Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

A cultura geek nas animações “Hora de Aventura” e “Apenas um Show”

O non sense, surrealismo e o humor muitas vezes sombrio das animações “Hora de Aventura” e “Apenas um Show” (sugeridas pelo nosso leitor Paulo Massa) causam estranheza nos adultos, embora as crianças as compreendam muito bem. Essas animações são produtos culturais criados por representantes de uma geração que cresceu vendo “Os Simpsons” e jogando “Dungeons and Dragons”. Seus criadores Pedleton Ward e J.G. Quintel são os mais acabados representantes de uma cultura geek que conseguiu mesclar a tecnociência com o misticismo e magia – o “tecnognosticismo”. Por isso conseguem dialogar com uma geração de crianças cuja sensibilidade se altera com o entretenimento em plataformas móveis como Ipods, tablets e celulares.

Hits do canal Cartoon Network, as animações “Hora de Aventura” (Adventure Time) e “Apenas um Show” (Regular Show) podem ser considerados produtos culturais criados por uma geração que cresceu vendo “Os Simpsons”, jogando o RPG e game de computador Dungeons and Dragons. E quem afirma isso são os seus próprios idealizadores, respectivamente Pedleton Ward e J.G. Quintel.

São típicos produtos de uma cultura geek que cresceu em contato com tecnologias de convergência e interfaces digitais e muita navegação em ambientes fragmentados por hipertextos. Acostumados que estamos com narrativas tradicionais em três atos, com muitas gags visuais, correria e perseguições ao melhor estilo slapstick dos desenhos animados tradicionais, assistir a esses novos produtos é uma experiência de estranhamento pelo total surrealismo e non sense.

Mas parece terem muito mais do que isso: pela intensa utilização de simbolismos mágicos e fantásticos, há uma desconstrução da realidade (no sentido do espaço-tempo newtoniano tradicional) para a narrativa subitamente se expandir para outras dimensões, mundos paralelos ou delírios onde realidade e fantasia se confundem.

Se para um adulto essa nova geração de animações causam estranhamento e muitas vezes até paranoia (alguns vão até tentar procurar mensagens subliminares que estariam destruindo a infância), ao contrário, as crianças parecem adorar. Sua sensibilidade mudou, graças ao contato crescente com as novas plataformas móveis de entretenimento – Ipods, Celulares etc.

Numa visão mais profunda desse fenômeno (como apontamos em postagem anterior sobre o o programa infantil da BBC “Mister Maker – veja links abaixo) essas novas tecnologias não são apenas mídias no sentido tradicional: elas alteram a percepção e a visão de mundo. Elas são tecnognósticas, como apontado por pesquisadores como o norte-americano Theodor Roszak.

Mas antes de desenvolvermos esse tema, vamos ver algumas características dessas novas animações.

Hora de Aventura      

Os episódios ocorrem na terra de Oooo, um mundo supostamente pós-apocalíptico (isso não fica evidente de início, apenas pistas são lançadas a cada episódio) resultante de uma guerra chamada de “A Grande Guerra dos Cogumelos”. É possível ver nos cenários vários restos tecnológicos da nossa era e bombas nucleares não detonadas enterradas no chão. Inclusive em um dos episódios o planeta Terra é visto faltando um grande pedaço, mais uma evidência dos resultados dessa guerra apocalíptica – veja vídeo abaixo.

         Finn é um menino que parece ser o único humano que restou. Os outros personagens como seu companheiro Jake (um cão com poderes mágicos) são mutantes ou foram humanos no passado como Merceline (uma vampira) e o Rei Gelado (ele possui uma coroa que o deixa imortal, mas apagou sua memória e sanidade – ele tem mais de mil anos). Além de uma grande galeria de monstros, demônios, gigantes, homens de neve, fantasmas e até outras dimensões ou reinos, tudo decorrente de mutações pós-catástrofe nuclear.

           

 Marceline é a única personagem que lembra de toda a transformação sofrida pela Terra. No episódio “A Grande Guerra dos Cogumelos” (uma clara alusão aos “cogumelos nucleares”), o único episódio mais ousado e didático para a compreensão de tudo o que aconteceu. Vemos Marceline, então com 7 anos,  em uma cidade devastada na qual se esconde mutantes asquerosos que lembram o clima apocalíptico da série “Walking Dead”

                O misticismo dá o tom da série com muitos reis, rainhas, duques e condes (alguns sem reino para comandar) e referências a mitologias antigas. O pano de fundo da série é surpreendentemente sombrio e melancólico para uma série infantil, mas os temas dominantes das narrativas giram em torno de amores não correspondidos, solidão, ciúmes e companheirismo.

