Análise de mídia: Estadão brinca com números para rebaixar Dilma na educação

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em seu último ano de governo, 2002, destinou 33,53 bilhões de reais (número corrigido pela inflação – IPCA 2013) para o caixa da educação. Executou 86,7% desse montante. Dilma Rousseff (PT), em 2014, destinou 101,04 bilhões de reais à educação. Executou 78,8%. Agora a pergunta que importa: quem desembolsou mais recursos com educação: Dilma ou FHC?

Para o Estadão, a pergunta que importa é: proporcionalmente ao orçamento (seja ele de 33 bilhões de reais ou quase três vezes superior a isso), quem teve a maior média relativa à execução dos recursos disponíveis para educação? A resposta é o carro-chefe do caderno Metrópole desta segunda-feira (26), por um simples motivo: Dilma não teve.

Na capa do periódico, a chamada: “Educação tem pior execução de orçamento”. A informação complementar diz que Dilma até ampliou o volume de recursos empregados na área, mas foi a presidente que teve a média mais baixa de execução desde 2001.

Na página A12, uma página par, sem nenhum anúncio, inteiramente reservada à reportagem que fica na superficialidade dos números, o Estadão manchetou: “Nos 4 anos de Dilma, MEC [Ministério da Educação] teve a pior execução de orçamento desde 2001”. “O problema é a gestão Dilma”, pensou o leitor. Vejamos.

Orçamento maior em segundo plano

Segundo a reportagem feita com base em uma plataforma criada pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-DAPP), Dilma, ao longo do primeiro mandato (2011-2014), “gastou efetivamente apenas 77% do dinheiro disponível” em educação. Já FHC, entre 2001 e 2002, gastou a média de 86% dos recursos disponíveis.

Gráfico: Estadão

Porém, FHC, em 2001, tinha no caixa da educação, em números atuais, 34,83 bilhões de reais para investir. Em 2002, esse montante caiu para 33,53 bilhões de reais. Nos quatro anos de governo Dilma, o orçamento da educação nunca foi reduzido. Saltou de 76,65 bilhões de reais em 2011 para 90,21 bilhões de reais em 2012. Depois, foi para 92,36 bilhões de reais em 2013 e finalmente atingiu 101,04 bilhões de reais em 2014, segundo dados publicados pelo Estadão.

No pé da matéria

Dilma, aliás, investiu mais que Lula entre 2003 e 2006, primeiros anos de PT no governo federal. O Estadão até falou sobre a ampliação considerável do orçamento da educação por Dilma. Mas o leitor só ficou sabendo se atravessou nove longos parágrafos que antecedem a seguinte informação – disposta no chamado “pé da matéria” principal:

“Mesmo com execução orçamentária abaixo da média, os gastos com educação tiveram forte ampliação do governo Dilma. Nos quatro anos, a área recebeu R$ 265 bilhões, valor nominal 93% superior ao gasto no segundo mandato do governo Lula. Se os valores de cada ano são atualizados pela inflação, essa alta é de 55%. Já entre 2003 e 2010 o orçamento da educação havia mais que dobrado. No governo Dilma, foi a primeira vez que a proporção da educação passou a representar mais de 5% do orçamento prevista e também do gasto.”

No dicionário dos jornalistas de veículo impresso existe a expressão “corta pelo pé”. É um artifício para agilizar o fechamento do jornal. O repórter escreve o texto ciente de que se ele ficar maior do que o espaço disponível na página, o editor vai derrubar preferencialmente a informação que estiver no último parágrafo. O jornalismo atual se apega à chamada pirâmide invertida: as informações que o jornal quer destacar estão no topo. O menos relevante, no pé da matéria. E este foi o espaço reservado pelo Estadão para dizer que Dilma ampliou os investimentos em educação.

O lado do governo

Na menor retranca (matéria desdobramento da pauta principal) da página, o Estadão publicou a versão do MEC para a manobra com os números sobre orçamento e execução de orçamento. Quase no pé da matéria. Penúltimo parágrafo:

“O MEC ressaltou em nota que analisar o porcentual pago apenas em relação à dotação autorizada, sem levar em consideração o crescimento do volume de pagamentos ‘não demonstra o que efetivamente ocorreu’. Em 2014, foram gastos R$ 79,7 bilhões, ante R$ 53,6 bilhões em 2011 – aumento de 49% no valor nominal. Com a atualização inflacionária, o salto de pagamentos foi de 25%.” Mas o jornal não deixa por menos, e frisa: “Entretanto, o governo deixou de gastar nos quatro anos cerca de R$ 88 bilhões de orçamento autorizado e não pago (em valores atualizados pela inflação).”

Boa ação é obrigação, não notícia

No jornalismo, costuma-se ensinar aos mais novos, felizmente e infelizmente, que boa ação é obrigação dos governantes, não notícia. Notícia é o que eles deixam de cumprir. Felizmente porque o jornalismo tem, em tese, compromisso com o interesse do público – e simplesmente propagandear, sem críticas, as ações de um governo, fere esse interesse. Por outro lado, em um país onde práticas exemplares em gestão pública são poucas e nem sempre correpondem às expectativas da sociedade atual, o que é notícia ou não deveria ser revisto. O espaço de debate não pode se limitar à academia ou veículos segmentados.

No caso em tela, nota-se que notícia para o Estadão é que Dilma não executou 100% do orçamento da educação. Executou menos que FHC, em 2001. Ponto. 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

14 Comentários

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  1. os leitores

    Os leitores do Estadão agradecem, mesmo sabendo que são falsos, esses em sua maioria não importam com a verdade e a justiça.

  2. “notícia para o Estadão é que

    “notícia para o Estadão é que Dilma não executou 100% do orçamento da educação. Executou menos que FHC, em 2001. Ponto”:

    E a educacao passava muito bem no periodo FHC, como todo mundo viu…

  3. ótimo post para desmotar a

    ótimo post para desmotar a manipulação do estadão…

    nessa aí muitos entrariam  com facilidade, se não fossem alertados..

  4. Sou melhor que o pelé, posso provar.

    Enquanto o Pelé PERDEU alguns pénaltes, eu hc ACERTEI alguns pénaltis. Onde o pelé sempre errou, nestes alguns, eu, hc, sempre ACERTEI. Sou, portanto , melhor que ele.

    Vou pedir para o estadão me entrevistar e me mostrar ao público.

  5. Para os (ainda) leitores do

    Para os (ainda) leitores do estadão, tanto faz, tanto fez: vale a manchete e pronto. Ou alguém em sã consciência, mesmo sendo leitor do estadão irá ler a matéria destrambelhada da vez. O que fica patente (epa!), no entanto, é a total cara-de-pau ou ignorância dos articulistas/jornalistas que, pelo visto, são incapazes de (des)misturar alhos com bugalhos: totais analfabetos funcionais. Umas bestas quadradas, diriam os mais velhos.

  6. Ótima matéria!
    Mas faltou

    Ótima matéria!

    Mas faltou explicar por que um governo deixa de aplicar recursos previamente disponíveis. Quais são os motivos? Burocracia? Atraso em obras? Quando li essa matéria no Estadão fiquei com essa dúvida e assim continuo.

  7. Evidente que com um orçamento

    Evidente que com um orçamento menor a execução dos estados e municípios tem de ser maior, caso contrário faltará verba para o básico, agora com o aumento de recursos a aplicação da verba foge do feijão com arroz, há de haver políticas mais complexas, que nem todo gestor consegue implementar, acredito que aí mora a questão. 
    Mas seja como for, quem mais investiu e investe na educação indiscutivelmente é a Dilma.

  8. Tudo que leio me traz a

    Tudo que leio me traz a memória que quando nos acorvadamos a mentira se torma verdade. O atual governo é covarde. Parece que espera reconhecimento de onde NUNCA virá. Trai suas promessas. Não conversa com a base de apoio, mas se arrasta de esmola apoio da direita que SEMPRE lhe dará as costas. NUNCA aceitará como seus. Se o governo quer controle de gastos corte TODOS gasto em publicidade. Ninguem acredita mesmo. TODOS gasto. Quanto economizará? Quantos bilhões? Mas não tem coragem. È covarde. ” O PT cacareja pra esquerda mas colica ovos a direita” Leonel Brizola.

  9. Estadão

      E, a saber, vão investir R$ 100.000.000 nesse jornal, pra que ele seja reformulado e não quebre de vez ?  Só quem lê isso ainda são velhos (de mentalidade), acima dos 60, 70, conservadores, retrógados e ultrapassados ao extremo e tem quem ainda invista nisso ?  Ou é perder dinheiro ou se perguntar porque. 

  10. Olha, não sei se isto vai

    Olha, não sei se isto vai responder à sua pergunta, mas tenho uma amiga que é coodenadora em uma escola municipal no interior de São Paulo que me contou que no ano retrasado havia uma verba de 30 mil reais destinada à escola em que ela trabalha para ser utilizada, desde que se apresentasse um projeto que explicasse direitinho onde o dinheiro seria utilizado. A verba retornou ao MEC porque a diretora falou que “ia dar muito trabalho”. Acho que isso ocorre muito. Em tempo: diretores de escola (municipais) são geralmente indicações políticas, apadrinhados,  que não estã muito a fim de trabalhar, não.

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