A mídia, por Noam Chomsky

Enviado por Felipe A. P. L. Costa

A mídia

Por Noam Chomsky [1]

Sejam chamadas de ‘liberais’ ou de ‘conservadoras’, as principais mídias são grandes empresas pertencentes e interligadas a conglomerados maiores ainda. Como as outras empresas, elas vendem um produto para o mercado. O mercado são os anunciantes, isto é, outras empresas. O produto é o público. É a elite da mídia que estabelece uma agenda básica, à qual as outras se adaptam. O produto é, portanto, um público relativamente privilegiado.

Assim, temos as grandes empresas vendendo um público razoavelmente rico e privilegiado a outras empresas. Obviamente o quadro apresentado reflete os valores e os interesses, estreitos e preconceituosos, dos vendedores, dos compradores e dos produtos.

Outros fatores reforçam a mesma distorção. Os dirigentes culturais (editores, colunistas importantes, etc.) compartilham interesses de classe e associações com os dirigentes do governo e das empresas, além de outros setores privilegiados. Há, na verdade, um fluxo regular de pessoal de alto nível entre empresas, governo e mídia. Para se ter acesso às autoridades estatais, é importante manter posições competitivas: ‘vazamento de informações’, por exemplo, são amiúde maquinações produzidas enganosamente por autoridades, em cooperação com a mídia, que finge nada saber.

Por sua vez, as autoridades estatais exigem cooperação e submissão. Outros centros de poder também têm dispositivos para punir o distanciamento da ortodoxia, abrangendo desde a bolsa de valores até um eficiente sistema de difamação e calúnia.

O resultado não é, logicamente, inteiramente uniforme. Para servir aos interesses dos poderosos, a mídia deve apresentar um quadro toleravelmente realista do mundo. Entretanto, às vezes a integridade e a honestidade profissional impedem a missão primordial. Os bons jornalistas geralmente são bem conscientes dos fatores que caracterizam o produto da mídia, e procuram usar as aberturas que aparecem. O resultado é que se pode aprender muito, por meio de uma leitura crítica e isenta, com aquilo que é produzido pela mídia.

A mídia é apenas uma parte de um sistema doutrinário maior: as outras partes são os jornais de opinião, as escolas e as universidades, as pesquisas acadêmicas, e assim por diante. Estamos mais cônscios da mídia, particularmente a mídia de maior prestígio, porque é nela que estão concentrados aqueles que analisam criticamente a ideologia. O sistema maior tal como é não tem sido estudado, porque é muito difícil investigá-lo sistematicamente. Mas há bons motivos para acreditar que ele representa os mesmos interesses que os da mídia, como qualquer um pode imaginar.

O sistema doutrinário, que produz aquilo que chamamos ‘propaganda’, ao falar de inimigos tem dois alvos distintos: um dos alvos é aquele que, algumas vezes, é chamado de ‘classe política’, cerca de 20% da população relativamente instruída, mais ou menos articulada e que desempenha algum papel na tomada de decisões. Sua aceitação da doutrina é fundamental, porque ela (a classe política) está em posição de traçar e implementar diretrizes políticas.

Em seguida, vêm os outros 80% da população. Estes são ‘os espectadores da ação’, a quem [Walter] Lippmann descreveu como a ‘a horda confusa’. Eles existem supostamente para obedecer a ordens e sair do caminho das pessoas importantes. Eles são o verdadeiro alvo dos meios de comunicação de massa: os tabloides, as comédias familiares, a Super Taça [Super Bowl] e assim por diante.

Esses setores do sistema doutrinário servem para distrair a grande massa e reforçar os valores sociais básicos: a passividade, a submissão às autoridades, as predominantes virtudes da avareza e da ganância pessoal, a falta de consideração com os outros, o medo de inimigos reais e imaginários, etc. A finalidade é manter a já confusa horda mais confusa ainda. Não é necessário dizer para eles se aterem ao que está acontecendo no mundo. Na verdade, isso é até indesejável, pois se eles observarem demais a realidade, podem se decidir a transformá-la.

Isso não quer dizer que a mídia em geral não possa ser influenciada pela população. As instituições dominantes – sejam elas políticas, econômicas ou doutrinárias – não são imunes às pressões populares. A mídia independente (alternativa) pode também desempenhar um papel importante. Embora ela, até por definição, careça de recursos, tem a mesma importância que as organizações populares: ao reunir pessoas com recursos limitados, que podem multiplicar sua eficiência e sua própria compreensão, pela interação – esta é precisamente a ameaça democrática tão temida pelas elites dominantes.

*

Nota

[1] [Avram] Noam Chomsky (nascido em 1928 [estamos hoje na antevéspera do seu aniversário de 90 anos]). Extraído do blogue Poesia contra a guerra, o excerto acima integra o livro O que o Tio Sam realmente quer (Editora da UnB, 1996 [1992]). A tradução é de Sistílio Testa e Mariuchka Santarrita.

Redação

3 Comentários

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  1. Tratar de um tema essencial

    Tratar de um tema essencial para o futuro da liberdade, da justiça social e da dignidade humana, utilizando palavras e conceitos básicos. Assim se combate o diversionismo bolsonarista e a mídia porta voz do ultraliberalismo.

  2. O PIG tá fingindo que não tá vendo

    https://twitter.com/monicabergamo/status/1070597744019021824

    O que disse o Bolsonaro sobre uma boquinha no seu governo para o Magno Malta:

    “A questão de um possível ministério [para Magno Malta], não achamos adequado NO MOMENTO. Agora, ele pode estar ao meu lado, sim. Nunca foram fechadas as portas para ele. E ele pode servir à pátria estando ao meu lado, em outra função. Apenas isso”.

    O que disse o Flávio Feitosa:

    “Isso só mostra o caráter ilibalo de nosso presidente. É a maior prova que ele é mesmo diferente dos outros. Não colocou em seu governo um amigo, mas sim técnicos comprometidos. Fica na sua aí, Magno Malta, não caia na conversa do Malafaia, aguarde e verá a provisão do Senhor. Ele não desampara aqueles que são de fato dele”.

    https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/12/05/bolsonaro-nao-achamos-adequado-no-momento-oferecer-ministerio-para-magno-malta.ghtml

    Pois bem. O Flávio Feitosa tem a memória curtíssima. Ele não se recorda que o Bolsonaro não comtemplou o Magno Malta com uma boquinha no seu governo por falta de capacidade técnica, mas por não achar adequado NO MOMENTO e também porque se “Todos os meus amigos, que me ajudaram desde a campanha, se eu fosse ofertar-lhe um ministério… Ficaria complicado da minha parte”.

    Como se vê, o Magno Malta não recebeu uma boquinha no governo Bolsonaro não por falta de capacidade técnica, mas porque há muitos bajuladores e poucos cargos no primeiro escalão.

    Esquenta não, Coxinha é burro assim mesmo.

    “Procuradoria-Geral da República apura se houve repasse de caixa dois a Onyx e outros políticos”.

    Questionado por um jornalista qual sua posição diante do fato de que Onyx Lorenzoni, escolhido para ser ministro da Casa Civil, é réu confesso dessa atividade ilícita, Moro respondeu: “Ele já admitiu e pediu desculpas”.

    Se o sujeito admitiu e pediu desculpas, a apuração da Procuradoria Geral da República fará chover no molhado.

    Vai ver que, apesar da confissão, vão acabar concluindo que o Onyx tá mentindo.

    Bananistão!

  3. Meus botões não são politicamente corretos

    Era uma vez numa mesa de bar ja com a garrafa de vinho chegando ao fim, eu me sai com essa : “vocês ja repararam que a Intelligentsia americana é quase toda de origem judaica europeia ? 🙂 

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