Luciano Hortencio
Música e literatura fazem parte do meu dia a dia.
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Villa-Lobos, por Waltel Branco e Jodacil Damasceno

Por Elvira Drummond e Luciano Hortencio

Trago, para nosso deleite, os violonistas Waltel Branco e Jodacil Damasceno, com ASSIM NINAVA MAMÃ, O CRAVO BRIGOU COM A ROSA e VAMOS TODOS CIRANDAR, de Heitor Villa-Lobos, com transcrição de Jodacil Damasceno.

Tendo em vista a profundidade sutil das peças de Villa-Lobos, pedi auxílio à boa amiga Elvira Drummond, Professora da Universidade Federal do Ceará, licenciada em Artes, pianista, musicista e mestre em literatura, para comentá-las, uma vez que Elvira tem atuado em várias cidades brasileiras, ministrando cursos, oficinas, seminários, conferências e palestras sobre educação musical e literatura infantil.

As três peças apresentadas são composições de Villa-Lobos, escritas originalmente para piano solo e, nessa versão, adaptadas para violão.

Segundo o próprio Villa-Lobos, suas obras são classificadas em cinco grupos:
•1° agrupamento: com interferência folclórica indireta.
• 2º agrupamento: com alguma interferência folclórica direta.
• 3º agrupamento: com transfigurada influência folclórica.
• 4º agrupamento: com transfigurada influência folclórica impregnada do ambiente musical de Bach.
• 5º agrupamento: em pleno domínio do universalismo.
As três peças pertencem ao segundo grupo, ou seja, “com alguma interferência folclórica direta”.

Villa-Lobos utiliza em todas elas a forma A – B – A, criando um tema contrastante para a parte “A”, seguido do tema original (recolhido da tradição folclórica) apresentado na parte “B” e retornando ao tema “A”. Essa forma é conhecida com “forma canção”.
Segue, abaixo, a procedência de cada uma delas:
ASSIM NINAVA MAMÃ – trata-se da peça de nº 2, da suíte infantil PETIZADA. O CRAVO BRIGOU COM A ROSA é intitulada por Villa-Lobos de “Zangou-se o cravo com a rosa”. É a peça de nº 1, da suíte CIRANDINHAS. VAMOS TODOS CIRANDAR é a peça de nº 6 da suíte infantil BRINQUEDOS DE RODA.

 Agradeço a boa vontade da amiga Elvira Drummond em atender ao meu pedido, bem como sua concordância em dividir esse Post.

luciano

Luciano Hortencio

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6 Comentários

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  1. Mestres.

    Foi o Waltel Branco quem indicou ao meu pai o Jodacil Damasceno para ser meu professor de violão.

    Fantástico e dedicado professor, que chegou a dar aulas para o Hélio Delmiro.

  2. Tico-Tico no Fubá

     

    TRIBUTO À ZEQUINHA DE ABREU

    Detalhe do mural temático “Tributo à Zequinha de Abreu”, o autor de Tico-Tico no Fubá localizado na praça que leva o seu nome em Santa Rita do Passa Quatro em São Paulo.

    [video:http://youtu.be/CyfBPpdtcY width:600 height:450]

    Por Luís Nassif | Folha de S. Paulo | 13/10/2002

    Não me canso aqui de elogiar a prodigalidade musical do Rio de Janeiro. Essa caixa de ressonância, no entanto, acabou jogando para segundo plano músicos fantásticos que se formaram fora da sua órbita de influência.
    É o caso de Zequinha de Abreu, pianista contemporâneo do grande Ernesto Nazareth e que logrou construir uma obra enorme de valsas singelas, menos sofisticadas que as do mestre carioca, mas de choros clássicos, com influência maior sobre a formação do ritmo do que o próprio Nazareth.

    Zequinha é de 1880, paulista de Santa Rita do Passa Quatro. Dentre as suas valsas, existem clássicos eternos da música brasileira, como “Branca” e “Tardes de Lindóia”, que todos conhecem, e “Último Beijo”, que minha mãe conhecia e que foi pouquíssimo gravada (“Quando eu te beijei a última vez / me lembro claramente era noite de luar”). Com todas as lembranças que a música me traz, não ousaria dizer que pudessem se equiparar aos clássicos “choppinianos” de Nazareth. Mas no choro, meu amigo, sai de baixo: “Os Pintinhos no Terreiro” e “Não me Toques” trouxeram uma contemporaneidade ao choro que nem o próprio Nazareth foi capaz.

    Rufous-collared Sparrow - Zonotrichia capensis

    É de Zequinha um dos clássicos brasileiros, um dos clássicos da música internacional, uma das músicas mais gravadas do mundo em todos os tempos, executada em todos os ritmos e sotaques: o “Tico-tico no Fubá”.
    Experimente baixar no seu computador um desses programas de download de música, como o KaZaa, e terá uma pálida idéia do que estou lhe dizendo. Se der sorte, conseguirá a gravação extraordinária da organista Ethel Smith, de 1941, com sucesso tão retumbante, que acabou por ser incluído na trilha sonora de cinco filmes americanos da época, alguns com enorme sucesso como “Escola de Sereias”, “Alô Amigos”, “A Filha do Comandante”, “Kansas City Kity” e “Copacabana”.

    Poderá conseguir a gravação de Carmen Miranda, de 1945, uma interpretação portentosa, ou de Dalida, contemporânea, com seu embalo particular. Poderá ouvir “Tico-tico” orquestrado por Michel Legrand e Mantovani, Roberto Inglez e Ray Conniff, Prado Perez em mambo, Orquestra Tabajara em frevo, e Henry Mancini. Ou swingado por Stan Kenton, Charlie Parker e Tommy Dorsey. Pensará que é uma peça flamenga, com Paco de Lucia. Ou um jambo alucinado, com Desi Arnaz. Ouvirá em bandolim de diversos sotaques, como Les Brown e David Grisman, um americano fantástico, ou os cavaquinhos de Waldir Azevedo e Garoto. Ouvirá com pianistas célebres – Daniel Barenboim, Moreira Lima, Jacques Klein a Liberace. E até um hip-hop divertidíssimo de Lou Brega.

    Rufous-collared Sparrow - Zonotrichia capensis

    Dentre minhas gravações favoritas estão quatro clássicos: a do argentino Oscar Aleman, a insuperável do Paquito de Rivera, a de Raphael Rabello, Armandinho e Paulo Moura, e a de Pixinguinha e Benedito Lacerda.

    E, no entanto, essa música que ajudou a consagrar o choro brasileiro no mundo, é de 1917. Naquele ano nasceu como “Tico-tico no Farelo”, mas como tinha música com esse nome do Américo Jacomino (o “Canhoto”, do “Abismo de Rosas”), virou “Tico-tico no Fubá”. Ganhou letra de Eurico Barreiros em 1931 e só naquele ano recebeu a primeira gravação, da Orquestra Colbaz, do histórico maestro Gaó. Parte da história foi contada no filme “Tico-tico no Fubá” de 1952, devidamente romanceado. Zequinha era vivido por Anselmo Duarte, o maior galã da época. No filme, Zequinha era funcionário público na sua Santa Rita do Passa Quatro, que se torna noivo de Durvalina (vivida por Marisa Prado), mas se apaixona pela amazona de um circo que visita a cidade, a clássica Tonia Carrero. Depois rompe com a amazona, passa a beber, fica doente, muda-se para São Paulo e reencontra a musa a tempo de tocar pela última vez o “Tico-tico” e morrer.

    Tico-Tico, o Filme

    [video:http://youtu.be/nNR_LNYtnEk width:600 height:450]

    Zequinha morreu cedo, em 22 de novembro de 1935, aos 55 anos. Teve tudo para uma vida tranquila. Tocava na Casa Beethoven, na rua Direita, em bares da noite, tinha seu conjunto, recebia salário mensal dos Irmãos Vitale, em troca de lhes entregar uma composição por mês. Mas tinha alma de artista.
    Deixou a viúva Durvalina, mais oito filhos cujos nomes começavam por D. E, talvez, a alma partida de uma amazona de circo, que talvez nem tenha existido, mas que, de qualquer forma, não importa.

    Texto de Luis Nassif com inserção de imagens e vídeos da Internet.

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1310200206.htm

  3. Ser Minas Tão Gerais

     

                                                               O  PRESIDENTE

                                                       Antonio Ribeiro de Almeida

                                                         

                                                    

     

    Filho de pobre em Serrana tinha uma das três opções na vida: trabalhar na Usina de açúcar dos Belgas; entrar no Seminário de Mariana ou sentar praça na Polícia Mineira. Astrogildo não queria passar a vida jogando cana na esteira e vocação para padre não era com ele.  Desde a infância, vinha atormentando as mulas nos pastos e delas pulou para as mulheres do Beco da Rita Capeta.  Não havia mulher que não sofrera debaixo do seu órgão avantajado e, quando ele ia ao Beco nas suas visitas, o mulherio corria e se escondia. Nenhuma queria ficar com ele.  Era preciso que Rita saísse à cata das mulheres e trouxesse uma mais corajosa para enfrentar aquele fauno, que havia recebido o apelido de “Jumentinho”.

     Astrogildo, desde os 12 anos, era o campeão absoluto no concurso das roscas. Na Padaria “Flor do Trigo”, fabricava-se uma rosca que era substanciosa, mas dura como um pedaço de pau.

    Dando asas à imaginação, os companheiros do Astrogildo, entre os quais se destacavam Zé Pretinho, Chico da Maninha e Bonitão, inventaram um concurso do qual participavam os adolescentes cujos genitais fossem avantajados. O desafio consistia em colocar, sucessivamente, roscas, umas sobre as outras,  e  ver quem, com o pênis ereto, era capaz de quebrá-las com uma única pancada.  Não havia quem superasse a marca do “Astrogildão” que quebrara, de uma só vez, cinco roscas.  E os perdedores se cotizavam para pagar o prêmio ao vencedor, que consistia em  10 maços de cigarros Yolanda 500, cinco entradas no Cine Brasil e duas visitas ao Beco da Rita Capeta.

    Chegado aos 17 anos, Astrogildo não concorria mais, era um “hors-concours” e servia de juiz àquele curioso concurso que sempre acontecia nos fundos do Bar do Baiano com assistência numerosa.  Baiano, que gostava de uma safadeza, anunciava a alguns fregueses escolhidos o dia e a hora da noite em que haveria o Concurso das Roscas.  Quem não apreciava as proezas do Astrogildo era sua mãe, Dona Faustina, que não cansava de queixar-se com as vizinhas e o Padre Hermano sobre a vida devassa e ociosa do seu filho.   A conselho do vigário procurou o chefe da política local, coronel Toninho, e pediu uma carta de recomendação para  que o  filho fosse engajado na Polícia Mineira.  Desta forma, Astrogildo partiu de Serrana e viajou para a nova capital, Belo Horizonte.

    Naquele ano de 1924, graças à carta do chefe do Partido Republicano Mineiro, Astrogildo foi incorporado à   Policia Mineira , como soldado raso, e passou a receber o soldo, uniforme, carabina e um revólver Smith & Wesson.  Após um treinamento puxado, que se estendeu por um ano, ele, que estava acostumado a uma vida de putaria e deboche, foi mandado para um pequeno destacamento no lugarejo de Capivara de Baixo, localizado na Zona da Mata Mineira, onde, dizia-se, nem o diabo quis ir. Viajou de trem, no lombo de cavalo e, depois de uma semana, chegou ao seu destino.  Cabo Adolfo, um preto de queixo torto, e que nunca olhava uma pessoa nos olhos, foi quem o recebeu sem nenhum prazer.  O destacamento de Cabo Adolfo era composto de quatro praças que moravam na própria cadeia e ali cozinhavam e lavavam a roupa.  Astrogildo pensou em desertar.  Foi só pensar. O último soldado que tentara fugir fora caçado pelo Cabo Adolfo e trazido de volta, amarrado no rabo de um burro, e, na cadeia, apanhou como boi ladrão.  Em Capivara de Baixo, a luz elétrica e o telefone não haviam chegado.  O gerador da Igreja é que era ligado por volta das sete horas da noite para que o Padre Raimundo rezasse o terço com suas beatas, mas, quando acabava a oração, o gerador era desligado e o lugarejo adormecia. Nessas noites, era costumeiro que o Cabo Adolfo se sentasse  na porta da cadeia e tirasse um dedo de prosa com os seus soldados,   enquanto enrolava um cigarro de palha e acendia com sua binga. Se Capivara de Baixo era pobre com suas quinhentas e poucas casas, a maioria de pau-a-pique, as suas noites, quando eram estreladas, deslumbravam a quem as contemplasse.  Quando a lua era cheia e nascia atrás da Serra das Onças, a “rua” de Capivara ficava clara como se tivesse iluminação. Aí, os moradores saíam de suas casas e passeavam da Igreja do Bom Jesus até a estrada que levava à vizinha São Geraldo.

    A vida corria monótona e tranqüila em Capivara de Baixo até que, numa noite de abril de 1925, ali chegou o Tenente Afonso com mais quatro praças. Era famoso pela expiação que fez na travessia do Rio São Francisco, quando transportava 12 presos da cadeia de Bonito de Minas para Januária. Dizia-se à boca pequena que o tenente dera aos presos uma escolha: ou pula ou morre. Pularam e morreram, pois não sabiam nadar, e, naquele trecho, o velho Chico era infestado de piranhas. A versão oficial é que a barcaça afundara e, milagrosamente, só o tenente e mais três soldados conseguiram se salvar.

    A notícia da chegada do Tenente Afonso correu por todo o povoado e dezenas de moradores foram para a porta da cadeia para saber mais detalhes. E eles eram quem o famoso militar da capital de Minas ia comandar na captura de seis presos, assassinos perigosos, que haviam fugido da Delegacia de Caratinga e estavam na região. Para o povo de Capivara era uma novidade assistir à passagem de comando entre os dois militares. Cabo Adolfo, em voz alta, ordenou:

    – Soldados, em formação!  Sentido!  Apresentar armas!

    Tenente Afonso, com a sua metralhadora a tiracolo, passou em revista os soldados e também  gritou :

    – Assumo o comando do Destacamento de Capivara de Baixo e nomeio o Cabo Adolfo meu segundo em comando. Dispersar!

    E, logo em seguida, ordenou aos curiosos que se recolhessem às suas casas e não abrissem a porta ou a janela para ninguém. Astrogildo matutou que ia sair daquela pasmaceira, pois os próximos dias prometiam ser movimentados.

    A manhã seguinte foi de exercícios militares. Tenente Afonso acordou os soldados antes do dia amanhecer. Mal tomaram um café adoçado com rapadura e um pedaço de broa de fubá e, em marcha acelerada, embrenharam-se  na Matinha até o Pico do Rola-Moça. Ao anoitecer, os homens voltaram a Capivara de Baixo, esfalfados, famintos e arranhados de espinhos. Mesmo assim tiveram que desfilar em ordem unida da boca da Matinha até a cadeia. O rancho já estava pronto e cada um matou a fome como pôde. Os dois militares se reuniram e combinaram como seria o plano de captura no dia seguinte. Astrolgido e mais um soldado sairiam a acampanar os foragidos que, dizia-se, estavam acoitados na Fazenda do Coronel Bim-Bim. Mas iriam disfarçados. Astrolgido se travestiria de mulher do soldado Zé Pé Grande e o casal pediria pousada ao Coronel na longa viagem que fazia com destino ao Espírito Santo. Astrolgido ficou abalado.  Ele, logo ele, que era o terror das putas, o macho por excelência, ser submetido a uma humilhação daquelas?  Mas a escolha não fora ao acaso. Cabo Adolfo conhecia a fama de conquistador do seu soldado e, quando ele chegou a Capivara de Baixo, há mais de um ano, foi avisando :

     – Aqui não tem mulher da vida. Todas são casadas ou têm amásio. Aquele que bulir com mulher dos outros acaba na ponta de um punhal. Quem precisar satisfazer suas necessidades, que viaje até Ventania. Eu dou licença. Lá tem a Isolina “Mata Homem” que já enterrou três velhos entre as suas pernas. O soldado Venâncio, que foi na Isolina, disse que a mulher tem uma fornalha na caixinha. Saiu de lá suado e com o coração dando pinotes. Na Isolina, ele não volta mais. 

     Assim planejado, assim foi feito. Astrogildo colocou uma peruca, um vestido de chita, passou um ruge bem vermelho no rosto, pintou berrantemente a boca e colocou um pano para encobrir a cabeça e parte do rosto por causa da poeira. Assim travestido, Astrolgido escarranchou no cavalo, na frente do falso marido, Zé Pé Grande, não sem antes avisar: “Vê como Você vai aí atrás de mim. Se eu sentir que alguma coisa tá crescendo, eu te desapeio”. Os soldados que assistiam à partida dos dois morreram de rir com o inusitado disfarce do casal que iria tentar localizar os foragidos e com os temores do Astrogildo. Tenente Afonso e o destacamento marchariam atrás do casal, mas escolhendo picadas para não serem descobertos. Se os foragidos estivessem na Fazenda, Astrogildo, cuja voz era em falsete, iria cantar, ao anoitecer, a famosa modinha “Elvira, escuta”. Era o sinal combinado para a invasão da casa-grande da Fazenda do Coronel Bim-Bim. De noitinha, o casal chegou à porteira da casa-grande. Alguns vaqueiros guardavam o gado no curral e a saudação costumeira foi cumprida:

    Zé Pé Grande gritou:

    – Oh, de casa! e um vaqueiro respondeu:

    – Oh, de fora! Quem vem lá?

     – É o Zé Peão de São Geraldo e sua esposa Divina que pedem ao Coronel Bim-Bim pousada por uma noite. Vêm em paz e acompanhados pelo Menino Jesus e seus anjos.

     – Pera aí que vou falar com o coronel.

    Logo o peão subiu as escadas da casa-grande e foi falar com o coronel. Na varanda, encontrou uns homens mal-encarados que haviam chegado na madrugada  anterior.  Reconheceu Tião “Caolho” que, pelo que se dizia, havia assassinado o prefeito de São Geraldo a mando do Coronel Bim-Bim.  Disse apenas, “Oi”, e foi passando em direção à sala de jantar onde estava o coronel. Chegando junto ao coronel tirou, submissamente, o chapéu de palha e contou do pedido de pousada do casal que esperava na porteira.  Bim-Bim não gostou muito daquela visita inesperada, justamente por causa dos homens que havia acoitado. Mesmo assim concedeu a pousada e mandou que eles comessem na cozinha. Já era noite quando o casal penetrou na casa-grande. O Tenente Afonso e seus homens, que estavam escondidos atrás de um bambual, viram quando o casal penetrou na área da casa-grande e se dirigiu para os fundos. Era noite de lua minguante e de céu sem estrelas. A escuridão não permitia que se enxergasse o gado no curral e só se ouvia o piar agourento de uma coruja que se instalara no mourão da porteira. Facilitara o deslocamento dos soldados o fato de o Coronel Bim Bim ter banido os cães da sua fazenda porque um dia fora mordido por um viralatas.  Logo que Zé Peão e sua companheira Divina entraram na cozinha, ficaram abobados com a fartura do jantar. Três cozinheiras preparavam, num braseiro, dois leitões, um caldeirão de tutu de feijão e uma panela de arroz, enquanto um pretinho depenava cinco frangos.

    – Vai se aboletando aí, seu moço, e a senhora também. Comida hoje é da melhor, pois o coronel tá com visita importante. E ele gosta de se mostrar agradecido a quem o serve na obediência.  Qual é mesmo o nome de vosmecês? 

    – Zé Peão, às suas ordens, e sua senhora Divina.

    – A mulher não fala, não?

    Divina tapou a boca com a mão e começou a rir baixinho, como meio envergonhada.

    – Ela é assim, comentou o “marido”, tem horas que dá nela uma bobeira que ninguém explica. Doutras horas, ela desembucha e a senhora não acredita, ela canta bonito que nem o sabiá de papo amarelo.

    A cozinheira deu-se por satisfeita com as respostas e preparou os pratos que ia levar com as ajudantes para a sala de jantar do coronel.  O jantar foi  de banquete e os  homens ainda beberam muitas talagadas de uma pinga que o coronel mandara vir de Rio Branco, uma tal  de “Predileta” da fazenda do “Seu” Matucho. No fim do jantar, os homens estavam alegres e embriagados. A cozinheira, que gostava de contar as novidades, dissera ao coronel que a mulher do boiadeiro Zé Peão sabia cantar.  Foi o quanto bastou para o coronel Bim-Bim ordenar à cozinheira que trouxesse na sala a tal de Divina, que ele e os seus hóspedes queriam ouvir aquela patativa. Com muito custo, e meio envergonhada, a Divina e o marido e se apresentaram ao coronel. Os homens comentaram como Divina era forte e troncuda, mas a embriaguez em que estavam mergulhados não lhes permitiu de nada desconfiar.

    – Vamos, mulher, o que você vai cantar para o nosso gáudio? Interpelou o coronel.

    Afinando mais a voz, Divina respondeu que só sabia a moda “Elvira Escuta” e pediu a um dos homens que  a acompanhasse ao violão.  Colocando as mãos à altura do coração, Divina começou a cantar, enquanto o Tenente e seus homens cercavam a casa-grande.

    Elvira escuta os meus gemidos,

    Que aos teus ouvidos irão chegar,

    Não sejas traidora, tem dó de mim,

    Tem dó dest’alma que te sabe amar.

    Teu coração é um rochedo,

    Este rochedo é meu penar

    Não sejas traidora, tem dó de mim,

    Tem dó desta alma que te sabe amar.

    Teu coração é um rochedo,

    Este rochedo é meu penar

    Não sejas traidora, tem dó de mim,

    Tem dó dest’alma que te sabe amar, Sobe a escada, vem devagar…

    O verso não se completou. Os homens do Tenente Afonso já haviam subido a escada e pularam dentro da sala de jantar com as carabinas Mauzer, 1908, apontadas contra o coronel e seus convidados. Imediatamente, o tenente deu a ordem de prisão e se identificou: “Eu, Tenente Afonso, da Delegacia de Captura do Estado de Minas Gerais, dou voz de prisão ao coiteiro  Coronel Bim-Bim e seus acoitados. Todos deitados no chão com as mãos na nuca . Não resistam,  porque serão imediatamente fuzilados.”

    As cozinheiras saíram correndo, gritando, invocando todos os santos e numa choradeira histérica. Bastou, contudo, que o tenente Afonso prometesse lhes dar uma surra de cabresto para que cessassem o berreiro.  Enquanto isso, os foragidos e o próprio coronel Bim-Bim foram amarrados pelos soldados e, no chão, ficaram deitados de bruços. Bim-Bim tentou falar alguma coisa, mas a surpresa da invasão foi tão grande que ele mal balbuciou:

    – Seu tenente, este ataque não fica assim não.  O senhor sabe que eu sou o coronel Bim-Bim com patente do Exército Brasileiro por ter dado apoio, com homens e armas, ao presidente Arthur Bernardes?  Quem bole comigo não acaba bem.  Não tou ameaçando, mas o senhor nunca mais vai ter comando na milícia mineira. Vou queixar-me diretamente ao Presidente Bernardes.

    – Seu coronel Bim-Bim, o seu passado eu respeito. Mas o governo tá de olho no senhor desde que mandou assassinar os prefeitos de São Geraldo e Rio Branco. Na comarca de Caratinga tem confissão assinada dos pistoleiros que acoitou e que receberam, cada um, 10 mil réis, para matar aquelas autoridades.  O seu presente é a cadeia, e, desta vez, não tem político que o livre porque o Presidente Bernardes declarou que o tempo dos coronéis  acabou.  Amanhã, o coronel e seus pistoleiros vão começar uma longa viagem para Belo Horizonte onde prestarão contas à Justiça.  Agora, tratem de dormir porque vão caminhar as cinco léguas até Capivara de Baixo.  Montado, iremos eu e os meus soldados.  Bandido, comigo, tem que palmilhar este chão ou não me chamo Tenente Afonso.

    O tenente ordenou que quatro soldados ficassem nos quatro cantos da sala com as carabinas engatilhadas, enquanto os outros dormiriam, até a meia-noite, na varanda.  A noite foi longa e, logo que o sol apareceu no Pico do Rola Moça, o tenente e seus prisioneiros começaram a retornar para Capivara de Baixo.

    Era a hora da Ave-Maria quando o Tenente Afonso apontou na ‘rua’ de Capivara de Baixo com os soldados e os seus presos amarrados, uns aos outros, pela cintura.  Chegavam esfomeados e sedentos, pois o tenente não deteve a marcha para que eles atendessem à natureza. Todos, sem exceção, haviam urinado nas calças. O tenente Afonso era conhecido por sua dureza e, por isto mesmo, o Delegado Geral do Estado o escolhia para as capturas consideradas perigosas. Foi somente na cadeia que os homens puderam desapertar e limpar a bunda com sabugo de milho, como era useiro na região.  Engoliram, sem reclamar, uma sopa de fubá com couve e dormiram trancafiados nas duas celas da cadeia.

    Tenente Afonso e Cabo Adolfo estavam satisfeitos com o sucesso da missão. O tenente informou ao Cabo que iria sugerir ao comando geral de Belo Horizonte que lhe fosse feito um elogio na Ordem do Dia e uma menção aos soldados Astrogildo e Zé Pé Grande, que correndo risco de vida, haviam se disfarçado para penetrar na casa-grande do Coronel Bim-Bim.

    No dia seguinte, o Tenente Afonso, seus soldados e os prisioneiros desceram bem cedo em direção a São Geraldo onde tomariam o trem da Leopoldina Railway com destino a Belo Horizonte.

    A vida voltou à rotina de sempre em Capivara de Baixo.  Os homens saíam cedo para a lavoura, as mulheres cuidavam das hortas, enquanto os meninos brincavam de jogar birosca, de pegador e as meninas faziam bonecas. Mais um ano passou. Em 1926, Astrogildo chegara aos seus 24 anos e começou a pensar seriamente em casar. Nas folgas, ia sempre passear em Capivara de Cima onde havia visto uma donzela, conhecida por Rosinha, com quem havia trocado alguns olhares. O lugarejo era mal-afamado e dizia-se que o povo de lá era ruim como carne de pescoço. Astrogildo não se intimidou e pediu licença aos pais da moça para namorarem. O namoro era de sala com a vigilância da mãe de Rosinha e os dois assentados nas pontas de um banco. Era um namoro em que só diziam “Boa-noite, como vai Rosinha? Boa-noite, como vai Astrogildo?” Mais não diziam; e ficavam o tempo todo olhando um para o outro ou para as paredes onde estavam dependurados quadros do Sagrado Coração de Jesus e Sagrado Coração de Maria. O pigarro da mãe é que quebrava o silêncio e, quando ela servia o café com um bolinho de arroz, era a hora de Astrogildo ir embora. Na volta para Capivara de Baixo, ele matutava como era a sua vida agora, quando a comparava aos seus tempos de Serrana onde não respeitava nem mulher casada.

    Daí a seis meses noivaram e mais algum tempo, casaram. Rosinha veio morar em Capivara de Baixo. Para a moça recatada e envergonhada que mostrava ser, até que ela se revelou muito fogosa. Astrogildo ficava exausto com o “quero mais” que ela repetia no silêncio do quarto nas noites de amor.  Rosinha engravidou.  A gravidez foi complicada e ela mostrava os pés inchados e muito vomitava. Dona Maura, a parteira do vilarejo, sentenciou que era um menino e que ele estava envenenando a mãe.  Aconselhou a Astrogildo mudar para uma cidade grande onde houvesse mais recurso. Tal parecer fez com que Cabo Adolfo permitisse que Astrogildo fosse removido para Ponte Nova, cidade maior, onde um médico poderia cuidar da Rosinha e do filho que estava para chegar. No dia 11 de agosto de 1926, dia do mártir São Tibúrcio, nasceu um menino forte que o nome do santo recebeu na pia batismal. Astrogildo, Rosinha e Tibúrcio eram felizes na pobreza em que viviam e na casinha de quatro cômodos  nunca faltava um almoço com carne e, no jantar, uma sopa de macarrão com tutano de boi.  Os anos foram passando e, em 1929, veio uma nova remoção para Astrogildo que foi designado para a capital de Minas. Havia um zum-zum que era preciso aumentar o contingente da Polícia Mineira e modernizar o armamento. Astrogildo foi morar no bairro de Santa Efigênia, perto do Comando Geral da Polícia Mineira e entrou numa rotina bem puxada de marchas, exercícios de tiro ao alvo e manuseio de um novo modelo de metralhadora. Tirava serviço na Praça da Liberdade, na guarita do Palácio, quando teve oportunidade de conhecer o jardineiro da praça e até aprender alguma coisa sobre a arte da jardinagem. 

    Cartas que chegavam de Serrana lhe davam conta que o paulista Washington Luís poderia ser apeado do poder. A boataria era intensa e falava-se de uma revolução que viria do Rio Grande do Sul com o apoio de Minas Gerais e Paraíba.  E foi isto que aconteceu. No dia 3 de outubro, a Revolução foi deflagrada no Rio Grande do Sul, mas, em Belo Horizonte, o 12º Regimento de Infantaria do Prado não aderiu aos revoltosos e foi sitiado pela Polícia Mineira.  Astrogildo participou ativamente do cerco no qual morreram vários civis em Belo Horizonte atingidos por balas perdidas. Nunca ficou esclarecido o número de militares de ambos os lados que perderam a vida. Por um azar do destino, durante o cerco ao 12º, que durou de 3 a 8 de outubro de 1930 , Astrogildo foi baleado no joelho e tornozelo da perna  esquerda e posto fora de combate.  Removido para o hospital militar, ali ficou internado durante seis meses. Nesse período leu, leu muito,  e adquiriu uma certa cultura religiosa e até filosófica. Da Bíblia, preferia o Livro da Sabedoria, os Provérbios e os Evangelhos. Com traduções de Voltaire aprendeu a rir da vida e dos poderosos. Reformado com a patente de sargento, pois fora ferido em combate, compreendeu que uma parte da sua vida acabara. Caminhava apoiado numa bengala, e, na sua face, deixara crescer um grande bigode que lhe dava certa imponência.  Era outro homem. Resolveu voltar com Rosinha e Tibúrcio para sua querida Serrana. Recebido como herói, foi surpreendido com a Banda de Música “A Furiosa”, que o esperava, com dezenas de populares na estação de Serrana. Depois desses dias de festas e reencontros com amigos e vizinhos, ele concluiu que teria de buscar um sentido para sua vida. Trabalhar não podia mais e seu soldo garantia uma vida modesta e tranqüila.  Rosinha, que tinha a arte da costura, tornou-se logo conhecida e começou a ser procurada pelas mulheres para fazer camisas, calças ou reformar roupas.  Ver sua mulher costurando na Singer o incomodava um pouco.  Não queria ser o marido da costureira e passou a sair pela manhã e encontrar os velhos companheiros no jardim da Matriz. Caprichava ao trajar um terno de linho branco, ao colocar chapéu de palhinha “Brunetto”, exibindo sua bengala com castão de prata que trouxera de Belo Horizonte. Assim faceiro, ainda que manquitolando, quando chegava lá pelas nove horas da manhã, ia subindo pela Rua do Divino em direção ao Jardim da Matriz. Logo que chegava, se reuniam à sua volta os velhos companheiros da adolescência: Bonitão, Zé Pretinho e Chico da Maninha.  Novos membros se agruparam à rodinha: Mané Ford, Zeca Mão-Leve, Orlando Orelha de Burro, Pintinho e o Tarzan. Todos pediam que contasse e recontasse como fora sua vida em Capivara de Baixo, o assalto à Fazenda do Coronel Bim-Bim, e se ele vestira mesmo de mulher. A “guerra” em Belo Horizonte, no cerco ao 12º Regimento de Infantaria, era uma das partes preferidas.  Getúlio Vargas se instalara no poder e Serrana ganhara um interventor, enquanto, no Jardim da Matriz, Caburé continuava a comandar os varredores e a selecionar as flores que seriam plantadas. Reunido com o seu grupo, numa daquelas manhãs, Astrogildo perguntou:

    -O chefe da jardinagem ainda é o Caburé?

    – É sim!  Respondeu prontamente o Pintinho. Mas agora ele só atende pelo nome de presidente e briga com quem chamá-lo de Caburé. 

    Astrogildo deu uma larga risada, alisou os bastos bigodes e conspirou:

    –  Vamos fazer a nossa revolução neste jardim. O Caburé não liga a fonte luminosa na hora certa e nem troca as lâmpadas queimadas; tem mania de só plantar margaridas e cu-de-pinto e trata mal estes pobres varredores. Eu vou assumir a presidência deste Jardim da Matriz e aposto que o interventor não dará um pio. Afinal, dei o meu sangue e fiquei aleijado para que a Revolução fosse vitoriosa.  Eu convoco o Zé Pretinho, Orlando Orelha de Burro e o Tarzan, para trazerem o Caburé à minha presença. Nesta hora ele deve estar no coreto. 

    Os três companheiros saíram em busca do Caburé.  A meninada, que brincava no jardim, pisando na grama, é que lhe dera este apelido, pois era feio como a coruja. Algo pretensioso, com a Revolução de 30 comprara um boné militarizado e intitulou-se presidente do Jardim. Temeroso, foi ao encontro do Astrogildo. Não sabia bem o que aquele militar queria com ele.  Zé Pretinho apenas adiantou que o “comandante” queria ter uma conversa com ele.

    Chegou meio ressabiado e perfilou-se à maneira militar e disse:

    – Pronto, sargento Astrogildo! O senhor quer falar comigo?    

    – É verdade.  Como você sabe, eu sou o único serranense que participou da Revolução de 30 e trouxe do Comando Geral da Polícia de Minas uma carta de recomendação com direito a reivindicar um posto em Serrana. Pois bem, resolvi assumir o posto de presidente do Jardim e designar você como meu auxiliar. Você, doravante, como meu subordinado, me mostrará o seu projeto de jardinagem e discutiremos o que se deve plantar. 

    – Sem lhe faltar ao respeito acho isto muito estranho. O que o senhor conhece de jardinagem?

    – Olha, Caburé, em Belo Horizonte, que tem os mais belos jardins deste país, eu fazia guarda no Jardim da Praça da Liberdade e o jardineiro do Palácio me deu muitas lições. Você sabe, por exemplo, o nome do bico-de-papagaio e quais os cuidados que se deve ter com ele?

    – Desconheço, respondeu Caburé.

    – Pois eu aprendi que é Euphorbia Pulcherrima e que ele gosta de muita luz e se adapta muito bem no nosso Jardim. Você, não sei por quê, enche os canteiros desta florzinha vagabunda e feia que o povo chama de “cu-de-pinto”

    – Quem gosta dela é a dona Mariquinha, sogra do ex-prefeito, por isto que a plantei.

    – Pois bem, de agora em diante não tem dona Marquinha nem dona Maricota. Nós vamos decidir, juntos, como embelezar este jardim. E também os meus companheiros não o chamarão mais de Caburé.  Seu nome é Venancio da Silva Lopes. Certo?

    – Certo!

    A partir daquele dia o presidente Astrogildo e Caburé formaram uma dupla inseparável. O velho jardineiro dava contas ao presidente, todas as manhãs, da rotina daquele dia e das novas flores que seriam plantadas.  O jardim foi se embelezando com as prímulas, as violetas, os crisântemos, os caraguataís, os agaves , as aglaonemas, os antúrios, as rosas  e muitas outras espécies.  O dia todo era um festival para as abelhas que vinham buscar o pólen e o néctar nestas plantas. A fonte luminosa voltou a alegrar as noites jogando os seus jorros d’água multicoloridos para o ar e formando desenhos que alegravam os olhos das crianças e dos idosos. Astrogildo via, com alegria na alma, aquele florescer.  Sentado no seu banco, ele ouvia as novidades de Serrana, e, de vez quando, filosofava com frases que revelavam um espírito sutil e alegre. Muitas vezes recebia as pessoas para uma conversa ou para deixar um conselho, uma orientação.  Todos reconheciam naquele soldado que ia envelhecendo uma sabedoria que a vida e o sofrimento haviam moldado. Encontrara um novo sentido para a sua vida.

     Quando fui pela última vez a Serrana, eu ainda o vi assentado no seu banco, com o impecável terno de linho branco, o seu chapéu de palhinha e a inseparável bengala.  Reconheceu-me como filho do José Ribeiro da Usina Central e comigo bateu um curto papo. Comentei como o jardim estava belo, e ele, olhando para mim deixou-me, uma frase de um poeta que, até hoje me dá o que pensar: “Seu moço, Deus fez o primeiro jardim  e Caim, a primeira cidade”.  Com o fim das minhas férias, regressei a Belo Horizonte e ao meu trabalho. Numa manhã de setembro, justamente no mês da Primavera, soube que o presidente havia falecido em Serrana. Com os meus botões, pensei: “Agora ele terá o grande Jardim do Éden para contemplar e amar. Será, apenas, um simples auxiliar do Jardineiro. Acho que não se importará de ter perdido o posto, pois sua Felicidade será indescritível ao poder caminhar livremente pelas alamedas do Éden”.

     Ao longo de outro jardim, o do Parque Municipal, fui descendo pela Avenida Afonso Pena em direção à Praça 7.

    * * *

    “Contos do Entardecer, do Ribeiro, é uma delicia de ler. Assim como são os artigos que ele escreve, com senso apurado e estilo elegante, para as páginas de Opinião, do jornal Diário da Região de São José do Rio Preto, para o Correio de Uberlândia e A Imprensa. Nestes contos que ele compartilha com o leitor, estão as reminiscências do primeiro dia de aula ( quem se esquece da primeira professora ? ), as relembranças do Natal da infância e outras histórias catadas nos cantos das Minas Gerais, onde nasceu. São os olhares da alma que não se desmancham…”

    Antonio Ribeiro de Almeida

    Antônio Ribeiro de Almeida, jornalista e escritor de São José do Rio Preto/SP, é Doutor em Psicologia Social pela USP, professor aposentado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, com pós-doutoramento nos EUA.

    1. Valeu a pena ter lido todinho!

      Dom JNS!

       

      Li o excelente conto de cabo a rabo e lembrei de um causo que me contaram no distrito de Campestre, município de Trairi, no litoral cearense:

      Havia um caba desembestado que adorava bulinar com as póbi das jumentas. Todo o mundo sabia disso, porém ele negava veementemente. Negava, porém levava sumiço lá pras quatro da tarde e só voltava ao anoitecer, calmo e sorridente.

      Uma tarde, a molecada resolveu seguir o caba fi duma égua, que de nada desconfiou. Ele andava e andava e a molecada atrás. Entrou pros matos e a negada em sua pisada. Em dado momento ele parou em um aceiro onde estava uma jumenta velha que, de tão viciada, logo levantou a cauda.

      O caba de peia passou a mão pelo focinho da jumenta e perguntou carinhosamente:

      Tu ainda me ama, cara comprida???

       

      Abraçao do seu parça

      luciano

  4. Minas são muitas

     

    Don Luc

    CONTOS DO ENTARDECER

    Os contos do Ribeiro de Almeida retratam, fielmente, o que era o meu amado e indômito sertão das Gerais.

           Marilena Chauí

           argumenta no sentido de perceber o cultural como um produto das relações do social,

       … os objetos culturais não são dados, são postos por práticas culturais, sociais, históricas,

           determinadas, por formas da sociabilidade, da relação intersubjetiva, grupal, com tempo e espaço,

           com o possível e o impossível, com o necessário e o contingente.

    A modernização alterou estas particularidades e singularidades, algumas sinistras, do guerreiro povo mineiro.

    Conheço as cidades de Caratinga e de Ponte Nova, que são as maiores e foram mencionadas no belíssimo texto do Ribeiro.

    Mapa da região publicado pelo Jornal Diário da Tarde

    “Os antigos” ainda contam causos com enredos, exatamente, iguais aos que Ribeiro usou no seu saboroso livro.

    Por isso, apesar de ter resistido em enviá-lo, pelo tamanho do texto, encaminhei ao seu blog, porque, nele, está refletida a verdadeira cultura popular, sem a destrutiva intervenção dos perfumados salões que orientam e distorcem o verdadeiro significado “das coisas”, corrompem e transformam tudo em business.

    Meu grande Comandante, existe um personagem lendário, o Capitão Pedro, que fez história no Vale do Rio Doce, no Vale do Mucurí e, em particular, em Governador Valadares.

    Todos, sem exceção, conhecem as histórias de bravura, engenhosidade, uso de disfarces inusitados e outros truques, associados ao seu famoso “violino”, na caça impiedosa de foragidos da justiça e na eliminação do “jaguncismo” naquela região

    Refletindo sobre este aspecto peculiar da nosso cultura, desenvolvi uma teoria particular sobre o recorrente apontamento do mineiro da gema ser uma pessoa muito desconfiada.

    Penso, meu Comandante, que, diferentemente, da população litorânea, que estava em contato frequente com visitantes diversos e multifacetados, que iam e vinham, diuturnamente, de outras prados & paragens, aprenderam, forçadamente ou não, a conviver melhor com as pessoas estranhas e as diferenças individuais.

    Do lado oposto, a mineirada ficou confinada e protegida pelas majestosas montanhas do nosso amado sertão das Gerais.

    Qualquer visitante inesperado e desconhecido, era, então, visto com restrições e desconfianças pelo temor de ser um pistoleiro a soldo de inimigos políticos ou contratado para resolver, à bala, os conflitos gerados pela demarcação dos limites das grandes fazendas que eram comandadas pelos temíveis “coronéis” que mandavam e desmandavam naquela época do trepidante faroeste do interior do Brasil.

    Para não estender, demasiadamente, o meu comentário, vou deixar algumas imagens do ultra lendário Capitão Pedro.

    Ouví de ex-moradores de Marilac e região, muitas histórias fantásticas e quase inacreditáves da longa saga de assassinatos envolvendo as famílias Leite (foto acima) e Braga, que foram cometidos naquele fervilhante mundão de Meu Deus – Água Boa, Malacacheta, Nacip Raydan, Santa Maria do Suassui – estabelecido no leste e nordeste de Minas Gerais.

    A capa e contracapa do livro “Água Boa, A cidade sem lei”. assinado por Anderson Stanley que de forma romanceada traça um paralelo da história da família Leite na região.   

    Reportagem do Jornal Estado de Minas sobre a pistolagem e os irmãos José, Aldécio, Antonio e Alírio Nunes Leite, presos no DOPS, na década de 70.   

    Coronel Pedro Ferreira em reportagem do Jornal Última Hora no dia 29 de agosto de 1963

    Ser Mineiro é não dizer o que faz, nem o que vai fazer,
    é fingir que não sabe aquilo que sabe,
    é falar pouco e escutar muito,
    é passar por bobo e ser inteligente,
    é vender queijos e possuir bancos.

    Um bom Mineiro não laça boi com imbira,
    não dá rasteira no vento,
    não pisa no escuro,
    não anda no molhado,
    não estica conversa com estranho,
    só acredita na fumaça quando vê o fogo,
    só arrisca quando tem certeza,
    não troca um pássaro na mão por dois voando.

    Ser Mineiro é dizer “uai”, é ser diferente,
    é ter marca registrada,
    é ter história.
    Ser Mineiro é ter simplicidade e pureza,
    humildade e modéstia,
    coragem e bravura,
    fidalguia e elegância.

    Ser Mineiro é ver o nascer do Sol
    e o brilhar da Lua,
    é ouvir o canto dos pássaros
    e o mugir do gado,
    é sentir o despertar do tempo
    e o amanhecer da vida.

    Ser Mineiro é ser religioso e conservador,
    é cultivar as letras e artes,
    é ser poeta e literato,
    é gostar de política e amar a liberdade,
    é viver nas montanhas,
    é ter vida interior,
    é ser gente.

    Carlos Drummond de Andrade

     

    Fui, deixando Gramsci e o meu abraço

    que diz , por premissa, que a nova literatura não pode deixar de ser histórica, política, popular: … deve tender a elaborar o que já existe, polemicamente ou de outra forma, não importa; o que importa é que mergulhe suas raízes no húmus da cultura popular tal como é, com os seus gostos, as suas tendências, etc., com o seu mundo moral e intelectual, ainda que seja atrasado e convencional

    [video:http://youtu.be/U2dH9sVYf9s width:600 height:450]

    Oh, Minas Gerais!
    Oh, Minas Gerais!
    Quem te conhece não esquece jamais
    Oh, Minas Gerais!

    Eu sai da minha terra
    Pra não voltar nunca mais
    Mas a saudade malvada
    Me fez voltar pra “trais”

    Recordando as lindas fontes
    Lá da casa dos meus pais
    Voltei pra Belo Horizonte
    Querida Minas Gerais

    Oh, Minas Gerais!
    Oh, Minas Gerais!
    Quem te conhece não esquece jamais
    Oh, Minas Gerais!

    O chão de Minas querida
    Tudo ali reproduz
    Onde o pão se multiplica
    Como nas mãos de Jesus

    Onde abriga toda gente
    Com os direitos iguais
    Oh! Terra de Tiradentes
    Querida Minas Gerais

    Oh, Minas Gerais!
    Oh, Minas Gerais!
    Quem te conhece não esquece jamais
    Oh, Minas Gerais!

    Ah! Minha terra querida
    Tua bandeira paterna
    Nunca será esquecida
    Dos homens que te governa

    Sem fronteira e sem medida
    Dos pampas aos seringais
    O Brasil é minha vida
    Meu berço Minas Gerais

    Oh, Minas Gerais!
    Oh, Minas Gerais!
    Quem te conhece não esquece jamais
    Oh, Minas Gerais!

    [video:http://youtu.be/NRzw6bYycJQ width:600 height:450]

    As imagens do interiorzão mineiro foram publicadas no site Cyber Polícia

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