Leila Diniz, 70 anos

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Leila Diniz, 70 anos

por Mara L. Baraúna

Leila Roque Diniz (Niterói, 25 de março de 1945 — Nova Délhi, Índia, 14 de junho de 1972)

Leila Diniz – sobre as convenções esfarinhadas

mas recalcitrantes, sobre as hipocrisias seculares e

medulares: o riso aberto, a linguagem desimpedida, a

festa matinal do corpo, a revelação da vida.

Leia Diniz – o nome acetinado do cartão-postal,

o sobrenome de cristal tinindo e partindo-se, como se parte,

mil estilhas cintilantes, o avião no espaço – para sempre.

Para sempre – o ritmo da alegria, samba carioca

no imprevisto da professorinha ensinando a crianças, a

adultos, ao povo todo, a arte de ser sem esconder o ser.

Leila para sempre Diniz, feliz na lembrança

gravada: moça que sem discurso nem requerimento

soltou as mulheres de 20 anos presas no tronco de uma

especial escravidão.

Carlos Drummond de Andrade

Leila Roque Diniz era filha de Newton e Ernestina. O pai, Newton Diniz, maranhense, foi transferido para trabalhar no Banco do Brasil em Vitória, ES, quando conheceu Ernestina Roque, professora de Educação Física. Apaixonaram-se e logo Ernestina engravidou. Para fugirem dos comentários acerca da gravidez, Newton conseguiu nova transferência para o Rio de Janeiro e foram morar de favor com seus pais em Cavalcanti, subúrbio carioca. Ali nasceram Elio e Eli. 

A primeira casa de Diniz e Ernestina foi em Icaraí, Niterói, onde nasceu Leila. Leila era um bebê de sete meses quando Ernestina e Newton se separaram. A mãe entrou em depressão, ficou tuberculosa e foi internada num sanatório em Correias, na serra fluminense. Elio e Eli foram para um colégio interno e Leila, para a casa dos avós.

Quando Leila estava com 2 anos, o pai passa a morar com Isaura, professora, em Copacabana. Somente aos 10 anos Leila tomou conhecimento de que não era filha de Isaura. Leila viveu um período difícil de aceitação, e aos 14 saiu de casa pela primeira vez. “A minha mãe de nascimento, a chamada puta que me pariu, mora em Santa Teresa. Eu fui criada por outra, minha madrasta, muito bacana também, eu gosto muito dela”, declarou Leila, já famosa, a um programa da TV Manchete. 

Ernestina ficou três anos esquecida no sanatório e quando se restabeleceu foi morar em Santa Teresa. Os dois filhos mais velhos, atormentados por problemas com a autoritária e explosiva madrasta, vão se juntar à mãe, que se tornara uma beata a rezar o dia inteiro. Leila saiu novamente de casa aos 15, morou alguns meses com a mãe verdadeira, Ernestina, e cerca de dois anos na casa de sua tia Lucy. 

A personalidade que começava a se manifestar em Leila tinha muito da postura do pai Newton, um gosto pela leitura, pelo carnaval, pelo Flamengo e pela música popular.

Leila começou a trabalhar aos 15 anos, como professora do maternal e jardim da infância, e tinha apenas 16 anos quando decidiu procurar um analista e iniciar a intensa busca por se entender.

Aos 17, já estava casada com Domingos de Oliveira, ator, teatrólogo, roteirista e diretor de teatro, televisão e cinema. Logo depois estava no elenco da peça infantil Em busca do tesouro, dirigida pelo marido. Em 1963, trabalhou como corista num show de Carlos Machado.

Em sua primeira e única experiência do chamado “teatro sério” teve a chance de contracenar com Cacilda Becker na peça O preço de um homem, de Steve Passeur, em novembro de 1964 no Teatro Mesbla, Rio, na qual fazia um pequeno papel ao lado de Cacilda, Adriano Reis e Rosita Thomaz Lopes.

Antes de estrelar Todas as mulheres do mundo, do ex-marido Domingos, ela já havia feito dois filmes: O Mundo alegre de Helô e Jogo perigoso. Todas as mulheres do mundo era um filme explicitamente sobre a relação dos dois, pelo qual Leila ganhou os elogios da crítica e do público, e recebeu o Prêmio Air France de melhor atriz do ano de 1967. 

Se vestiu de Carmen Miranda em Tem banana na banda, com  textos de Millôr Fenandes, Luiz Carlos Maciel, José Wilker e Oduvaldo Viana Filho.

Em 1968, Leila participou do movimento de protesto contra a Censura, o que levou a classe artística brasileira à decretação de uma greve de 72 horas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Em 1969, em tempos de censura e repressão, recebeu os entrevistadores do Pasquim com uma toalha enrolada na cabeça e na famosa entrevista, ao dizer 70 palavrões, todos substituídos por asteriscos,  a edição bateu recordes de vendas, 117 mil exemplares, e a fita gravada com sua entrevista foi parar em todos os cantos do país.  

Depois da entrevista, Leila teve de se esconder no banco de trás do carro do apresentador Flávio Cavalcanti, em cujo programa ela era jurada, porque a Polícia Federal tinha ido ao estúdio para procurá-la. Depois de alguns dias escondida na casa de Cavalcanti em Petrópolis, ela aceitou assinar um documento em que se comprometia a não falar mais palavrões em público.

Depois dessa publicação foi instaurada a censura prévia à imprensa e foi aprovado o Decreto 1077, conhecido como Decreto Leila Diniz.

Entre 1965 a 1970 participou de 13 novelas e 15 filmes. 

No final do ano de 1970, Leila começou a namorar o cineasta moçambicano Ruy Guerra e a pensar seriamente que era chegada a hora de engravidar.  No Programa do Chacrinha foi eleita a Grávida do Ano. Sua filha, Janaina, realizou um velho sonho da atriz. Leila causou polêmica quando resolveu tirar fotos de biquíni na praia, aos quase nove meses de gestação. Naquela época, as mulheres quase nunca mostravam o corpo, ainda mais quando estavam grávidas. Ela foi alvo de todos, inclusive das feministas. Alegando razões morais, a TV Globo, do Rio de Janeiro, não renovou seu contrato. Foi dito que não haveria papel de prostituta nas próximas telenovelas da emissora.

Em 1971, é eleita Rainha da Banda de Ipanema.

Embarca para Sidney, na Austrália para acompanhar o Festival de Cinema, com o amigo de longa data Luis Carlos Lacerda, o Bigode. Pela primeira vez, deixa filha Janaína, de sete meses, aos cuidados do pai.

Leila recebe o prêmio de melhor atriz do festival e, em 13 de junho, envia um cartão postal para o Brasil: “Minha querida Janaina, hoje eu e meus amigos passeamos num lindo parque cheio de cangurus, coalas e outros bichinhos. Fiquei com uma vontade de ter você aqui comigo. Acho que daqui a dois anos nós vamos poder viajar juntas, conhecer os lugares mais lindos da Terra. Estou voltando logo, logo. Muitas saudades de você e do nosso querido Brasil. Beijo para você e para o seu paizão. Da mãe cangurua, Leila”. 

Quando  voltava, Leila morreu prematuramente, aos 27 anos, num acidente aéreo, vôo JAL471, da Japan Airlines, no dia 14 de junho de 1972, no auge da fama.

Última anotação no diário de Leila:  “As saudades de Janaína são muitas. Será que estou sendo a mãe que ela merece? (…) Estamos chegando em Nova Délhi. Segundo anunciaram, a temperatura local é quase a do inferno. Quente paca. Agora está acontecendo uma coisa es …” (Diário encontrado nos escombros do acidente aéreo). 

Por que Leila Diniz se transformou em símbolo de mulher revolucionária? Porque, em um momento de liberação feminina, foi Leila uma das mulheres mais marcantes da década de 60. Como disse Leila, em uma de suas Inúmeras entrevistas: “Meio  inconsciente, me tornei mito e ídolo, ou mulher símbolo da liberdade, pregadora-mór do amor livre. Muita gente não entende o que é isso. Só quero que o amor seja simples, honesto, sem os tabus e fantasias que as pessoas lhe dão”.

