A internet nas eleições

Do Valor

Internet vai municiar embate nas ruas e no vídeo entre candidatos

Caio Junqueira, de Brasília
19/04/2010

Na primeira eleição presidencial brasileira após a bem sucedida campanha digital online que elegeu Barack Obama nos Estados Unidos, as coordenações das duas principais candidaturas já estruturaram seu núcleo de internet e decidiram o que importarão para a internet da experiência americana de dois anos atrás: uma extensa base de dados dos possíveis simpatizantes e muita informação em áudio e vídeo para municiá-los no embate político.

A diferença é que cada lado irá dar prioridade ao seu conteúdo na rede em acordo com a estratégia definida pelas cúpulas da campanha. O PT insistirá nas comparações entre os governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ao passo que o PSDB tentará levar à rede o embate de biografias entre seu candidato, José Serra, e a petista Dilma Rousseff.

A expectativa de ambos é fazer com que a acirrada disputa que se verá na tevê, no rádio e nas ruas seja abastecida com informações fornecidas pelas campanhas na internet e amplificadas dentro e fora dela pela rede de apoiadores obtida nas redes sociais como Orkut, Facebook e Twitter. Os dados também serão divulgados pelos telefones celulares.

Essas deverão ser as principais influências da campanha americana, já que não há grandes perspectivas de doações financeiras online, por dois motivos: o baixo crédito dos políticos ante a opinião pública e a falta de tradição no país de que pessoas físicas colaborem com dinheiro para as candidaturas. A expectativa da presença da tecnologia da informação, porém, é bem alta. Tanto que, desde o ano passado, tucanos e petistas conversam com os dois principais nomes da campanha de Obama: Scott Goodstein, da empresa Revolution Messaging; e Ben Self, da Blue State Digital.

Goodstein foi ” diretor online externo ” de Obama e cuidou da estratégia nas redes sociais e nos celulares. Conseguiu 2 milhões de simpatizantes no Facebook, 1 milhão no MySpace e mais de 100 mil no Twitter. Criou ainda o ” Obama Mobile ” , com mensagens de texto, site móvel (WAP) e downloads de conteúdo pelo celular.

Já Self é especialista na gestão da campanha como um todo pela internet, com expertise na criação de ferramentas para identificar os apoiadores e chamá-los à campanha online e ” offline ” , além de sites específicos para esclarecer fatos negativos sobre os candidatos. Na campanha de Obama, ele criou um o ” Fight the Smears ” , algo como ” combata as manchas ” (www.fightthesmears.com) em que são colocadas as versões da campanha sobre o que consideram fatos manipulados pelo adversário.

O PSDB conversou com ambos mas foi o PT que decidiu contratá-los. Nos últimos 15 dias, os dois estiveram no Brasil para conhecer a equipe e começar a organizar a campanha. O contrato dos dois, na realidade, foi firmado com a agência Pepper Interativa, de Brasília, que contratou uma agência de comunicação para fornecer conteúdo e ainda assinou com Marcelo Branco, diretor-geral das três edições da Campus Party e ex-coordenador da Associação Software Livre.org (ASL), uma entidade cujo objetivo é ampliar a presença do software livre no país. Sua aproximação com o governo deu-se a partir das discussões sobre o Plano Nacional de Banda Larga, onde atuou como um dos principais representantes da sociedade civil no debate com o governo. No início de fevereiro, teve encontro oficial com Lula para tratar do assunto.

Branco é atualmente o porta-voz da campanha online petista, sendo o responsável especificamente em multiplicar apoiadores e municiá-los com conteúdo político nas redes sociais. ” Vamos fornecer elementos de vídeo, áudio e texto, que possam mostrar as realizações do governo Lula, que tem mais de 70% de aprovação e muitas realizações ainda desconhecidas do grande público. Tudo servirá de munição para nossos apoiadores fazerem o debate político dentro e fora da internet ” , afirmou.

Para ele, Dilma leva vantagem na disputa pela internet por duas razões. Primeiro pelo fato de ter em sua aliança os dois maiores partidos do Brasil em número de filiados: PT e PMDB, com 1,19 milhão e 1,96 milhão respectivamente. A oposição, somada, tem 2,4 milhões de filiados: 1,11 milhão do PSDB, 944,8 mil do DEM e 385,4 mil do PPS. O outro motivo apontado por ele é estarem na aliança com Dilma partidos ligados à esquerda histórica do país e com tradição de militância organizada, como PSB e PCdoB, além do próprio PT. ” Isso tudo nos ajuda. É um patrimônio importante ” , diz.

Otimista quanto à campanha digital, diz que de agora em diante a tendência é de que a internet seja o grande fórum de debate político nas eleições. ” Redes sociais da web são uma grande praça pública. Serão as primeiras eleições com milhões debatendo política e postando suas opiniões. Não tenho dúvidas de que a internet ajuda a aprofundar a democracia brasileira a partir de milhões que não participariam da campanha se a net não existisse ” , diz.

Os tucanos ainda estão fechando a equipe, mas a ideia é agregar pessoas que estão nas empresas que já atuam para o partido em serviços de marketing digital. São alguns deles: Cila Schumman, marqueteira que iniciou sua carreira no Paraná e hoje presta consultorias em São Paulo. Para o partido, ela elaborou o site ” Gente que mente ” , que elenca denúncias contra Dilma e Lula, expondo supostas mentiras dos dois seguidas pelo esclarecimento do fato.

Da agência paulistana Loops sairá o filho do ex-presidente e senador Fernando Collor (PTB-AL), Arnon de Mello, que deve ser responsável pela mobilização e planejamento estratégico da campanha digital. Também paulistana, mas com filiais em Brasília, Florianópolis e Seattle, a Talk Interactive cederá seu diretor-executivo, Moriael Paiva, que idealizou a campanha do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), à reeleição. Ele também foi um dos formuladores do tucano.org. Na primeira tentativa de Serra chegar ao Planalto, em 2002, trabalhou na campanha online, ainda incipiente à época. O partido está em negociação com mais duas pessoas, cujos nomes são mantidos em segredo.

À frente da equipe, Sérgio Caruso, atual coordenador de comunicação digital do PSDB e presidente da ONN Networking, uma das principais empresas de tecnologia digital de São Paulo, com clientes do porte de TIM, Telefônica e Nokia. Segundo ele, a campanha online deste ano deverá ter uma adequação do discurso de acordo com a realidade local do eleitor. ” O grande desafio da campanha digital será o da relevância. Falar para as pessoas o que for do interesse local delas ” , afirma. Além disso, diz que os bancos de dados serão úteis para chegar aos simpatizantes dos candidatos e dar-lhes munição para o embate político. No caso, com destaque para a biografia do candidato. ” A vida do Serra tem conteúdo que não acaba mais, tem muita história para contar. É uma longa trajetória ” , diz. Também devem ser postados dados positivos sobre a era FHC, um dos principais alvos dos petistas.

Nos bastidores, as duas campanhas online já estão contaminadas pela arquirrivalidade dos petistas e tucanos, com acusações recíprocas da chamada ” campanha negativa ” . Artifício muito utilizado no meio empresarial por meio do ” troller ” (internauta que provoca alguém com ataques pessoais e destrutivos) e do ” fud ” (técnica de gerar medo, incerteza e dúvida sobre a concorrência), o eleitor pode se preparar para acompanhá-las na campanha online deste ano. Sem, claro, o aval – ao menos oficial – das coordenações da campanha.

Em nível pessoal, as acusações são diretas aos envolvidos nas campanhas, sempre dentro do contexto digital. A equipe tucana é acusada de ser ligada às grandes empresas de comunicação digital, como a Microsoft, que a ONN de Sérgio Caruso tem em seu rol de clientes. Contra esse argumento avançam os tucanos, que apontam em Marcelo Branco uma trajetória incoerente. Aguerrido defensor do software livre e tradicional crítico da Microsoft, vai trabalhar ao lado de consultores tão americanos quanto a empresa de Bill Gates, que devem lhe oferecer um produto fechado, contrário aos princípios do software livre. Em seu Twitter, porém, ele já afirmou que todo o conteúdo digital da campanha terá por conceito o software livre.

Luis Nassif

Luis Nassif

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