Cosac comunicou nesta segunda-feira, 30, sua decisão aos funcionários da empresa, após conversar com seu sócio, o empresário norte-americano Michael Naify, que apoiou sua iniciativa. Em situação deficitária pelo alto investimento que demandam seus projetos editoriais, alguns com produção gráfica sofisticada e sem garantia de retorno financeiro, a Cosac Naify tentou, segundo seu fundador, criar fórmulas que cobrissem os prejuízos dessas edições especiais, mas a situação do mercado não ajudou. “Somos uma editora cult, cujos livros são destinados a professores acadêmicos e estudantes de arte, e não gostaria de ver nossa linha editorial desvirtuada”, justificou.
Uma dessas fórmulas foi criar coleções de literatura com obras que estão em domínio público, como as de Tolstoi, até hoje um dos best-sellers da editora. “Mas não queria fazer o que outras editoras já fazem.” Seu interesse inicial, como um editor que estudou e coleciona obras de arte, era produzir monografias para divulgar a produção contemporânea brasileira, como a mais recente, dedicada à artista carioca Elizabeth Jobim, lançada há um mês, cuja produção foi pessoalmente cuidada pelo editor.
“Eu vejo a editora se descaracterizando, se afastando daquilo que fez dela tão querida, e prefiro encerrar as atividades a buscar uma solução que possa comprometer seu passado”, diz, referindo-se a uma possível fusão com grupos editoriais poderosos, como tem sido frequente no mercado. Como exemplo de uma coleção difícil de ser considerada por editoras mais comerciais, ele cita a dedicada ao crítico Mário Pedrosa, que só teve três volumes lançados dos sete planejados com a obra crítica e ensaística daquele que é considerado uma referência da arte brasileira.
Cosac lembra que teve dificuldades para manter outras coleções, como as de Murilo Mendes e Jorge de Lima. Para publicar títulos de difícil consumo, ele tentou investir ainda mais nos clássicos de literatura, lançando recentemente asNovelas Exemplares de Cervantes, obras que, a exemplo dessa, poderiam, eventualmente, permitir a publicação de outras, de interesse restrito. “Como disse, não criei a editora para recauchutar obras em domínio público”, observa. “Quero que ela termine como começou, não gostaria que ela entrasse em decadência.”
Desde os primeiros anos da Cosac Naify, o editor valorizava a reimpressão de obras que considerava de interesse acadêmico, mesmo sem retorno financeiro. Publicou, por exemplo, os principais títulos de Lévi-Strauss e do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, mantendo-os em catálogo. No momento em que declara o fechamento da editora, ele afirma que pretende “perpetuar” de forma generosa essa tradição. “Não podemos deixar que esse legado morra e, naturalmente, vamos fazer o possível para que esses livros sejam publicados por outras casas editoriais.” Será como uma contribuição pessoal sua. “Não vou tentar dizer que essas séries são minhas”, adverte. “Não estou vendendo aquilo que a gente construiu.”
Quando Cosac fala no plural, ele está se referindo aos editores e colaboradores que contribuíram para o êxito da editora, cujos autores aparecem sempre nas listas dos principais prêmios literários do Brasil, entre eles o São Paulo de Literatura, que premiou ontem como melhor romance de 2014 o livro de Estevão Azevedo, Tempo de Espalhar Pedras, desbancando autores veteranos como Chico Buarque (leia mais na página C7). “Esse esforço não morre com o fechamento da editora, que não consegue viver da literatura que publica, apesar dos nomes que estão em nosso catálogo, como Zambra, Tabucchi e tantos outros.” Há exceções que, chegam a ser considerados best-sellers diante do fraco desempenho dos títulos de arte e arquitetura no mercado, edições luxuosas dirigidas a estudantes ou especialistas. Dois autores dos quais a editora lançou quase toda a obra são o espanhol Vila-Matas e o português Valter Hugo Mãe, amigo pessoal do editor, ambos com público cativo no Brasil.
Cosac esclarece que pretende tratar cada caso individualmente ao encerrar as atividades da editora. “Cada livro é um livro e falaremos com cada autor”, adianta, valendo o mesmo para fornecedores e demais pessoas envolvidas no processo. A editora, que mantinha 110 pessoas em sua equipe no começo do ano, foi reduzida à metade com os cortes realizados por causa do ajuste à realidade do mercado. “Tínhamos uma estrutura caseira e a editora cresceu demais.” Ele diz que sempre deu liberdade aos editores, que não concordava com todos os títulos publicados, mas que incentiva projetos mesmo nesses casos. “Ela deixou essa estrutura caseira e se tornou acadêmica, sobretudo após a entrada do Augusto Massi, que criou escola.”
A editora não está em processo de falência, garante Cosac. “Do capital investido, cerca de R$ 70 milhões, nunca recebi um tostão de volta”, revela. Ao contrário. As perdas, diz, somam o dobro disso. “Mas não estou culpando ninguém, nem a Dilma nem a alta do dólar”, acrescenta. Apenas não se pode manter uma editora, segundo ele, vendendo meia dúzia de títulos como foi o caso da coleção de arte da Yale University, que lançou logo no início, quando não tinha experiência como editor, ou as edições experimentais, múltiplos de luxo numerados que não deram certo num país sem essa tradição.
“Para mim, o balanço foi positivo, pois conheci autores que não conhecia, publiquei outros que amava, como Goncharov, mas lamento não ter editado a obra de Bataille a Artaud.” Quem sabe alguém ainda o convença a fazer isso.
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Só me resta lamentar
Mais uma má noticia para se somar a muitas outras.
Falam, falam mas a cultura não interessa a grande parte da população independente do padrão de vida.
Nesta época natalina as pessoas oferecem um monte de bobagens, muitas delas caras, mas livros não.
Felizmente meus pais sempre me deram livros pelo Natal no aniversario, férias.
Imprensa não só vulgar como inculta
Olha, oceanos de luxuosidade fútil pra se criticar na sociedade brasileira e o Estadão adotou esse viés justamente pra falar da Cosac Naif. Como se arte fosse “frescura” de gente rica.
Não tem nada de luxo – no sentido da ostentação e da futilidade – no trabalho dessa editora.
Uma pena
O trabalho deles era realmente de ótima qualidade, mas por aqui não tem muita demanda. Infelizmente agora quem necessitar (universidades de qualidade, por exemplo), vai ter que recorrer a obras estrangeiras.
Indústria
A cultura forja miríades de forjas de resistência. Ela sobreviverá, como sobreviveu, ao longo do tempo. Não será o fim da ótima Cosac-Naif que irá precipitar o sempre temido (e temido talvez porque desejado) fim.
Assim como a luta pela emancipação do trabalho frente ao capital não termina – como não terminou – com as interessadas interpretações sobre desmanche de muros e fim de história. O processo molda o homem para as novas lutas.
O (raro) empresário Charles pretendeu o belo, e o belo se insinuou em vários de seus produtos. Cultura e indústria cultural são, entretanto, irremediavelmente antitéticas.
O primeiro livro que comprei da Cosac foi uma antologia da poeta Orides Fontela.
Peço licença para reproduzir um de seus poemas. Fica como registro e agradecimento à Cosac, pelo que fez e pelo que ousou pensar em fazer.
Teia
A teia, não
Mágica
Mas arma, armadilha
a teia, não
morta
mas sensitiva, vivente
a teia, não
arte
mas trabalho, tensa
a teia, não
virgem
mas intensamente
prenhe:
no
centro
a aranha espera.
Grande pena. A melhor editora
Grande pena. A melhor editora brasileira, pelo apuro gráfico e qualidade das obras publicadas. E ainda dava 40% de desconto pra professores, e fazia muitas promoções. O lance agora é aproveitar as últimas.
crownfunding
usando um anglicismo pra nossa querida vaquinha, essa poderia ser uma alternativa à editora ainda ficar em atividade.
Ao invés de produzir pra depois vender, faria a vaquinha pra vender e depois produzir, praticamente zerando os riscos empresariais – não alcançou o objetivo, devolve o dinheiro e tenta outro livro.