Talvez nesta frase estejam algumas das peças deste puzzle inacabado: viver o amor e a sexualidade por inteiro, sem tabus e preconceitos, em uma completa entrega ao prazer de cada momento. Liberdade, prazer e alegria me parecem as categorias principais para caracterizar a vida e a personalidade de Leila Diniz. A construção do mito muito que se deve à contestação da mulher inquieta e libertária que ela foi. 

Como disse o poeta Carlos Drummond de Andrade diante da notícia do acidente aéreo, “Sem discurso nem requerimento, Leila Diniz soltou as mulheres de vinte anos presas ao tronco de uma especial escravidão.” 

Fontes:

1972: Morre Leila Diniz, por Lucyanne Mano 

Biografia, por Regina Echeverria 

Leila, a Leiluska, por Camila Ribas 

Leila Diniz por David Drew Zingg 

Leila Diniz, 40 anos depois, por Luiz Sergio Lima e Silva

Leila Diniz, 70, por Joaquim Ferreira dos Santos 

Leila Diniz: a arte de ser sem esconder o ser, por Miriam Goldenberg 

Leila Diniz, a mulher e o mito

Leila Diniz e Cacilda Becker: duas trajetórias exemplares, por Miriam Goldenberg

Leila Diniz em várias versões, por Maria Lygia Quartim de Moraes 

Leila Diniz na Wikipédia 

Leila Diniz, roteiro e direção de Luiz Carlos Lacerda 

Leila Diniz: uma revolução na praia, de Joaquim Ferreira dos Santos 

Toda mulher é meio Leila Diniz, por Miriam Goldenberg 

Toda mulher é meio Leila Diniz, por Vitor Dirami

Leila Diniz e seus trabalhos em cinema e TV 

Vídeos

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Vi Leila Diniz na entrada de

    Vi Leila Diniz na entrada de um teatro em Ipanema. Ela era baixinha, mas parecia ter um carisma tão grande que estava sempre rodeada das maiores celebridades artísticas. Tinha uma pele, do rosto aos pés como se fosse de porcelana, e um rosto que se tornava deslumbrante quando sorria. Nunca me esqueci daquele momento em que a vi. Como tantos, fiquei chocada com a notícia da queda daquele avião.

    Enfim, essa matéria está belíssima, a começar pela poesia de Drumond. Para quem deseja conhecer a história dessa artista, que deu a todas as mulheres brasileiras, quiçá do mundo inteiro, o direito de irem à praia como todas, independente de estarem grávidas ou não, tem agora sua bilgrafia. 

  2. GGN, como se faz pra enviar por e-mail (não padronizado)?

    A barra lateral não está funcionando pelo menos na função E-Mail pois quando tento enviar surge somente a opção pra conectar como usuário da microsoft, e também aparece como título de assunto o nome GGN. Pergunto porque ontem havia vários comentários. (A setinha é minúscula é quase invisível – diante de algumas reclamações que se v~eem em psotagens, por que vocês não modificam tal barra , deslocando pra lateral dieita e acentuando cor e tamanho da setinha????…)

    1. tentando ajudar…
      Nickname, no rodapé do post há os icones do FB, Twitter, etc. O último ícone é para o envio do post por email (o destinatário vai receber o link somente, não terá a visão que temos aqui).

  3. Questão

    “A minha mãe de nascimento, a chamada puta que me pariu, mora em Santa Teresa. Eu fui criada por outra, minha madrasta, muito bacana também, eu gosto muito dela”, declarou Leila, já famosa, a um programa da TV Manchete.

    A TV Manchete é de 1983, Leila deixou-nos em 72. Logo tem gato nesta tuba!

    Afora isso: Linda é o melhor adjetivo que encontro para a sorridente Leila. RIP!

  4. Sou irmã mais nova de Leila

    Sempre fui.

    Quando morreu, eu acabava de ir pra SP cursar a USP e ia fazer 19 anos.

    Semprei segui Leila no twitter de seu tempo.

    Hoje, continuo sua seguidora e gostaria de tê-la visto percorrer todos esses anos de mudanças no país, saber o que diria etc. etc.

    Também sigo Elis no Twitter de nosso tempo.

    Viva Leila !

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