A Folha e a ideologia do fracasso, por Celso Vicenzi

Enviado por Vânia

Do Observatório da Imprensa

A ideologia do fracasso

Celso Vicenzi

Manchete da Folha de S.Paulo de domingo (29/6), após a vitória brasileira nos pênaltis contra o Chile: “Júlio César e trave salvam Brasil de vexame em casa”.

Há muito tempo – mas cada vez mais – os maiores veículos de comunicação do país têm feito escolhas editoriais que procuram menosprezar os avanços sociais e criar um sentimento de derrota, em todas as áreas. Tentaram de tudo para transformar a Copa do Mundo num pesadelo nacional e não pouparam más notícias. Algumas catastróficas (caos aéreo, imobilidade urbana, violência etc.).

A Copa não foi um primor de organização, mas está longe de comprometer o espetáculo. Pelo contrário: os estádios estão cheios, os turistas e torcedores – exceções à parte – só têm elogios para o clima de alegria e fraternidade. Os imprevistos são aqueles comuns a qualquer grande evento em qualquer lugar do mundo. Os gastos com estádios, que pareciam fora da realidade, revelaram-se bem menos exorbitantes do que a imprensa tentou incutir entre os brasileiros. Segundo a própria Folha, o equivalente a uma semana do que se investe em educação no país. E parte do dinheiro investido é empréstimo e retornará aos cofres públicos.

Quase nenhuma reportagem abordou as vantagens de sediar a Copa, os empregos gerados, os investimentos realizados na infraestrutura, que irão permanecer. E mais do que tudo: quanto vale uma imagem positiva do país, como esta que parece que os turistas e as seleções que aqui estiveram estão levando a seus países? Quanto vale ser o centro da atenção do mundo por 30 dias? Quanto vale mexer com a autoestima de um país? E, aqui, não me refiro ao desempenho da seleção, mas à alegria de receber elogios à nossa hospitalidade, às belezas do país, às virtudes de nosso povo.

Resquícios de uma nação colonizada

Vale muito. E é por isso que a Folha – aqui apenas como exemplo, pois representa o pensamento de boa parte da nossa mídia – exagera e tenta criar na população brasileira, em contraponto à autoestima que vive neste momento, um clima de menosprezo ao seu país.

Perder um jogo, ainda mais em Copa do Mundo, desde que não seja por um placar elástico, nunca foi nem nunca será um vexame. Temos a mania de achar que, sobretudo no futebol, qualquer adversário é fácil de ser batido. Mais do que isso: não basta vencer, é preciso dar show, é preciso dar olé. Nas derrotas, dificilmente o brasileiro reconhece as qualidades do time adversário, preferindo encontrar culpados: o treinador, o goleiro, um ou mais jogadores.

Nesta Copa, o último campeão – a Espanha – não passou da primeira fase e foi fragorosamente derrotado por 5 a 1 na estreia. Depois de vencer a Copa de 1998, no mundial seguinte, a França também não passou da primeira fase, perdendo dois jogos e empatando um. Saiu do mundial sem ter feito um único gol. Imaginem se fosse o Brasil! A seleção brasileira não tem a obrigação de vencer a Copa porque joga em casa. É apenas um dos favoritos. Das 19 Copas já realizadas, em apenas seis o campeão foi o país sede: Uruguai em 1930, Itália em 1934, Inglaterra em 1966, Alemanha Ocidental em 1974, Argentina em 1978 e França em 1998. Ou seja, ganhar em casa é exceção.

A disseminação do espírito “vira-lata”, como bem o definiu o escritor Nelson Rodrigues, do país que nunca faz nada certo, o exagerado endeusamento de outros países, resquícios de uma nação que foi colonizada, tudo isso ganha amplitude em boa parte da mídia brasileira. A crítica é fundamental, mas a manipulação de fatos com interesses políticos e econômicos torna-se evidente, em milhares de exemplos no cotidiano de boa parte de nossas emissoras de rádio e TV, revistas e jornais – agora também em portais mantidos pelos principais veículos de comunicação.

