Adnet está para a Globo assim como os folhósofos para a Folha, por João Feres Júnior

Adnet está para a Globo assim como os folhósofos para a Folha

por João Feres Júnior

Ontem acidentalmente vi o final do programa do Adnet na Globo, um quadro que era um musical defendendo a ocupação das escolas públicas. Isso logo antes do Jornal da Globo, programa que defendeu com unhas e dentes a reforma do Ensino Médio de Temer e a PEC 55, que pretende enterrar o orçamento da educação por vinte anos. Contradição?

Não, ela é somente aparente. A Globo coloca o humor criticozinho do Adnet, cada vez mais chato e anódino, diga-se de passagem, em um horário que ninguém vê e dessa maneira mata dois coelhos como uma só cajadada: anula um talento que poderia atrair mais audiência se estivesse em outro canal concorrente, com mais liberdade criativa, e ainda posa de plural ao permitir esse tipo de deslize esquerdista em sua programação.

Não é de hoje que o clã Marinho usa essa estratégia. Os Dias Gomes e Marios Lagos ficaram na história para confirmar essa tese. Sempre um expediente para manter a crítica diluída e sob controle. Ademais, a experiência ensinou a esses patrões que com o passar do tempo, e o auxílio de salários polpudos, esses rebeldes cooptados se transformam em fiéis defensores dos interesses e da ideologia da empresa. A trajetória de Fausto Silva é um bom exemplo disso.

A Folha de S. Paulo, talvez inspirada no exemplo da irmã maior, faz parecido com seus folhósofos – esse conceito, cunhado pelo professor João Quartim nos anos 1980 denomina um filósofo, geralmente de esquerda, que vira colunista da Folha. É claro que da maneira como eu o aproprio se aplica a qualquer acadêmico ou intelectual público de esquerda que se converteu em colunista deste jornal paulista.

Nenhuma analogia é perfeita. Se para Adnet seria difícil encontrar guarida em outra rede grande de televisão, por serem todas extremamente conservadoras e, portanto, pouco abertas a experimentações criativas, para nossos folhósofos a tarefa beira o impossível. A grande mídia brasileira baniu os intelectuais críticos de suas páginas há mais de década. Estadão, O Globo, Estado de Minas, Última Hora, Veja, Isto É, Época…, as colunas políticas são sempre de direita, com a exceção dos folhósofos – tem gente que, quando faço argumentos desse tipo, sempre retruca, mas tem a Carta Capital! Ora, que grande lorota. Típica de quem é inimigo dos números. A cada unidade de Carta Capital vendida por semana são 60 Vejas, 15 Isto És e 15 Épocas. Não há parâmetro de comparação.

Assim como acontece com Adnet, os escritos dos folhósofos são mitigados e diluídos, pois, devido ao ambiente, se sentem premidos a soar mais razoáveis que a própria razão. Também como seu paralelo global, estão reduzidos a cantos do jornal, que é dominado pelas opiniões de uma pletora de publicistas como Kim Kataguri, Aécio Neves, Pondé, Reinaldo Azevedo, entre muitos outros, isto é, gente sem a menor credencial intelectual para contribuir para um debate iluminado de ideias.  

Muito mais que a Globo, a Folha retira de seus folhósofos a imagem de jornal plural, enquanto de fato, nos números, sua cobertura é praticamente tão politicamente enviesada para a direita quanto Estadão e O Globo. Suas manchetes são tão ou mais maliciosas quanto as de seus pares quando o objetivo é prejudicar a esquerda. A editorialização da capa, no jogo de imagens e títulos, certamente mais insidiosa que a dos outros jornais.

Assim, aqueles que se comprazem em assistir a um quadro do programa do Adnet, como se aquilo fosse um raio de sol em céu nublado, ou aqueles que veem nos artigos críticos dos folhósofos evidência de que há de fato um debate de ideias na grande mídia brasileira, estão redondamente enganados. Confundem um sintoma da doença com um sinal da cura. Não percebem que para a grande mídia é muito mais confortável e seguro ter esses tolken critics falando de dentro do que se estivessem fora, construindo de fato meios e modos alternativos de comunicação em nosso país. Ademais, por estarem dentro eles ainda cumprem o papel de seduzir uma fatia dos bestializados.

Redação

9 Comentários

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  1. Folha e Globo, tudo a ver.

    Ótima reflexão. A folha faz uma espécie de markentig político, tentando agradar aos dois lados, mas de fato se colocando à direita. É uma simulação de pluralidade. Melhor, é uma “pluralidade” que dissolve tudo numa névoa escura que esconde a realidade. 

  2. Na mosca, como sempre.

    Conciso, direto, João Feres Jr. consegui em poucas linhas desmontar toda essa falsa pluralidade da FSP, assim o como a tática da Rede Golpe, que contrata pessoas para que os concorrentes não lhes dê o espaço de crítica que a ‘nave  mãe’ JAMAIS lhes concederá.

  3. “Não, ela é somente aparente.

    “Não, ela é somente aparente. A Globo coloca o humor criticozinho do Adnet, cada vez mais chato e anódino, diga-se de passagem, em um horário que ninguém vê e dessa maneira mata dois coelhos como uma só cajadada: anula um talento que poderia atrair mais audiência se estivesse em outro canal concorrente, com mais liberdade criativa,…”

     

    Desculpe-me mas qual canal daria liberdade  criativa?

     

    Eu pergunto e já respondo: nenhum canal!

  4. Bem

    Para quem só vê a Globo, quem sabe não seria a única ocasião em que veja um lado não oficial? Não é ruim como o articulista pinta.

  5. O articulista começa o texto

    O articulista começa o texto a partir do seu gosto pessoal acerca da produção do artista, para depois estruturar ideias com “ar sociológico”. 

    Dá um tempo, cara!

    Se for para partir do pessoal, vamos direto ao assunto : trabalhe seu rescentimento em um divã razoável , depois faça sociologia a partir de conjunturas! 

    Fica a dica… 

  6. Pra quem não gosta da

    Pra quem não gosta da folhosofia global, use o controle remoto. Foi o recado que recebemos por questionarmos o monopólio midiático.

  7. banalizar para conquistar

    Acompanhava o trabalho do adnet na MTV. Independente e talentoso despontou como o principal humorista brasileiro. Na globo fica absolutamente sob controle , apenas mais um produto de prateleira da globo. Mais uma vez , João Feres preciso e agudo na sua análise. 

  8. Comentários e Perguntas ao autor:

    Muito interessante a questão abordada pelo artigo.

    Talvez excessivamente concentrada no Adnet, um garoto prodígio da TV “marginal” de alguns anos atrás e que não sabemos como vai se revelar no presente.

    Ao menos eu não tenho ainda a mesma convicção formada que o autor parece estereotipar sobre o jovem – e sem dúvida talentoso – artista.

    Discordo também da colocação do autor, que parece vulgarizar um brilho que as inteligências e sensibilidades de Dias Gomes e Mário Lago, no tempo da ditadura, ao invés de “diluir a crítica” mantinham-na viva apesar das condições hiper-adversas da censura política e econômica.

    Gostaria de colocar a seguinte questão ao autor João Feres:
    Você não acha que a questão de fundo (e maior) é a dos artistas e jornalistas que transformam de forma, digamos, acapachantes suas almas na voz dos patrões (Marinhos, Frias, Mesquita, etc) seus capatazes e feitores?

    Neste sentido não deveríamos ser mais rigorosos com certos jornalistas e artistas que se dispõem a emprestar suas Pessoas Físicas para isto com uma vil animalidade (de ânima) ?

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