A mídia à beira de um ataque de nervos, por Glenn Greenwald

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Sugerido por Henrique O

Como a ascensão de candidatos e idéias à esquerda faz os conservadores perderem as estribeiras. Estudo dos casos inglês e norte-americano

Por Glenn Greenwald, no The Intercept 

Tradução: Antonio Martins, do Outras Palavras

A elite política e a mídia britânica perderam pouco a pouco a cabeça, após a eleição de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista – e ainda não parecem capazes de se recuperar. Nos Estados Unidos, Bernie Sanders é bem menos radical; os dois não estão sequer na mesma constelação política. Mas, especialmente em temas econômicos, Sanders é um crítico mais robusto e sistêmico do que os centros do poder oligárquico julgariam tolerável. Sua denúncia contra o controle da vida política pelas corporações é uma ameaça grave. Por isso, ele é visto como a versão norte-americana do extremismo de esquerda e uma ameaça ao poder doestablishment.

Para quem já tinha observado os desdobramentos da reação britânica à vitória de Corbin, é fascinante constatar que as reações de Washington e da elite do Partido Democrata à emergência de Sanders replicam o caso inglês, seguindo idêntico script. Pessoalmente, creio que a escolha de Hillary é extremamente provável, mas as evidências de um movimento crescente em favor de Sanders são inquestionáveis. Trata-se de algo consistente, que está desconcertando os dirigentes do partido, como seria de esperar.

Uma pesquisa revelou, semana passada, que Sanders tem uma clara liderança entre os eleitores mais jovens inclusive as mulheres. Como a revista Rolling Stone notou, “as mulheres jovens apoiam Bernie Sanders por larga margem”. O New York Times admitiu que, em New Hamphire, Sanders “já abriu uma vantagem de 27 pontos”, o que é “espantoso para os padrões do Estado”. O Wall Street Journal reconheceu, em editorial, que “já não é impossível imaginar este socialista de 74 anos candidato pelo Partido Democrata”

Como no caso de Corbyn, há uma correlação direta entre a força de Sanders e a intensidade e amargura dos ataques baixos desencadeados contra ele por Washington, a estrutura partidária e a mídia. No Reino Unido, esta curiosa revolta elitista passou por sete fases; e nos EUA, a reação a Sanders segue a mesma trajetória. Ei-la:

Fase 1: Condescendência polida diante do que é percebido como algo inofensivo (achamos realmente ótimo que ele possa expressar seus pontos de vista).

 

Fase 2: Ironia leve e casual à medida em que cresce a confiança dos apoiadores do candidato (não, caros, um extremista de esquerda não vencerá, mas é muito bom ver vocês tão animados)

Fase 3: Auto-piedade e lições graves de etiqueta dirigidas aos apoiadores, após a constatação de não estão cumprindo seu dever de rendição MEEK, temperada com doses pesadas de (ninguém é tão rude com os jornalistas, ou os ataca tanto, nas redes sociais, como estes radicais, e isso, infelizmente, está enfraquecendo as causas de seu candidato)

Fase 4: Tentar colar, no candidato e em seus apoiadores,insinuações de sexismo e racismo, afirmando falsamente que apenas homens brancos os apoiam (você gosta deste candidato porque eleé branco e homem como você – não devido a sua ideologia ou políticas, nem por sua oposição às políticas pró-guerra e pró-corporações da elite do partido).

Fase 5: Difusão escancarada de ataques de direita para demonizar e marginalizar o candidato, quando as pesquisas comprovarem que ele é uma ameaça real (ele é fraco contra o terrorismo, irá render-se ao ISIS, faz alianças bizarras e é um clone de Mao e Stalin).
Fase 6: Lançamento de alertas graves ou histéricos sobre oapocalipse à frente, em caso de derrota do candidato doestablishment, quando a possibilidade de perder torna-se imenente (suas ideias irão sofrer derrotas por décadas, talvez por várias gerações, se você desobedecer nossas advertências sobre que candidato escolher).

Fase 7: Derretimento completopânicoreprovaçõesameaças,recriminaçõescotoveladas presunçosasassociação aberta com a direta, completa fúria (Eu não posso mais, em sã consciência, apoiar este partido de aloprados, adoradores de terroristas, comunistas e bárbaros).

O Reino Unido está bem na Fase 7, e talvez seja capaz de inventar em breve um novo estágio (militares britânicos anônimosameaçaram promover um motim, caso Corbyn seja eleito democraticamente primeiro-ministro). Nos EUA o establishmentpolítico e a mídia pró-Partido Democrata estão na Fase 5 há semanas, e parecem prestes a entrar na Fase 6. A passagem à Fase 7 é certa, caso Sanders vença as primárias em Iowa.

É normal e legítimo, nas eleições, que as campanhas de cada candidato critiquem duramente os demais. Não há nenhum problema nisso: seria ótimo que os contrastes aparecessem claramente, e quase não surpreende que isso seja feito com agressividade e aspereza. As pessoas chegam a extremos, para obter poder. É da natureza humana.

Mas isso não impede as pessoas de pesar os ataques que fazem, nem significa que estes estejam imunes a críticas (a exploração grosseira e cínica dos temas de gênero pelos apoiadores de Hillary, para sugerir que o apoio a Sanders baseia-se em sexismo foi especialmente desonesta, quando se que os grupos de esquerda que hoje defendem o candidato tentaram, por meses, lançar a candidatura de Elisabeth Warren – para não dizer do vasto número de apoiadoras do senador).

Gente de todos os partidos, e em todo o espectro político, está enojada com as disputas em Washington. Não surpreende que um amplo número de adultos norte-americanos busquem uma alternativa a uma candidata como Hillary. Mergulhada no dinheiro de Wall Street (tanto política quanto pessoalmente), ela mostra-se incapaz de desaprovar uma única guerra, e sua única convicção parece ser a que qualquer coisa pode ser dita ou feita, para assegurar sua própria vitória.

A natureza dos establishments é baterem-se desesperadamente pelo poder, e atacar com fervor sem limites qualquer um que desafie ou ameace aquele poder. Foi o que ocorreu no Reino Unido com a emergência de Corbyn e o que se repete nos EUA com a ascensão de Sanders. Não surpreende que os ataques a ambos sejam tão parecidos – a dinâmica dos privilégios do establishment é a mesma – mas não deixa de ser chocante que os scripts sejam idênticos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

9 Comentários

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  1. Isto não chega a ser
    Isto não chega a ser novidade. Desde que foi inventada em Atenas e exportada por as cidades-estados vassalas dos atenienses, a democracia tem sofrido a pressão dos aristocratas e dos ricos.  A democracia ateniense foi destruída na Guerra do Peloponeso e reestalecida após o fracasso do regime tirânico implantado pelos espartanos naquela cidade. Contudo, Atenas nunca mais foi a mesma. Quando chegaram à Hélade, os romanos destruíram um a um todos os regimes democráticos. Eles preferiam satélites dóceis e premiavam as elites que governavam os povos garantindo a submissão destes à Roma. O mesmo tem sido feito pelos EUA desde que aquele país virou um império. Agora, a própria democracia é um problema nos EUA, pois os ricos não aceitam um governo de esquerda democraticamente eleito pelo povo (que, aliás, é esmagado por propaganda anti-comunista desde a revolução russa).  Democracia para os norte-americanos é sinônimo do governo dos ricos eleitos e tangidos por um exército de lobistas que distribuem generosamente verbas eleitorais aos dois partidos dominantes. Nem mesmo os democratas tem uma ligação expressiva com a esquerda norte-americana. Os principais líderes deste partido são aristocratas (como Hillary Clinton) que controlam a máquina partidária porque são os preferidos dos lobistas. E estes certamente não distribuem dinheiro aos pobres que querem reformar o sistema político dos EUA. O sonho americano acabou um pesadelo. A democracia foi substituída pela corruptocracia dos lobistas e dos políticos que eles trazem nas algibeiras. Na fase atual é mais fácil os EUA adotar um regime francamente imperial do que voltar a ser uma democracia com significativa participação sindical como nos anos 1940 e 1950.

  2. Tem a fase 8= Se ganhar,

    Tem a fase 8= Se ganhar, tenta um golpe, militar ou judicial. Se não for possível uma revolução colorida, se ainda não for possível um tiro na cabeça e um bode espiatório (ex. Kennedy).

  3. Amigos, esta é a mesma
    Amigos, esta é a mesma técnica que se aplica aqui no Brasil, aliás, ela vem de lá, do capitalismo selvagem que grassa no mundo!

  4. Muito boa visao.
    Os republicanos de uma forma e outra tenta catucar com seus candidatos o partido democratico. Jogando com Sanders! Outro ponto muito bom sao os progressistas e independentes no partido democratico, fora tambem dos partidos e abrindo outra via de opca alem dos candidatos do sistema. Sanders eh um afrontamento da democracia e espero que cresca pq o estabelecimento social da classe media estah quebrado e natural que a maioria dos pobres e trabalhadores americano queiram a sua posicao e recuperar as perdas destes 50 anos aproximadamente.
    Ha este artigo complementa um outro.
    Que faz uma analise dos desagrados dos brancos no partido democratico que justamente ataca a tomada da direcao progressista do partido democratico, uma conversa fiada.

  5. a grande mídia golpista

    a grande mídia golpista tupinikim já está na fase sete

    desde o início do governo lula….

    ultimamente esta indo pra luta livre, o vale tudo…,

    ..

  6. E……………………….

    Simles retórica, pois tanto um quanto outro dos dois partidos mais fortes e que se revesam há séculos no poder daquele país, fazem exatamente o que as Corporações exigem. 

    Os llobyes comandam e quando algo sai do controle deles, simplesmente acidentam os rebeldes tal qual fizeram com

    Lincoln, Kennedy e outros menos votados.

    Hoje os paises vivem não a Democracia, mas a Democracia Corporativa !!!!!

  7. Mais rojão pela frente

    Bernie Sanders é contrário à concentração de veúculos  por grandes empresas. Jornalista, defende  reformulação dos meios de comunicação.  Olhando para Chaves, Cristina Kirchner, Dilma e Lula, não é difícil deduzir logicamente o que ainda lhe espera.

  8. Sanders tem alguma coisa semelhante a Trump

        Concordo como este artigo, entretanto há um outro canditato hostilizado pela midia: Donald J. Trump, por mais incrível que possa parecer Trump é nacionalista e contrário ao interesse das grandes corporações importadoras, globalistas. Sua postura contra o tratado Trans Pacif Partnership, TPP. Alvo de primeiro zombarias depois recriminações pela sua misogenia, Trump é uma ameaça às grandes corporações GLOBALISTAS. Há candidato muito mais bisonho: Ted Cruz poupado pela midia. Trump é conservador, mas é hostil corporações GLOBALISTAS e seu controverso TPP.https://jonrappoport.wordpress.com/2016/01/23/trump-why-bilderberg-wef-davos-cfr-have-shingles/

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