O apadrinhamento das relações

Temos grandes problemas a resolver no país, entre eles a necessidade de democratizar os meios de comunicação – o que tendenciosamente a mídia traduz por censura, omitindo que vários países democráticos impedem tamanha concentração da propriedade dos meios de comunicação e impõem regras que levam em consideração muito mais o interesse da população do que o dos donos desses veículos.

A ideologia do fracasso, do “vira-latismo” – já quase uma ciência! – gera na população a falsa ideia de que tudo de pior que acontece no mundo ocorre com mais intensidade no Brasil. No entanto, não somos o país mais corrupto, embora sejamos um dos mais desiguais. Segundo a ONG Transparência Internacional, o Brasil ocupa a 72ª posição entre 177 países. Apesar de ser a sétima economia do planeta, é o 12º com maior desigualdade – o quarto na América Latina. E quando se instituem programas como o Bolsa Família, elogiado pela ONU como exemplo no combate à miséria, a desinformação e a omissão da mídia levam boa parte da população a considerá-lo apenas um programa eleitoreiro ou um gasto desnecessário e sem resultado.

Embora não se diga, setores poderosos da economia e da política brasileira, da nossa elite, têm muito a ganhar com a corrupção. A honestidade tem um custo que nem todos estão dispostos a pagar. Gostamos de alardear a meritocracia num país que se notabiliza pelo apadrinhamento das relações, já amplamente estudado por vários sociólogos e intelectuais.

Sem ufanismo e sem catastrofismo

Por vias tortas, o Brasil vive um momento peculiar da sua história, marcada até aqui principalmente por um passado colonialista, escravocrata e ditatorial. Vivemos o mais longo período democrático e estamos aprendendo a enxergar o que de fato impede a criação de um país mais justo e com melhor qualidade de vida. Durante séculos, tentaram culpar o povo – miscigenado, analfabeto, ignorante, malandro – pelo “atraso”. Hoje, está mais claro que nos falta uma elite disposta a empoderar o povo, libertá-lo da opressão e da exclusão em que vive, derrubar privilégios entre os mais ricos e dividir a riqueza para que alcancemos o desejado patamar de um país com mais justiça social, melhores serviços públicos, mais qualidade de vida e menos violência (sem esquecer que a desigualdade social é a maior de todas as violências).

Contra a ideologia do fracasso, das frases feitas do tipo “aqui nada dá certo”, “o Brasil é assim mesmo”, “o governo não faz nada”, “o brasileiro não trabalha”, “o povo não sabe votar” e outros chavões, há que se disseminar um sentimento de construção, de valorização do que temos de melhor, de crítica ao que precisamos mudar, mas, sobretudo, de responsabilidade pelo país que somos.

Sem ufanismo, mas também sem catastrofismo. Para isso, ajuda muito um bom jornalismo.

***

Celso Vicenzi é jornalista

Redação

20 Comentários

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  1. “Com o tempo, uma imprensa

    “Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”. Joseph Pulitzer.

    E este público existe sim. É duro conversar com uma pessoa inteligente, em boa posição social, formada e ouvi-la repetir asneiras difundidas pela mídia. Pouco antes da copa, uma pessoa falou comigo sobre o caos anunciado e eu apenas disse que aquilo era conversa mole da imprensa e que tudo daria certo, com um ou outro problema. E aí, quem estava certo, o cidadão que se informa pelo eixo-do-mal globo/veja/folha/estadão ou o zé mané aqui que não dá mais a mínima bola para o que aquela gente diz ou escreve a mando de seus patrões?

  2. Continuam achando que o que a Folha faz é apenas mau jornalismo.

    O artigo é ótimo e certeiro mas acho que, digamos assim, por educação do autor, fica esse volteio todo para não dizer o óbvio, que a Folha (assim como o UOL e o Datafolha) é porta-voz do demotucanato e que está engajadíssima na campanha de Aécio. Na ânsia de detonar de vez Dilma e o PT, criaram um enorme pepino para a sua já combalida credibilidade ao apostar todas as fichas no caos da Copa. João Santana deve estar rindo de orelha a orelha com o tiro no pé que deram e poderá matar no próprio ninho tucano – lembram o que falavam da Copa? – os inúmeros factóides que aparecerão a partir de Agosto. A conta do Dr. Fausto chegou antes do esperado… 

    1. Eu inverteria uma colocação

      Eu inverteria uma colocação sua: a folha não é porta voz do demotucanato, é o contrário disto. O demotucanato é o braço de atuação política da imprensa. Portanto, o demotucanato é porta voz e instrumento a serviço dos barões.

  3. Já voltaram as baterias para

    Já voltaram as baterias para o descontrole da inflação ,o crescente defict que levara o país ao buraco e a noticia boa ,os 20 anos do real !

  4. Dilma fez o que pode.

    Na verdade, a trave e Julio César salvaram a seleção. E sair nas oitavas de final dentro do país seria mesmo um vexame.

    Já nos blogs simpáticos, se o Brasil perder, a manchete poderá ser a do título deste comentário.

  5. Realmente, “nossa

    Realmente, “nossa grande”mídia ou PIG,como queiram,tem que ser denominada de agora em diante,como AQUELA FACÇÃO CRIMINOSA QUE AGE DENTRO E FORA DO PAÍS.

  6. À espera de mais do mesmo

    Quero ler mesmo é algum comentário dos catastrofistas vira-latas por aqui, repetindo sempre o mesmo ramerrão das mazelas e da perda de recursos não investidos em saúde, educação e bala juquinha. Arre!

  7. Ótimo artigo, é esta a

    Ótimo artigo, é esta a sensação quando se lê  a nossa imprensa em particular a Folha, razão pela qual há muitos anos cancelei minha assinatura. Ao tentar desqualificar o pais fica evidente os interesses não confessáveis de manter seus previlégios e a desigualdade. O Brasil não irá regredir,  tomou um caminho sem volta e essa Mídia  a serviço do grande Capital financeiro, com avanço da internet , se tornará cada vez mais dispensável.

  8. Ulderico: a seleção, como em

    Ulderico: a seleção, como em toda copa, pode ganhar ou perder, é do jogo. Agora, tu te mostar um antipatriota, é que é vergonhoso. Já bateu a foto com o teu candidato de papelão? Se não, vai e faz isso. È só o que cidadãos antipaís estão aptos a fazer. Torcer para que dê tudo errado em seu prórpio país,  é coisa de cidadão de quinta. Se vocês com a ajuda da justiciaria, dos engavetadores, da velhaca e corrupta mídia, dos procuradores paulistas e goianos, com a ajuda do tse, do tce não  conseguem se eleger, então, meu, vai rezar e te posicionar ao lado do bicho de pepelão, esse é o papel de quem não ama o BRASIL, mas os seus colonozadores.

  9. Vocabulário da Imprensa ABUTRE

    CATÁSTROFE                         TRAGÉDIA                         DEPRESSÃO                     ALVOROÇO

    DESGRAÇA                             CATACLISMO                    SINISTRO                           BARULHO

    CALAMIDADE                          DEGRAGAÇÃO                 TERREMOTO                     ASNEIRA

    ADVERSIDADE                        ANGÚSTIA                         FRACASSO                        MORBIDEZ

    FLAGELO                                  AZAR                                 INSUCESSO                       CAOS

    INFORTÚNIO                            MISÉRIA                            MALEFICIO`                        VEXAME

    DESASTRE                               TERROR                            ESTRUPÍCIO                      VERGONHA  

    FATALIDADE                             HORROR                           DESORDEM                       VTC

    REVÉS                                       TSUNAMI                           CONFLITO                          PQP

     

  10. É muita otarice confundir

    É muita otarice confundir pessimismo com pressão para que o governo gastasse  até bilhões a mais para deixar a festa  que já seria só para a elite branca, masi fabuloda do mínimo que seria

    1. Confessa, vai: Você só

      Confessa, vai: Você só descobriu que a copa é para a elite branca na semana passada, quando isso virou o novo argumento padrão para críticas.

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