Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

Arte, Política e Guerra Antimídia em “Art of The Prank”… mas não conte prá esquerda!, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

“Jornalistas são perigosamente ingênuos… não se interessam pela verdade, mas apenas por uma boa história”, afirma Joey Skaggs no documentário “Art Of The Prank” (2015). Joey Skaggs é um artista plástico que iniciou nos movimentos contraculturais de protestos nos EUA. Quando percebeu que o maior inimigo não era o Governo, mas a grande mídia que o sustenta. A partir dos anos 1970 tornou-se o principal criador de “Media Prank” e “Culture Jamming” – estratégias de guerrilhas semióticas antimídia. Skaggs passou então a criar uma série de personagens e histórias fictícias (pegadinhas) para enganar os jornalistas, revelando como a opinião pública é formada sobre mentiras: o “Bordel para Cachorros”, o “Banco de Esperma de Celebridades”, a “Pílula que cura tudo” produzida a partir de enzimas das baratas etc. CNN, ABC, CBS, todos caíram nas pegadinhas de Skaggs. Até o jornalista Pedro Bial mostrando na Globo a “revolucionária Terapia do Leão” do “célebre” Baba Wa Simba… “Art Of The Prank” mostra didaticamente como se faz uma guerra semiótica: fazer a mídia sentir o gosto do próprio veneno da mentira que ela produz… mas não conte para a esquerda! Dificilmente entenderá…

Os EUA sempre tiveram um viés bem mais pragmático em relação à questão da comunicação do que os europeus. 

Enquanto, sob o impacto do sucesso da propaganda nazi na Segunda Guerra e o efeito catastrófico imprevisível da transmissão radiofônica de “Guerra dos Mundos” em Nova York em 1938, os EUA viam a mídia como um instrumento imediato de contrapropaganda, os europeus tentavam entender o fenômeno nazifascista a partir da sua sólida herança cultural e filosófica de séculos: Psicanálise, Linguística, Semiologia, Sociologia etc.

E certamente a academia brasileira (principalmente no espectro progressista ou de esquerda), devido as influências intelectuais europeias (notadamente francesas e alemãs), privilegiou um viés dos estudos em/sobre a Comunicação também muito mais crítico do que pragmático. Privilegiando uma abordagem, digamos assim, “conteudista” da comunicação – análises dos conteúdos (textuais) das mensagens através da linguística, retórica etc.

Talvez isso tenha impactado a ação política das esquerdas no campo da comunicação – um misto de ou desprezo (a questão da comunicação como uma preocupação “teórica”, longe da ação política real) ou de ingenuidade – o apego à panfletagem, às denúncias por megafones e a visão dos receptores das mensagens como uma “massa” indiferenciada por ser “conquistada”.

Desde o pós-guerra nos EUA, seja que posição estiver no espectro político, partidos ou grupos sempre pensaram a comunicação de forma mais estratégica, buscando atalhos e eficiência – em uma situação complexa, sempre a solução será aquela mais simples: os instrumentos que tivermos em mãos no momento.

Essa viés particular norte-americano sobre a comunicação perpassa todo o documentário Art Of The Prank(2016, disponível pela Amazon Prime, Hulu e Itunes), dirigido por Andrea Marini sobre o célebre artista plástico e principal criador das táticas de “Media Prank” e “Culture Jamming” instrumentalizadas pelos movimentos de contracultura nos anos 1960-70.

 

A guerra antimídia

“Media Prank” (pegadinhas) e “Culture Jamming” (trolagens) foram as principais táticas contraculturais antimídia. Skaags foi o “avô” dos chamados “media hoax”. Muito tempo antes das discussões sobre “fake news” ou “memes”, ele usou a mentira e a manipulação contra a própria mídia corporativa, produzindo efeitos engraçados, cínicos e irônicos. Fez por inúmeras vezes a grande mídia experimentar seu próprio veneno.

Mas, principalmente, arrancou o escalpo de muitos jornalistas e apresentadores famosos como Geraldo, David Hartman e Nancy Dussault (“Good Morning America” da ABC), Oprah Winfrey e até mesmo o então correspondente da Globo em Nova York em 1995, Pedro Bial.

ABC, CBS, CNN, USA Today, National Enquirer… uma longa lista de veículos cujos repórteres, maravilhados pelas narrativas falsas criadas por Skaggs, “esqueciam-se” de checar as informações movidos pelo sensacionalismo e a pressão da concorrência por um furo jornalístico.

A mais recente foi em 2015, quando a agência de notícias chinesa Sinovision caiu na pegadinha do “April Fool’s Day”, o “Dia da Mentira” que suspostamente seria comemorado há 30 anos em Nova York com um desfile de carros alegóricos e bandas na Quinta Avenida. A edição final de quatro minutos do telejornal chinês, em inglês, quis mostrar factualmente tudo isso. Mas tudo não passou de “não-acontecimento”. A notícia com destaque de um fato que jamais existiu mostra como a mídia é “perigosamente ingênua”, como destaca o documentário – veja vídeo ao final da postagem.

Uma entrevista com o criador do “Banco de Esperma de Celebridades”…

Como artista plástico no campo da pintura e escultura, Joey Skaggs participou ativamente em movimentos contra a guerra do Vietnã e luta pelos direitos civis nos anos 1960, concebendo instalações de protesto como um sutiã gigantesco em frente ao Tesouro dos EUA em Wall Street e uma grotesca Estátua da Liberdade nas comemorações do feriado de 4 de Julho em Nova York.

Sentindo o gosto do próprio veneno

Logo Skaggs caiu na real: não se trata mais de denunciar as mentiras da mídia contra a incauta opinião pública. Cabe fazer a mídia experimentar seu próprio veneno para ser desmoralizada diante do público. Para Skaggs, a origem de todas as crenças está nos meios de comunicação. Portanto, nada melhor do que expor a mídia à própria vergonha da sua pressa, ansiedade e impulsividade. E, porque não, da sua própria arrogância.

Art Of The Prank apresenta as “media pranks” mais famosas de Skaags. Como, por exemplo, quando personificou o Dr. Josef Gregor, em 1981, que anunciou em uma coletiva que havia desenvolvido uma pílula milagrosa que curava de resfriados a cólicas menstruais. E as pessoas ficariam até imunes a radiações nucleares com uma pílula feita por um hormônio extraído das baratas… O doutor falava que fazia parte do grupo “Metamorfose”, numa óbvia referência cifrada à Kafka. “Acho que hoje ninguém lê mais Kafka”, lamentou cinicamente Skaggs após revelar a farsa.

 

 

Logo após o julgamento de O.J. Simpson, Skaggs convenceu a CNN de que fazia parte   do “The Salomon Project” e que era um cientista da computação da Universidade de Nova York. O objetivo do projeto seria substituir os jurados por um software que determinaria a culpa ou inocência do réu. E o que disse o software sobre O. J. Simpson? Que era culpado…

O documentário enumera diversas pegadinhas como o “bordel para cachorros” no “Good Morning America” nos anos 1970. Ou, em 1976, o “Banco de Espermas de Celebridades” cujo banco teria sido roubado e o esperma de uma celebridade (não revelada) teria sido tomado como refém, apresentando aos jornalistas a suposta carta dos sequestradores.

Jornalistas não se interessam pela verdade

A tática antimídia de Skaggs partiu sempre de duas premissas que é corroborada por jornalistas no documentário: (a) jornalistas procuram desesperadamente histórias que se adequem à retórica (sensacionalismo) ou à pauta (agenda) do momento, imposta aos repórteres pelas chefias de redação; (b) nem jornalistas e nem o público estão interessados na “verdade”, mas apenas numa “boa história”.

>>>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. A gente aprende

    O Pedro Bial parece que estava se divertindo com a matéria, soltou o lado animal dele literalmente. Ja o Skaggs parecia vexado com o jornalista acreditando em tudo em que diziam.

    Quanto a esquerda…  Ela não tem muito humor, não sabe lidar com o senso comum e ir até as pessoas por imagens e frases curtas e ideias engraçadas. Mas a gente chega la ainda 🙂

  2. Campeonato de Barrigadas
    Aqui no Brasil a porcaria é mais suja ainda….sem contar a pinóquia mídia esportiva a matéria da vida de qualquer “profissional” é a desgraça de alguém….quanto mais anseios mais audiência para venderem seus produtos….o ridículo “Boimate” , o absurdo do Caso “Escola Base”, as entrevistas chocantes com sósias de celebridades em suma…..tapete vermelho para o lavajatismo….

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador