Como vencer a deflação

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Martin Wolf, comentarista econômico do jornal britânico Financial Times, aponta neste artigo publicado pelo Valor Econômico algumas lições que as autoridades monetárias da Europa e do mundo deveriam tirar da experiência com o sistema de metas inflacionárias. São lições levantadas no recente Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Ironicamente, diz ele, o sucesso das políticas de metas de inflação revitalizou a estabilização macroeconômica keynesiana. A estabilidade da inflação ao longo da crise global parece ser um prêmio pela credibilidade das metas, o que dá aos formuladores de políticas públicas espaço para arriscar estratégias expansionistas em tempos de recessão.
Das conclusões do documento do FMI, ele destaca algumas que ficam aqui como sugestões para discussão. Que luzes elas podem trazer para o debate inflação x crescimento?

1. Para manter a credibilidade das metas, o mais importante não é acertar sempre. Erros podem ser inevitáveis, diz Wolf; o mais importante é que as pessoas continuem seguras de que os bancos centrais estão comprometidos com suas metas.

2. Alcançar as metas da inflação não basta para um banco central, no entanto. Pelo contrário, ressalta Wolf: “sua tarefa numa recessão profunda (…) é ter como objetivo alcançar os níveis mais elevados de atividade coerentes com uma inflação estável”. E prossegue: “O sucesso passado lhes concede não apenas a oportunidade como a obrigação de arriscar promover a expansão da demanda em períodos de contração. Observem, por favor, os que presidem o Banco Central Europeu (BCE): inflação baixa não é o suficiente.”

3. E mais: embora os bancos centrais devam manter as metas no centro de seus objetivos, diz ele, “é inegavelmente importante construir um sistema financeiro com maior capacidade de superação dos problemas, por meio de padrões de capital mais elevados e de agressivas políticas macroprudenciais.”

4. Enfim, conclui Wolf: “A experiência certamente indica que a política monetária não é tão eficaz, por si só, durante uma recessão. Ela precisa ser complementada pela rápida reconstrução do sistema financeiro, pela acelerada desalavancagem do setor privado e pela disposição de empregar as contas fiscais para respaldar a demanda, onde isso for viável.

 

 

 

 

 

Leia a íntegra do artigo a seguir:

 

Martin Wolf / Valor Econômico
 

Por que os países de alta renda não estão atolados na deflação? Este é o enigma atualmente e não a ausência da hiperinflação prevista erroneamente pelos histéricos. É estranho que a inflação tenha permanecido tão estável, apesar das enormes quebras da produção, em relação às tendências pré-crise e à prolongada alta taxa de desemprego. Compreender por que isso acontece é importante porque a resposta determina o curso de ação correto das políticas públicas.

Felizmente, a notícia é boa. A estabilidade da inflação parece ser um prêmio pela credibilidade da fixação das metas de inflação. Isso dá aos formuladores de políticas públicas espaço para arriscar estratégias expansionistas. Ironicamente o sucesso das metas de inflação revitalizou a estabilização macroeconômica keynesiana.

Um dos capítulos do mais recente Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI) apresenta a justificativa para essa conclusão estimulante, como já foi observado por Gavyn Davies e Paul Krugman, entre outros. Seu ponto de partida é a persistência da inflação, apesar do longo período de desemprego muito alto. Assim, afirma o FMI, “encontramos um cachorro que não latiu”.

Uma possível explicação para esse fenômeno é estrutural. Muitos argumentam, por exemplo, que os trabalhadores que perderam o emprego na construção civil e em outros ramos de atividade da era da bolha possuem as qualificações erradas ou estão no lugar errado para assumir os novos empregos que poderão ser oferecidos agora – ou em breve. Se o desemprego continuar alto por muito tempo, o que começou como um desemprego temporário tenderá a se tornar permanente, à medida que os trabalhadores perdem as habilidades e as redes que tornam relativamente fácil encontrar emprego. Assim, a duração da Grande Recessão situou o desemprego de longo prazo perto de níveis recorde. Tudo isso tende a enfraquecer a concorrência no mercado de trabalho.

Uma explicação alternativa é mais animadora. É o fato de que a definição de metas de inflação fixou as expectativas e o comportamento do mercado de trabalho. Além disso, essas metas estão próximas de zero. Sabemos que os trabalhadores resistem a cortes dos salários nominais. Isso continuou valendo no decurso da Grande Recessão; é, na verdade, um dos motivos pelos quais o ajuste na zona do euro é tão doloroso. Assim, também por essa razão, a inflação seria durável, pelo menos na trajetória descendente.

A análise preliminar dessas alternativas formuladas no capítulo chega a três conclusões principais. O fato é que “as expectativas estão fortemente fixadas nas metas de inflação dos bancos centrais, em vez de serem especialmente afetadas pelos níveis inflacionários atuais”. Em segundo lugar, a fixação da inflação prevista aumentou com o passar do tempo, enquanto o impacto da inflação atual sobre a inflação prevista diminuiu. Finalmente, a relação entre inflação e taxa atual de desemprego se distanciou correspondentemente. Ela se tornou quase inexistente após 1995, ano que assistiu a um longo período de estabilidade da inflação, correspondente às metas da inflação dos bancos centrais.

Um detalhado trabalho econométrico respalda essa análise preliminar, mas acrescenta duas novas questões. A mais importante é a de que existe um significativo desemprego cíclico no momento. A outra, menos importante, é a de que o impacto da inflação mundial sobre a inflação dos países individuais não mostrou nenhuma tendência clara.

Uma análise dos Estados Unidos revela a importância dessas mudanças: se a relação entre o ciclo e a inflação fosse, atualmente, a mesma que era na década de 1970, o nível de preços dos EUA já estaria caindo. Por sorte, isso não aconteceu; caso contrário, as taxas de juros reais estariam no momento fortemente positivas e a deflação no balanço das contas públicas seria muito mais ameaçadora para a estabilidade americana do que foi.

Um fator animador é que a experiência durante o período de surto de crescimento econômico que antecedeu à crise financeira sugere que a persistência da inflação não opera apenas em uma direção. A inflação permaneceu correspondente às metas na época também. Isso foi particularmente verdadeiro na Espanha e no Reino Unido.

A interessante conclusão final emerge do contraste entre o desempenho dos Estados Unidos e o da Alemanha na década de 1970, quando o Bundesbank consolidou sua reputação. A instituição não conquistou esse sucesso por nunca cometer erros, mas porque as pessoas acreditaram que ela faria o necessário para alcançar a meta. A meta da inflação podia, na verdade, ser flexível, desde que continuasse confiável.

Esse é um importante trabalho analítico com grandes implicações para a política pública. Em primeiro lugar, os erros ao estimar o grau de folga da economia, que são inevitáveis, podem não ser tão importantes, desde que as pessoas continuem seguras de que os bancos centrais estão comprometidos com suas metas. Esse é um dos grandes benefícios de uma estagnação da “curva de Phillips” (a relação entre desemprego cíclico e inflação).

 

Em segundo lugar, diante da incerteza quanto ao grau de folga e a ausência de reação da parte da inflação às enormes recessões, é imperativo que os bancos centrais não restrinjam o objetivo de alcançar as metas de inflação. Pelo contrário, sua tarefa numa recessão profunda e, em alguns países, infelizmente, em agravamento, é ter como objetivo alcançar os níveis mais elevados de atividade coerentes com uma inflação estável. O sucesso passado lhes concede não apenas a oportunidade como a obrigação de arriscar promover a expansão da demanda em períodos de contração. Observem, por favor, os que presidem o Banco Central Europeu (BCE): inflação baixa não é o suficiente.

Em terceiro lugar, embora os bancos centrais devam manter as metas de inflação no centro de seus objetivos, a experiência mostrou também que isso não é o suficiente. A ideia de que é mais fácil sanear após uma complicação financeira do que restringir uma bolha do crédito se mostrou errada. A única questão é como agir. É inegavelmente importante construir um sistema financeiro com maior capacidade de superação dos problemas, por meio de padrões de capital mais elevados e de agressivas políticas macroprudenciais.

Nada disso será fácil. Um dos capítulos do Relatório sobre Estabilidade Financeira Mundial apresenta, por exemplo, as potenciais desvantagens das políticas não convencionais que os bancos centrais foram levados a empregar quando as taxas de juros ficaram próximas de zero. Embora mudar as metas de inflação seja extremamente arriscado, o que aconteceu sugere que uma inflação um pouco maior poderia ter sido proveitosa. A experiência certamente indica que a política monetária não é tão eficaz, por si só, durante uma recessão.. Ela precisa ser complementada pela rápida reconstrução do sistema financeiro, pela acelerada desalavancagem do setor privado e pela disposição de empregar as contas fiscais para respaldar a demanda, onde isso for viável.

Mas, apesar de todo o excesso de autoconfiança do período pré-crise, é bom saber que seu sucesso inequívoco – o de consolidar as expectativas inflacionárias – deu aos formuladores de políticas públicas a necessária flexibilidade. Eles têm de fazer uso dela. (Tradução de Rachel Warszawski)

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do Financial Times.
 

Leia mais em:

http://www.valor.com.br/opiniao/3089614/como-vencer-deflacao#ixzz2QjBP1U3y

Ver original

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador