A decisão de Fachin sobre Lula no Jornal Nacional, por Eliara Santana

Os dois apresentadores estavam num tom bastante sóbrio, sem qualquer exaltação na leitura das notas, sem impostação de voz, sem “sangue nos olhos”, sem ar punitivo.

A decisão de Fachin sobre Lula no Jornal Nacional, por Eliara Santana

BOLETIM DO JN – 8/3

Em 25 minutos de matérias no primeiro bloco, o JN trouxe todos os detalhes da decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula na Lava Jato de Curitiba, levando os processos para a justiça de Brasília. Com isso, o ex-presidente se torna elegível. Quem esperava emoção se decepcionou, certamente, porque a edição foi a mais técnica possível, diria até serena.

O assunto foi o primeiro da escalada de manchetes, na abertura do jornal. Destacando inclusive que o ex-presidente se torna elegível novamente.

Os dois apresentadores estavam num tom bastante sóbrio, sem qualquer exaltação na leitura das notas, sem impostação de voz, sem “sangue nos olhos”, sem ar punitivo. 

A reportagem começou informando que a decisão individual do ministro foi tomada a partir de um pedido da defesa de Lula e que ela anulou as quatro condenações contra o ex-presidente em Curitiba, que concentra as investigações de casos envolvendo a corrupção da Petrobras. Prosseguindo, informou que a primeira condenação era por causa do triplex do Guarujá, em julho de 2017, em que Moro condenou Lula a 9 anos e meio de prisão, e explicou que segundo a sentença, a OAS pagou propina a Lula pela reforma do triplex. E a empreiteira teria sido favorecida em contratos. A denúncia de corrupção foi confirmada, e por isso Lula foi preso.

Em seguida, o processo por causa do sitio de Atibaia – muitas imagens aéreas do sítio e a informação de que Lula foram feitas reformas no sítio onde ele ficava nos fins de semana.

Depois de mostrar as acusações, a reportagem então destacou a decisão do ministro Fachin, com muitos detalhes técnicos. As reportagens todas foram absolutamente técnicas, parecendo fazer um falso coro à fala final do ministro na sentença: “a Justiça tem de ser imparcial e apartidária”. Esse foi o tom, como se os processos que envolvem Lula fossem apartidários, apolíticos e apenas técnicos.

E assim prosseguiu a primeira reportagem, dando amplo espaço para reprodução de trechos da decisão de Fachin. Muitos destaques, com a leitura dos trechos, tudo bastante técnico, limpando qualquer conotação política ou partidária. Segundo mostrou a reportagem, Fachin fez um “histórico” de julgamentos de outras investigações que foram transferidas de Curitiba para outros estados (em 2018, por exemplo, com a refinaria Abreu e Lima, que foi pra Pernambuco, ou sobre a Transpetro, levada para a vara de Brasilia) para mostrar que a decisão de agora é pertinente porque não poderia o processo ser desenrolado em Curitiba porque envolvia outros órgãos federais e que, nesses casos, a “justiça deve ser imparcial e apartidária” – a edição do JN seguiu esse mantra, com um conjunto sem fim de tecnicalidades – leitura seca de trechos da decisão do ministro. Fez-se ainda menção ao julgamento envolvendo o chamado “quadrilhão do PP”, que absolveu o presidente da Câmara, Artur Lira.

As referências a Moro são bastante breves, e ele não aparece comentando ou se manifestando por redes sociais. Quem aparece e ganha certo destaque é Dallagnol, mas a fala dele é burocrática, sem qualquer questionamento à decisão de Fachin ou outro embate. Apenas dizendo que a justiça “precisa de aperfeiçoamento”.  Tudo muito dosado, muito equilibrado e pensado.

Nota seca também foi a divulgada pelos procuradores da Lava Jato de Curitiba. Protocolar.

E o fato de que a decisão beneficia Sergio Moro não foi nem tangenciado. O assunto foi abordado num outro viés por um professor de direito que mencionou, protocolarmente, que a tese da suspeição de Moro não faz mais sentido uma vez que a decisão favorece Lula e foi retirado o processo de Curitiba. Nada mais foi especulado.

Bonner retorna para anunciar – num tom sóbrio – que um dos primeiros “efeitos práticos” da decisão de Fachin é que “o ex-presidente Lula volta a poder se candidatar a qualquer cargo político”. E então a reportagem mostra que a Lei da Ficha Limpa é clara ao proibir candidaturas de políticos condenados por órgãos colegiados e que essa era a situação de Lula em 2018 – ou seja, era um julgamento normal e condenação normal àquela época. Mas agora Lula está elegível desde já, e a reportagem ouviu então especialistas do direito (desconhecidos) para dizerem que o juiz de Brasília pode resolver usar as provas e que o novo processo pode não ser tão demorado.

As fontes ouvidas não têm nenhuma expressão – grandes desconhecidos com falas burocráticas. Um deles, que comentou que não cabe indenização a Lula porque a condenação havia sido aceita pelo STF, até gaguejou para conseguir falar. Ou seja, fontes inexpressivas escolhidas a dedo.

Espaço também para as manifestações de políticos – o assunto dominou o meio político, anunciou Renata super sóbria. E então, políticos de vários espectros apareceram falando por meio de redes sociais. Até a deputada Gleisi Hoffman, presidente do PT, teve espaço para  falar sobre a recuperação dos direitos do ex-presidente. Tudo muito “imparcial e apartidário”.

Muito destaque, com vários trechos lidos, da nota divulgada pela defesa de Lula afirmando que sempre estiveram corretos em considerar a incompetência da Vara de Curitiba para o julgamento e que a decisão de Fachin não repara danos causados ao ex-presidente. Trechos importantes foram destacados (eu já tinha lido a nota, portanto, foi um bom espaço de reprodução).

Destaque também para a nota do Instituto Lula – que acusou Moro e ressaltou a injustiça cometida não apenas contra Lula e o próprio Instituto, mas contra o país.          

Não houve nas reportagens imagens desabonadoras em nenhum momento – nada de fundo vermelho com cano carcomido, nem cenas ruins de Lula. Imagens normais, corriqueiras, de vários momentos de Lula, e imagens até certo ponto positivas. As cenas da prisão foram brevemente mostradas.

Para encerrar as reportagens sobre a decisão de Fachin, o velho binômio orientador de muitas decisões: Bolsa cai e dólar sobe. Só a projeção na tela dos números, e a menção rápida ao episódio.

Foi uma edição estranhamente sóbria, ponderada, sem vermelhos, sem canos… considerando-se os precedentes, uma edição estranha que mostrou um bom “casamento” com a fala proferida por Fachin na decisão: justiça deve ser “imparcial e apartidária”. Os desmandos da Lava Jato, os áudios vazados, toda a tramoia dos procuradores, nada disso foi sequer mencionado. Tudo era normal e estava normal. 

Os movimentos estão começando, e a decisão coloca um novo cenário para 2022. E o JN é um ator que precisa e deve ser observado em seus movimentos. Aguardemos, portanto.

Redação

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