Ivan Paulo, lições de um mestre, por Itamar Assiere

Ivan Paulo, Leci Brandão e Itamar Assiere, São Paulo, 04-02-2015

Ivan Paulo, lições de um mestre

por Itamar Assiere

Tive o imenso prazer, privilégio mesmo, de ter convivido com o maestro Ivan Paulo nos palcos e estúdios brasileiros, sendo seu pianista e tecladista.

A capacidade de entender o mundo do samba, equilibrando a linguagem de raiz com a sofisticação de um grande arranjador, fez com que ele fosse adorado por compositores, cantores, instrumentistas e produtores brasileiros.

A tranquilidade com que lidava com situações adversas era uma das marcas da sua competência. Mudanças de tom em cima da hora, mudanças de roteiro ou mesmo de artistas, nada era problema para ele. Ficava de olho em um artista que eventualmente estivesse nervoso ou não tivesse ensaiado o suficiente, além de ficar sempre ligado na condução da banda ou orquestra. Um bom exemplo disso é o clássico show de Tim Maia com orquestra, lançado pela Som Livre após a morte do cantor. O genial Síndico mudando tudo ao seu bel prazer e Ivan sempre ligadaço, sem deixar a peteca cair! 
Com o passar do tempo e o advento dos monitores de ouvido (in-ear), o microfone se tornou um grande aliado do maestro, que passava suas instruções o tempo inteiro, facilitando a vida de todo mundo no palco, sem que o público ouvisse.

Dentre os trabalhos mais marcantes que fiz com ele, destaco os shows de verão da Mangueira, desde 1998, com a participação de inúmeros artistas da MPB, mesmo os que não eram ou são ligados à Estação Primeira. Chico Buarque sempre foi presença garantida e, claro, o auge do show. E Jamelão, enquanto esteve vivo, não faltou a nenhum show, chegando inclusive a fugir do hospital para marcar sua presença! Particularmente tocante era a reverência que Jamelão tinha com Ivan Paulo, visto que eram amigos desde os tempos em que o maestro Carioca, pai de Ivan, era arranjador dos discos do mestre mangueirense. Poucas pessoas podiam conversar com Jamelão de igual para igual, e Ivan era um desses.

Outras marcas notáveis, criações dele: a contagem com suingue. Antes da introdução da música, ele começava cantando “Tchic, tchiquipic, tchiquipic, tchiquipic, tchiqui 1, 2, 1 e 2 e…” (gracias Luís Filipe de Lima, em seu Facebook). Assim, todo mundo começava tocando no andamento e no suingue certos. Outra grande sacada era cantar – literalmente – as células rítmicas (que chamamos de convenções) no microfone, alguns compassos antes delas acontecerem. O motivo disso: na grande maioria das vezes, percussionistas do samba não liam partituras (e não há nenhum demérito nisso, ainda mais no país dos mestres da percussão). Para que ninguém da banda errasse, ele criou esse sistema. Mesmo quem lia partitura se beneficiava muito disso, pelo conforto de um lembrete extra-partitura.

Herança do maestro Carioca era a caneta de ouro na escrita para metais. No show Brasil Brasileiro, que fiz em 2005 e 2006, havia um super naipe de metais, comandado por outro saudoso amigo, o trombonista Roberto Marques. Ivan Paulo era um dos arranjadores, convidado por Rildo Hora, diretor musical. Os seis sopros pareciam que eram doze!

Algumas das introduções de grandes sucessos da MPB foram criadas por ele. Sobre esse assunto eu tenho uma passagem muito curiosa. Em 2009, pela primeira vez, tive a chance de fazer arranjos para orquestra sinfônica, no projeto MPB&Jazz, a convite de Wagner Tiso e Giselle Goldoni Tiso, para Roberta Sá, Arlindo Cruz e Orquestra Petrobras Sinfônica. O homenageado do show era Ataulfo Alves, e um dos arranjos que tive que fazer foi o de Você passa e eu acho graça, primeiro sucesso de Clara Nunes. A introdução célebre, que todo mundo canta, é de autoria de Ivan Paulo.

Como a música tem três estrofes, a introdução é tocada quatro vezes ao longo da gravação original. Optei por fazer uma nova introdução, além de uma “ponte” entre a primeira e a segunda estrofes, e usei a introdução original na terceira estrofe e no final da música.

No show, o maestro estava na plateia. Muitas vezes o arranjador não gosta muito que copiem seu arranjo, inteiro ou em partes (afinal somos pagos para fazer um arranjo novo). No final do show, o maestro veio me dar um abraço apertado, dando os parabéns pelos arranjos! E, para minha surpresa, ele confessou que tinha ficado triste porque eu não tinha usado a introdução dele… mas pulou de alegria no meio da música, quando a ouviu na voz de Roberta Sá em uníssono com os metais da orquestra! Disse a ele: claro que eu jamais deixaria sua introdução de fora do meu arranjo!

A foto que ilustra este artigo é muito especial para mim. Num restaurante em São Paulo, antes do show de verão da Mangueira em 2015, Leci Brandão e Ivan Paulo relembravam histórias de tantos anos de parceria e amizade. E eu só ouvindo e me deliciando. Não sou muito fã de selfies e afins, mas não resisti a essa. Saquei que algo muito especial estava, digamos, na mesa, entre meus dois ídolos, Ivan e Leci.

Outra grande lembrança é o vídeo A Madrinha do Samba, DVD de Beth Carvalho lançado em 2004, no qual tenho a honra de ser um dos tecladistas. O maestro firme e forte, no seu auge.

Salve Ivan Paulo, o Maestro do Samba, a quem agradeço pelos inúmeros ensinamentos que vieram com os trabalhos que fizemos juntos! Muito obrigado, meu querido amigo e mestre!

 

Redação

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