O exemplo de cidadania do centenário Benedicto de Souza

Jornal GGN – Neste abril, a Câmara de Vereadores de São Paulo concede ao senhor Benedicto de Souza o título de Cidadão Paulistano. A honraria foi proposta pelo vereador Paulo Fiorilo (PT) e será concedida pelo presidente da Casa, Antonio Donato (PT), no dia 14, às 19h.

Benedicto de Souza foi o primogênito dos 20 filhos de Cândido José de Souza e Sebastiana Maria da Conceição. Nasceu em Santa Cruz das Posses, então comarca de Ribeirão Preto, hoje distrito do município de Sertãozinho. O pai era administrador de fazendas, construtor de casas, estradas e igrejas. A mãe era dona de casa. Benedicto carregava o apelido de Neguinho.

Neguinho gostava de estudar. Sabia que somente a educação faria dele um cidadão completo. Era apaixonado por esportes, praticava natação, futebol e dançava cateretê.

O menino quando tinha 15 anos construiu uma mesa de madeira. Na hora que o pai chegou em casa e perguntou o que significava aquilo ele disse que precisava da mesa para poder ensinar os irmãos a ler e escrever.

O pai se admirou com a iniciativa do filho e comprou os livros para que ele pudesse alfabetizar os irmãos. Não demorou e os vizinhos também quiseram “matricular” os filhos na “escola” do Neguinho. A partir daí ele passou a dar aulas para jovens e adultos que não tinham acesso à educação.

Benedicto chegou a ser convidado a concorrer ao cargo de prefeito da comarca de Ribeirão Preto, já que era alfabetizado em uma época que poucos sabiam ler. Ele recusou. Disse que sua preocupação era com a educação e não com o poder político.

Em 1942, ele conheceu Augusta Rodrigues de Almeida e se casou naquele mesmo ano. A união, no entanto, só foi realizada no religioso, já que os cartórios estavam fechados devido à guerra. Eles formalizaram o casamento diante da lei em 23 de novembro de 1950.

Até 1948, Benedicto viveu com a esposa e os quatro filhos mais velhos na cidade de Queiroz, comarca da Pompéia. Depois migrou para a capital paulista, para o bairro de São Judas Tadeu (Jabaquara), onde nasceram mais sete filhos.

De 1949 a 1952, ele trabalhou com caminhão, na coleta de aparas de indústrias gráficas. Depois entrou para o quadro de funcionários da Prefeitura de São Paulo, primeiro como varredor, depois como coletor nas carroças com burros.

Gostava de trabalhar com os animais. Preferia os burros aos cavalos. “Aprendi que eles são muito mais atenciosos e ordeiros que os cavalos, pois os cavalos se distraem com mais facilidade e são mais rebeldes”, dizia. “O estigma dos muares está nas orelhas compridas que lhes conferem um ar enganoso de obtusidade”, filosofou certa vez.

Em 1959, Benedicto se mudou para o bairro de Vila Dalila (Vila Matilde), na Zona Leste. Lá teve mais três filhos, os últimos. Foi lá que viveu por mais 55 anos.

O grande legado que ele deixou aos filhos e a todos que passaram por seu caminho foi o da educação. Dizia sempre: “Estudem, a educação é a única coisa que eu posso deixar de herança para vocês”. E também:  “Quem não sabe ler é cego e facilmente enganado, pois não conhece seus direitos e deveres”.

Sua humilde casa era abrigo constante de quem não tinha onde morar. Sua esposa trazia famílias com crianças que chegavam de outras cidades e estados. Também se oferecia como fiador para muitas pessoas que precisavam alugar uma casa para morar.

Por um longo período na vida, Benedicto foi uma criatura política, mas apartidária. Avaliava as legendas pela qualidade dos projetos e gostava de votar em siglas diferentes para o Executivo e o Legislativo, garantindo que um servisse de contraponto ao outro. Considerava o voto nulo uma forma de omissão e o desencorajava abertamente. Gostava de mulheres na política e defendia que elas deviam buscar ampliar sua participação.

Em 1981, quebrou a regra de ficar de fora e se juntou ao Partido dos Trabalhadores. A intenção era contribuir para que a legenda conseguisse um número suficiente de filiados para garantir o registro. Considerava essencial acabar com o bipartidarismo Arena x MDB.

Votou até 2008, com 96 anos de idade e só deixou de comparecer às urnas quando uma sequela deixada por um AVC atrapalhou a sua movimentação.

Em 2012, ano do seu centenário, Benedicto, o Neguinho, foi homenageado pela Banda do Candinho, nas comemorações do bairro do Bixiga. Quando perguntavam sobre sua longevidade, ele dizia: “Devagar e sempre, alegre e contente, foi assim que eu cheguei aos cem”.

Faleceu em 8 de abril de 2014, aos 101 anos e seis meses de idade, na Vila Dalila, deixando muitos marcos na vida de seus familiares e amigos. E agora recebe justamente a póstuma homenagem da cidade.

Redação

17 Comentários

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  1. Ah! se o Brasil tivesse

    Ah! se o Brasil tivesse milhares de cidadãos como Benedicto de Souza.

    Ninguém segurava o povo brasileiro e o nosso país.

    Histórias como essa ainda me fazem pensar que estou vivo, chorar um pouco (o que é muito bom) e que valeu a pena viver.

  2. Que Deus abrace e acolha

    Que Deus abrace e acolha sempre o espírito de Benedicto de Souza, exemplo de humildade, altruísmo e bondade para com os seus irmãos. 

     

  3. Histórias como essa, pessoas
    Histórias como essa, pessoas como o senhor Benedito é que nos ajudam a acreditar no Brasil, na força e no caráter de seu povo. E qdo digo povo estou me referindo mesmo aos brasileiros menos ou quase nada aquinhoados, os mais simples. É nesse povo que dorme a grandeza do Brasil.

  4. Bela iniciativa.Tive a sorte

    Bela iniciativa.

    Tive a sorte de conhecer e ter amizade com dois mendigos.

    Um deles chamava-se Zé, jamais revelou o nome completo. Ele cantava muitíssimo bem, com afinação perfeita e uma voz muito bonita. Mas só cantava músicas do Roberto Carlos, bem de manhãzinha, no horário rígido entre 5 e 7:30. E, pasmem! Cantava melhor do que o Roberto Carlos.

    O outro chamava-se Adalberto, falava perfeitamente o espanhol, o francês e o inglês. Tinha hábitos que mostravam que havia tido uma vida muito diferente, pois também era culto. Mas, a exemplo de Zé, jamais falou sobre o passado.

    Os dois já morreram.  

  5. BENEDITO O NOBRE

    Conheci vários Beneditos, eles anonimamente tem aquilo que chamamos de Nobreza.

    É um exemplo de solidariedade pra todos nós.

  6. Parabéns centenário a Benedicto de Souza!

    Se bem me lembro, é o pai da Nilva de Souza, nossa ótima colega aqui do blogue. Ela fez uma postagem sobre ele, faz um tempo. 

  7. Muita Luz

    Parabéns Sr. Benedito de Souza! As grandes homenagens só devem ser prestadas verdadeiramente à grandes merecedores e merecedoras.

  8. Obrigada Lourdes, Nassif e

    Obrigada Lourdes, Nassif e todo o pessoal do GGN pela publicação.

    Estendo o convite a todos que puderem comparecer.

    Beijão procês.

    Nilva 

     

    1. parabens Nilva

      Parabéns Nilva, por ser filha de alma tão nobre…………..

      só pra constar = conheço o distrito de Cruz das Posses, onde seu pai nasceu.

      afinal sou de Ribeirão Preto-SP.

      abraço.

  9. Mil parabéns Benedicto de

    Mil parabéns Benedicto de Souza aonde quer que você esteja extensivos a toda a sua numerosa e linda família.

  10. Um grande Ser.

    São pessoas como o senhor Benedicto que não nos deixa perder a esperança na humanidade. São raríssimas as pessoas desta envergadura. Seus filhos devem sentir-se felizes e recompensados.

  11. Infinitas Palmas!!

    Querida amiga Nilva,

    Até que enfim uma notícia MA-RA-VI-LHO-SA!!!!

    Como eu gostaria de ter conhecido seu pai – Benedicto de Souza.

    Nilva, conhecê-la pessoalmente foi maravilhoso. Você herdou dele o sentimento altruístico. Provei desse sentimento quando estive em Sampa com você. Jamais esquecerei da sua generosidade.

    Beijos.

  12. Parabéns pelo sr Benedicto

    Parabéns pelo sr Benedicto pela vida produtiva que teve, e pela longevidade.

    Li uma matéria que o INSS contabiliza mais de cem pessoas centenárias  recebendo aposentadoria. 

     A aposentada mais antiga do Brasil, Maria Olívia, tem 130 anos e reside no município de Astorga, pertencente à Gerência Executiva do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em Maringá.

    //////

    A tia da minha esposa está com 106 anos.

    Lê jornal, O Globo, detesta o Lula e a Dilma. Costura à mão, e ainda coloca linha na agulha.

    Segundo a D. Djanira, a maior tristeza da velhice é que você perde todas as referência do passado, amigos e parentes.

    É uma pessoa de posse, nunca casou,  conhece alguns países pelo mundo.

    Hoje vive com uma afilhada de 62 anos numa confortável casa no Jardim Botânico.

    Quando lhe pergunto se tem vontade de morrer ela me diz ” vire essa boca para lá”

    Viva a longevidade saudável  e lúcida !

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