As discussões sobre o papel da CNN, por Luis Nassif

A CNN Brasil caminha para ser o caso mais bem sucedido de implementação de um padrão externo de jornalismo no país.

Algumas colunas de TV julgam ter identificado a decadência precoce da CNN Brasil na saída do apresentador Reinaldo Gottino e outros jornalistas, descontentes com o ritmo e as cobranças da emissora. Na verdade, a surpresa maior era a da presença de Gottino, um belo animador radiofônico, mas sem formação jornalística e que que destoava do modelo CNN de busca instantânea da notícia ou da sua contextualização. Seguidamente, era obrigado a dizer informações de uso geral, atribuindo-as a supostas fontes, para não ficar inferiorizada em relação aos seus pares.

A CNN Brasil caminha para ser o caso mais bem sucedido de implementação de um padrão externo de jornalismo no país. A revista Veja – que trouxe para o Brasil o modelo Times – levou três anos para conseguir se consolidar e para os jornalistas assimilarem o padrão de cobertura importado. O Jornal Nacional talvez tenha se consolidado em prazo menor.

Já a CNN Brasil conseguiu em prazo recorde implementar o modelo, e montar uma redação que assimilou rapidamente o novo padrão.

Houve uma boa seleção de jovens jornalistas em atividade na imprensa tradicional, muitos deles atuando como setoristas, provavelmente sem espaço para crescimento nas suas antigas redações. 

Historicamente, os setoristas sempre tiveram faro mais apurado para o furo. É uma atividade extenuante. Não raras vezes o ritmo de busca de furos impõe o deplorável hábito do pool de notícias – setoristas trocando informações entre si. Mas sempre foi a melhor escola para treinar a busca do furo, mesmo em ambientes técnicos e inóspitos de alguns Ministérios.

Em um jornalismo que estava, há tempos, fossilizado, sem caras novas, a CNN logrou montar um time de jovens repórteres-apresentadores com pique dos setoristas, como Basilia Rodrigues, Daniel Adjuto, Iuri Pitta, Diego Sarza, Kenzo Machida, entre outros. E um grupo de comentaristas sólidos, onde se juntam a experiência de Fernando Molica, Caio Junqueira e William Waack com a surpreendente acuidade jovem de Renata Agostini. Na Economia, trouxe Fernando Nagakawa, com um conhecimento de economia e mercado que não se vê na cobertura dos demais grupos de mídia.

Pelo que se observou até agora, o modelo CNN consiste no seguinte:

  1. Busca constante do furo.
  2. Contextualização permanente da notícia. 

Apresentadores e repórteres se questionando mutuamente, em tempo real, para montar as peças do fato que está sendo coberto. É como a pauta fosse sendo construída em tempo real. Pelo que revelam as críticas das colunas de TV, nem todos os jornalistas suportam o ritmo.

  1. Preocupação em apresentar os dois lados da notícia. 

Nem sempre se avança na diversidade pretendida, mas abriu-se uma brecha no estilo monotemático da imprensa televisiva brasileira.

2. Informalidade na apresentação.

Às vezes se exagera mas, na maior parte dos casos, há uma jovialidade permanente que dilui o peso das notícias, em tempos de pandemia e Bolsonaro. E há a preocupação constante de se levantar a bola de todos os jornalistas, em uma reciprocidade de elogios que, às vezes, cansa.

3. Defesa dos valores civilizatórios.

Não há questionamento mais profundo da política econômica, das reformas e outros tabus de mercado. Mas seus comentaristas, em geral, compartilham a cartilha do liberalismo social da matriz. 

Some-se a isso o modelo de difusão da notícia, utilizando todas as plataformas e criando projetos paralelos – como os boletins financeiros.

Evidentemente, há sempre espaço para melhoria.

O ping pong entre dois debatedores, apresentado como o grande sucesso da CNN americana, peca pela falta de profundidade, por se pautar pelos debates de Twitter e redes sociais. E a radicalização dos dois lados muitas vezes irrita espectadores de de ambos os lados. Às vezes há um certo exagero na informalidade entre outros apresentadores. 

De qualquer forma, a entrada da CNN acordou a Globonews. Passou a ser um pouco mais diversificada. Trouxe para a redação jornalistas como Otávio Guedes, leitor voraz de jornais, contratação improvável no jornalismo anódino da Globonews pré-CNN; valorizou as análises mais aprofundadas de Guga Chacra e Julia Dualibi e, certamente, irá ser mais exigente com os comentaristas do senso comum.

Como a Globonews se espelhou no modelo CNN, há a similaridade de se juntar grupos de analistas em torno do mesmo tema. Mas falta o principal: colocar a informação no centro do debate, com todos os comentaristas contribuindo para compor o quadro completo. Sem isso, acaba-se caindo no opinionismo superficial.  Nesse modelo, a opinião tem que ser reforço, de contextualização da informação. Mas continua havendo mais opinião de senso comum do que informação.

Obviamente os comentários são sobre a CNN no momento atual. Sobre a continuidade do trabalho, o futuro dirá.

 

Luis Nassif

7 Comentários

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  1. Sinceramente, prefiro um modelo de jornalismo a la BBC, de notícias curtas com eventualmente alguns pequenos documentários sobre temas atuais mais quentes, do que esse jornalismo opinativo americano. Tanto GloboNews quanto CNN gastam tempo demais em alguns assuntos (de interesse deles obviamente) quando poderiam gastar este tempo analisando outros temas pouco explorados. E por incrível que pareça, hoje em dia a GloboNews pelo menos é declaradamente oposição ao governo enquanto que a CNN é quase tão governista quanto a Record (a pior de todas). Ainda está para nascer um canal de notícias decente no Brasil. Quando do começo da pandemia, o sinal da SIC (Portugal) estava aberto e cheguei a ver alguns jornais porque falavam de Brasil com alguma frequência. Preferia me informar por lá do que por qualquer um desses nacionais. Hoje vejo a BBC em inglês porque a SIC não está mais disponível.

    1. Somos dois, quanto ao modelo BBC. Quanto à SIC, esqueça. Em relação ao Brasil, os canais portugueses são retransmissores da grobo e associados.

  2. Nos portais, ainda hoje li, as notícias apontando para o baixo ibope, e o descontentamento de jornalistas. Imprensa é dose, a gente tem de ficar lendo em vários locais para poder desenhar o elefante.
    O formato ( das apresentações), não sei se por hábito, considero a GloboNews mais amigável.
    Gosto muito do Otávio Guedes, mas já estava no Estudioi há muito tempo.
    E por último. tento e não consigo entender:1) como o inquérito das rachadinhas da Alerj não anda; 2) Como ainda não foram atrás de um vídeo sobre o famoso encontro do Flávio Bolsonaro com um delegado (por sinal um silêncio sepulcral sobre o caso). Ali não tem nada, câmaras da PF mostrariam fácil.

  3. Estou preferindo assistir a CNN do que a Globo. Desde que a Globo foi criada em cima de boas emissoras, ainda tendo como acionista o grupo Time/Life não criou mudanças.

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