CFmTzwBYHv8%5D

    Os épicos da saga de Lampeão Mulher Rendeira (com os versos originais, utilizados no ataque do bando à cidade de Mossoró), Acorda Maria Bonita (a cantiga de despertar do grupo) e mais a lírica Se Eu Soubesse (“que chorando/ empatava sua viagem/ meus olhos eram dois rios/ que não te davam passagem”) entram no precioso registro, onde todas as composições são atribuídas exclusivamente a Volta Sêca.

    [video:http://youtu.be/vz9RUsNFIFo%5D

    Não falta o desafio Sabino e Lampeão , no qual o bando, que chegou a somar 240 integrantes, cutuca o chefe com vara curta, e lamentos quase parnasianos como Escuta Donzela (encordoado por um violão na linha de Dorival Caymmi).

    [video:http://youtu.be/PjuLAI_tZrY%5D

    Cangaceiro a partir dos 11 anos, prisioneiro da polícia por outros 20, Volta Sêca mostra seu talento de voz trêmula nas queixas de Eu Não Pensei Tão Criança (“na flor da infância/ padecesse assim”).

    [video:http://youtu.be/7v3kEN8XDho%5D

    O baião Ia Pra Missa decifra o código dos embarcados para a guerra contra os “macacos” da força repressora.

    [video:http://youtu.be/zVNjdVnj6q8%5D

    E A Laranjeira transborda de requinte poético, ao comparar o amor não correspondido ao bacutinho, a flor que fenece e morre sem dar frutos. Uma pequena jóia histórica de curta duração.

    A resenha é de Tárik de Souza

    [video:http://youtu.be/WRlV-wgfa7o%5D

    Volta Sêca no Teatro | 2012

  4. O CANGACEIRO MANSO

    “Eu tenho dentro de mim um cangaceiro manso, um palhaço frustrado, um frade sem burel, um mentiroso, um professor, um cantador sem repente e um profeta”, em entrevista aos Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles, em 2000.

    ARIANO SUASSUNA

    “Há duas raças de gente com as quais simpatizo: mentiroso e doido, porque eles são primos legítimos dos escritores”, no livro “Ariano Suassuna, um Perfil Biográfico” (Editora Zahar).

    http://3.bp.blogspot.com/-zNLLPrkKoQU/TgXmULMRqQI/AAAAAAAAAPo/9vavJzIbJMQ/s1600/12922603954433802.jpg

    “Ariano Suassuna aproxima o Nordeste de Florença e Roma renascentistas, (…) funde, em seus trabalhos, duas tendencias que se desenvolvem quase sempre isoladas em outros autores, e consegue assim um enriquecimento maior da sua materia-prima. Alia o espontaneo ao elaborado, o popular ao erudito, a linguagem comum ao estilo terso, o regional ao universal.” – Sábato Magaldi, no jornal O Estado de S.Paulo de 9 de março de 1957, sobre o Auto da Compadecida (1955).

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