A atual posição do The Intercept sobre Trump, por Rogério Mattos

A atual posição do The Intercept sobre Trump, por Rogério Mattos

Não é de hoje que o portal The Intercept, apesar de adotar uma linha de radical oposição ao governo de Donald Trump, consegue se posicionar lucidamente a respeito das insanidades que a mídia americana e os neocons cometem não contra Trump, mas contra seu país. Que o recente posicionamento editorial do portal sirva não para se “pegar leve” com Trump, mas para aprimorar nosso senso crítico e ver o conjunto mais amplo dos graves dilemas existenciais pelos quais passa o mundo atualmente.

Não é de hoje que o portal The Intercept, apesar de adotar uma linha de radical oposição ao governo de Donald Trump, consegue se posicionar lucidamente a respeito das insanidades que a mídia americana e os neocons cometem não contra Trump, mas contra seu país. Gleen Greenwald, desde que Trump assumiu e junto com ele veio o escândalo do “Russiangate” e as especulações a respeito das “fake news”, se colocou frontalmente quanto às insinuações de Trump seria um “agente russo na Casa Branca” e que o vazamento para a Wikileaks da sabotagem de Hillary Clinton para retirar Bernie Sanders da disputa interna de seu partido não era um ato de hackers russos que estariam procurando influir nas eleições estadunidenses.

O posicionamento de Gleen se junta, por exemplo, ao do professor emérito de Princeton e da Universidade de Nova Iorque, Stephen Cohen, especialista em Rússia e historicamente alinhado aos democratas. À revelia de qualquer sentimento pessoal, passando mesmo por cima de escrúpulos menores, a tentativa de aprofundar a Nova Guerra Fria não deve ser aceita sob o manto do ataque ao autocratismo de Trump. Não se louvam as virtudes pessoais deste presidente, porém seu posicionamento de aproximação com a Rússia e a intenção antiga de retirar as tropas do Oriente Médio, é um ponto mínimo de consenso que qualquer pessoa preocupada com a segurança planetária deveria considerar.

Cohen escreve semanalmente para o The Nation, publicação, como a The Intercept, declaradamente pró-democratas e anti-Trump (sua esposa é uma das editoras da revista), e tem um podcast há quase cinco anos (desde o golpe de Estado na Ucrânia) com John Batchelor, chamado “Tales of the New Cold War”. Sua iniciativa para uma política de détente entre Rússia e EUA se encontra no site http://www.eastwestaccord.com, que poderia ser muito mais conhecido do público brasileiro.

Também nos EUA, Lyndon LaRouche, mais conhecido e admirado na Rússia do que nos EUA em boa parte por causa de sua militância durante a Guerra Fria, se posicionou durante as primárias de maneira extremamente dura contra Donald Trump. Quando a eleição se configurou entre Hillary e ele, o posicionamento de seu Comitê de Ação Política passou de um estado de neutralidade para um apoio quase formal a Trump, tendo em vista também a política externa e breves esperanças numa possível política de reindustrialização nos EUA. Hoje, na Executive Intelligence Review, os artigos de Barbara Boyd demonstram claramente que não houve “conluio” entre russos e americanos, mas entre estes e os britânicos. É a continuação da política de “relações especiais” entre EUA e o Reino Unido, inaugurado por Truman e Churchill após o famoso discurso da “cortina de ferro”. Foi tal acordo que possibilitou, com a morte de Roosevelt, o recrudescimento da Guerra Fria. Os artigos de Boyd, como mencionado, servem, entre outras consequências, para dar nome aos bois da política externa transatlântica, da atuação dos serviços de inteligência, e não se entrar nas especulações genéricas a respeito da existência de um “deep State”.

A continuidade agora das “relações especiais” (que também tem implicações econômicas passadas e presentes e que não mencionarei aqui) é o que permite a proliferação das calúnias do Russiangate e a tentativa de recrudescimento da presença da OTAN no Oriente Médio e no leste europeu em claras provocações contra os russos. O professor acima mencionado, Stephen Cohen, denomina o momento atual, iniciado com Obama e a Ucrânia, como uma “Crise dos Mísseis invertida”!

No dia 22 de janeiro, a The Intercept publicou um vídeo onde reitera seu posicionamento anti-Trump, porém pede para que as pessoas considerem que, sem ele, talvez não haja no horizonte mais próximo solução para a política de guerras infinitas dos EUA. O título do vídeo é o seguinte: “Donald Trump é um mentiroso – mas talvez ele possa representar o fim das guerras eternas dos EUA”.

Acredito que é um posicionamento importante para ser analisado por nós brasileiros. Temos simpatia pelo The Intercept, por Gleen Greewald, sabemos que não são de orientação política nem um pouco reacionária, e que prestam bons serviços para o Brasil com seu portal em português. É uma das pouquíssimas mídias estrangeiras minimamente dignas, em meio a tantos El Pais, Sputnik, e que tais, fora os demais órgãos conservadores da Inglaterra e dos Estados Unidos que são referenciados como fonte de credibilidade. É complicado criticar a Globo e o bispo Macedo e repercutir acriticamente a The Economist ou o The New York Times…

Apesar da ausência de legendas em português, coloco aqui o vídeo do portal. Que isso não sirva para “se pegar mais leve” com Trump, mas fundamentalmente para se ver o quadro mais abrangente da crítica crise financeira do falido sistema transatlântico e as pungentes ameaças de guerra termonuclear que sofremos de maneira ainda mais aguda desde a “revolução colorida” na Ucrânia. Analisar sem a histeria insuflada pela mídia golpista internacional o governo de Trump, serve para aprimorar o senso crítico e ver o conjunto mais amplo dos graves dilemas existenciais pelos quais passa o mundo atualmente.

https://www.youtube.com/watch?v=vg3bbk0VUdg align:center

Rogério Mattos: Professor e tradutor da revista Executive Intelligence Review. Formado em História (UERJ) e doutorando em Literatura Comparada (UFF). Mantém o site http://www.oabertinho.com.br, onde publica alguns de seus escritos.

Redação

2 Comentários

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  1. Delírio e lucidez simultâneos dos americanos

    Os americanos estavam delirantes quando votaram no neofascista Trump, xenófobo, racista, demagogo, mentiroso, narcisista e desleal.

    Os americanos estavam lúcidos quando deixaram de votar em Clinton que, com o apoio do establishment neoliberal, estava levando o mundo a um conflito nuclear, ao cercar e provocar a Rússia, que, por conta de sua trágica história, tem pavor de ser invadida/atacada.

    O mundo está esquizofrêncio, mas talvez o recuo “pacifista” de Trump seja por conta do pavor que os neofascistas tenham do globalismo, ou seja, da globalização, processo que Clinton e a UE pretendiam aprofundar, em aliança comercial com a China.

    Que ironia, o nacionalismo fanático dos trumpistas (que acham que a globalização/globalismo é obra do marxismo cultural) pode ter nos salvo de uma 3a guerra mundial, por enquanto. Mas ainda são fanáticos fascistóides, que podem cometer atrocidades como, p ex, um ataque ao Irã, que também teria possibilidade de desencadear a 3a guerra.

  2. Far-left baiting in Physics too!

    (Tou considerando seriamente comentar so em ingles daqui pra frente, tenho dificuldade terrivel de escrever no tab e eh burrice pois posso ditar em ingles sem ter que escrever

    https://m.youtube.com/watch?t=1221s&v=sOCIke7zLMo

     He’s in danger of being fired because of his far left baiting.   I won’t say a single word in his defense:  it is IMPOSSIBLE that he would use the words “gender ideology”  without knowing that it’s a conspiracy theory from the Catholic Church.  It is IMPOSSIBLE  that he wouldn’t know the damage it’s doing to people in Catholic countries.

    Impossible.

    Trump reaped what he sowed.  He deserves it.  Karma…

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