Os gurus da administração e a incapacidade de formular novos pensamentos

O teórico em administração C.K. Prahalad
 
Jornal GGN – Os gurus da administração não apresentam, já há algum tempo, propostas capazes de reformular os pensamentos que norteiam os jogos competitivos entre empresas, desde o início dos anos 2000. O artigo a seguir, do The Economist, traduzido pelo Estadão, sugere que o grande problema é que os grandes pensadores da administração chegaram ao fim de “um longo ciclo de criatividade”, baseado em duas importantes forças econômicas: o crescimento do mundo emergente e a revolução digital. Justamente a intensidade das mudanças digitais desafia os gurus hoje a apresentarem inovações no campo da administração. 
 
Os saltos empresariais mais recentes estão ocorrendo por trabalhos de especialistas em análise de “big date”, termo usado para grandes volumes de dados e informações produzidos em cada nicho competitivo. Ainda assim, há muito a ser explorado em termos de novas teorias para a administração, tendo em vista que, primeiro, as publicações mais recentes no setor ainda reformulam ideias já apresentadas nas décadas passadas e, segundo, ainda não surgiram gurus chineses da administração, talvez capazes de desafiar o establishment dos indianos, principais gurus da administração atual. 
 
 
Estadão
 
The Economist
 
O crepúsculo dos gurus
 
O que explica letargia de uma área que procura eliminar a letargia?
 
Hoje tornou-­se um hábito os gurus da administração pregarem que a competição está mais acirrada do que nunca. Rita McGrath, da Columbia Business School, referiu­se ao que chamou de O fim da vantagem competitiva. Richard D’Aveni, da Tuck School of Business, abordou a hiper competição em seu livro. Ram Charan, consultor e especialista em administração, elogia The Attacker’s Advantage (A vantagem de quem ataca).
 
Mas a indústria dos gurus da administração em si parece extraordinariamente estável. A vantagem competitiva mantém­se surpreendentemente resistente, a competição está longe do “frenesi” e o defensor está no controle da situação. Os dois últimos rankings do “Thinkers50” listando os mais importantes gurus da administração do mundo, publicados em 2011 e 2013, não sofreram nenhuma alteração dos nomes no topo, com Clay Christensen, da Harvard Business School, e a dupla Chan Kin e Renée Mauborgne, do INSEAD, em primeiro e segundo lugar, respectivamente. Dois dos mais renomados livros dos últimos meses vêm sendo repisados: a edição de décimo aniversário de A estratégia do Oceano Azul, de Chan Kin e Renée Mauborgne, e a edição de 20º aniversário de Economia digital, de Don Tapscott. Distantes estão os anos gloriosos das décadas de 80 e 90, quando Em busca da Excelência, de Tom Peters e Robert Waterman, teve três milhões de exemplares vendidos nos primeiros quatro anos e Reengenharia ­ Revolucionando a Empresa, de James Champy e Michael Hammer, desencadeou um frenesi de reengenharia global.
 
O que explica esta letargia de um setor que supostamente procura arrasar a letargia? O principal problema é que o trabalho do guru chega ao fim de um longo ciclo de criatividade. Nas duas últimas décadas ele foi impelido por duas mudanças sísmicas no âmbito da economia ­ o crescimento do mundo emergente e a revolução digital. A primeira mudança provocou a ascensão de um grupo notável de teóricos da administração indianos, especialmente C.K. Prahalad (que morreu em 2010). Esses teóricos se concentraram em temas como o poder de compra dos consumidores em países em desenvolvimento, as virtudes dos produtos frugais e as dificuldades para realizar negócios em locais com péssima infraestrutura e instituições frágeis. Muitas faculdades de administração têm chefes de departamento de origem indiana, como Harvard e as universidades Cornell e de Chicago. A revolução digital deu nascimento a uma nova classe de gurus digitais, como Tapscott. E novo conceito de Clay Christensen da inovação disruptiva (que sustenta que os inovadores mais bem sucedidos criam novos mercados e tornam muitas empresas estabelecidas irrelevantes) transformou­o no mais influente guru da administração do mundo.
 
Mas o ciclo se exauriu. Prahalad publicou seu artigo seminal sobre A riqueza na base da pirâmide em 2002 e o livro com o mesmo título em 2004. Christensen publicou seu primeiro artigo sobre tecnologia disruptiva em 1995 e seu livro sobre o “The Innovator’s Dilemma” (O dilema do inovador) em 1997.
 
A nova edição do livro de Tapscott nos lembra que as pessoas também estão lutando com a revolução digital desde os anos 90. Ironicamente, a revolução digital tem tornado mais difícil o surgimento de novos gurus. Muitas das maiores mudanças empresariais nos dias atuais são impulsionadas pelos “quants” (especialistas em análise quantitativa) que são brilhantes em encontrar significado nos “big data” (grandes volumes de dados e informações ou em produzir algoritmos que podem automatizar grandes volumes de trabalho, mas não são tão bons em transformar números em palavras ou ideias sobre o que os “big data” e a automação representam para setores além dos seus próprios. A área da teoria da administração tem produzido muitos “mini­gurus” especializados em setores ou técnicas  especializadas, como Philip Evans no caso dos “big data” ou Jim Whitehurst no campo da administração colaborativa (open­source). Mas poucos destes novos gurus exploram tantos setores como Tom Peters, sem falar em séculos e múltiplas disciplinas intelectuais como o falecido Peter Drucker.
 
Talvez o maior inimigo da renovação de gurus seja o desenvolvimento de um setor de liderança de pensamento. O que vem sendo vendido para as empresas é a noção de que se ela se dedicar a pensar e conceber conceitos inovadores em algum assunto que afete o seu setor isso dará a elas uma vantagem competitiva. Empresas industriais e de tecnologia, como Siemens e IBM, vêm batalhando com os
propagadores mais reconhecidos das teorias do pensamento administrativo como McKinsey e Bain. Como explicou a Whitespace Consultants, empresa de menor porte, a liderança do pensamento vai torná­lo “parte da conversa logo no início do processo de decisão de compra”. Numa recente ação por discriminação sexual impetrada, sem sucesso, por Ellen Pao contra a empresa de capital de risco Kleiner Perkins, ficou visível que uma das razões pelas quais ela não foi promovida foi o fato de não se enquadrar na liderança do pensamento.
 
Mas a busca da liderança do pensamento também vai encorajar os imitadores. À medida que as empresas lutam para se tornar líderes do pensamento, provavelmente acabarão reformulando ideias existentes em vez de partir em busca de novas. Quando as companhias tratam o pensamento como “conteúdo” e mobilizam suas equipes de relações públicas e marketing para produzi­lo, o que teremos como resultado provavelmente será o lugar­comum ou uma linguagem incompreensível. 
 
Ampliando as ideias em Mountain View e Massachusetts. Há sinais de uma nova safra de gurus que vai investir nessas tendências e reviver seu setor estagnado? Há alguns indicativos que podem nos dar esperança no Vale do Silício e no MIT ­ Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Alguns dos mais bem sucedidos empreendedores do Vale, como Reid Hoffman (LinkedIn) e Peter Thiel (Pay Pal), vêm ampliando suas ideias para confrontar todos os tipos de desafios, desde o envelhecimento até a gestão de talentos. The Second Machine Age (A segunda era das máquinas), de Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson, da Sloan School do MIT, é uma admirável tentativa de confrontar as grandes mudanças no campo da administração provocadas pelas máquinas autônomas. 
 
Mas, considerando os recursos consagrados às novas ideias de administração, é notável o quanto de território virgem ainda existe. Não temos ainda gurus da administração chineses para desafiar a liderança do establishment indiano que vem envelhecendo. Não existem ainda livros sérios sobre o que a economia da Internet representa para as fronteiras de uma empresa ou os mercados de talentos. A indústria de gurus parece madura para uma inovação disruptiva.
 
© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR TEREZINHA MARTINO, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM The Economist
Redação

1 Comentário

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  1. Uma pequena correção.

    “Os saltos empresariais mais recentes estão ocorrendo por trabalhos de especialistas em análise de “big date”, termo usado para grandes volumes de dados e informações produzidos em cada nicho competitivo.”

    O nome do termo é “big data” e não “big date”.

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