Apenas um show

Dois jardineiros trabalham na manutenção de um parque público, Mordecai (um gaio-azul) e Rigby (um guaxinim e melhor amigo de Mordecai) causam constantes destruições e mal entendidos. Eles buscam apenas diversão e tentam sempre burlar as responsabilidades do trabalho, para a fúria de Benson (gerente do parque que é uma máquina de chiclete viva!). Os amigos e trabalhadores do parque impressionam pela variedade surreal: Saltitão (um Yeti a quem foi concedido a imortalidade se em todo aniversário fizer uma danças cerimonial), Musculoso (obeso e anão, com pele verde e se assemelhando a um pequeno Frankenstein), Fantasmão (um fantasma com uma mão em sua cabeça – tem um irmão que tem o poder de transformar pessoas em fantasmas) entre outros personagens dessa inacreditável galeria.

A principal característica é que os episódios têm humor, sempre iniciando com uma história banal e, lentamente, as coisas começam a perder o controle, passando para o plano surreal, delirante, mágico ou fantástico.

A cultura geek e tecnognóstica

         A palavra geek originalmente é usada para designar pessoas estranhas ou que não pertençam a um mainstream. Mas as diferentes conotações atuais falam de uma pessoa expert ou entusiasta em um hobby ou área especializada. Seriam pessoas obcecadas por tecnologia, eletrônica e games de computadores. São técnicos autodidatas, unindo a paixão com a tecnologia.

         Mas o que tornaria essa cultura geek atual tão específica, diferente de outras épocas onde a paixão pela tecnologia e ciência produziu animações como “Os Jetsons”, “Os Herculóides” ou “Space Ghost”, frutos de uma geração envolvida com a chegada do homem na Lua, o imaginário da NASA e da corrida espacial?

          O pesquisador norte-americano Theodor Roszak nos fornece uma pista no seu artigo From Satori To Silicon Valley: as novas tecnologias computacionais produziram uma cultura tecnófila que trás em seu núcleo um desejo místico e gnóstico de imortalidade – transcender a carne que seria “o emocional subtexto à cada eufórica resposta ao lançamento de um novo gadget computadorizado ou o lançamento de um novo web site de frivolidades”. Citando o inventor do conceito de realidade virtual, Jaron Lanier, Roszak diz:

Lanier acredita no surgimento de uma nova categoria psicológica que chamamos de “nerdice”. Intelectualmente, o nerd é aquele que procura maneiras de digitalizar todas as distinções entre qualidades, sentidos, e afetos. Emocionalmente, o nerd é entregue a uma sensibilidade alienígena que quer proteção da intimidade humana e contato físico. Por que alguém tem um desejo tão insistente por apagar a barreira entre o humano e o mecânico, mesmo em sua própria personalidade? Porque uma vez que acreditarmos que podemos superar essa barreira, estaremos para além da morte. Máquinas não morrem” (ROSZAK, Theodore. From Satori to Silicon Valley – Nerds, Zombies and the flight from mortality disponível em http://www-sul.stanford.edu/mac/primary/docs/satori/nerds.html.

 
 
 
 
Essa é a essência do encontro entre tecnociência e misticismo: o tecnognosticismo. Se as tecnologias “analógicas” do passado eram voltadas ao espaço exterior (o espaço sideral, planetas etc), as digitais parecem voltar-se para o espaço interior através da relação lúdica, mística e mágica com a tecnologia por meio da virtualização do real e, secretamente, do próprio psiquismo por meio de uma fusão cognitiva (no futuro será neuronal) com as redes de informações.
 
>>>>>>>>>>>>>>> Leia mais>>>>>>>
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Nuss

    Cara escuta, não sei se você postou como um sinal de perigo ou algo assim, mais cara você sabe oque é geek? geek é tecnologia e etc, bomba nuclear é eu sei que tem aver com tecnologia, mais tecnologia e um perigo? claro que faz mal pra saúde ficar muito tempo mais cara você ta com um pc e escreveu isso e oque que tem desenhar coisas geek?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador