As estrelas da mídia encontram seu presidente, por Glenn Greenwald e Thiago Dezan

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do The Intercept

Fofocas, gargalhadas, romance e diversão de montão: as estrelas da mídia encontram seu presidente

por Glenn Greenwald e Thiago Dezan

SEIS JORNALISTAS ENTREVISTARAM o Presidente Michel Temer ontem à noite no programa Roda Viva da TV Cultura. Cinco deles eram estrelas da mídia dominante que incitaram incansavelmente o impeachment da Ex-presidente Dilma Rousseff e, portanto, foram responsáveis pela ascensão de Temer ao poder: O Globo, Folha, Estadão (um representante do jornal e outro do conglomerado do qual o jornal faz parte) e Veja (cujo representante é também âncora do Roda Viva). O sexto jornalista faz parte da própria TV Cultura, rede de televisão pública que já foi vítima de pressões de políticos de importância como José Serra, o chanceler do governo Temer, e cuja verba de publicidade foi reduzida pelo governo.

A lista de jornalistas escalados para a entrevista foi bizarra, mas previsível. Quando um presidente empossado é entrevistado somente por veículos que defenderam o processo de impeachment que o levou ao poder, é inevitável que a conversa decorrente mais se assemelhe a um churrasco animado entre amigos do que a uma entrevista contenciosa (um deles, Ricardo Noblat, d’O Globo, já havia submetido tanto o Presidente quanto sua esposa a esta implacável apuração jornalística):

Uma coisa que eu jamais observara: como Temer é um senhor elegante. Quase diria bonito. A senhora dele, também.

 

 

Outra jornalista presente, Eliane Cantanhêde, do Estadão, certa vez saiu em defesa de Temer sugerindo que seus críticos estariam traindo o país: “Mas o esforço para derrubar Temer, neste momento, é trabalhar contra o Brasil”.

Além disso, qual o propósito de uma rede de televisão pública como a TV Cultura – supostamente uma alternativa à mídia dominante com fins lucrativos – se acaba por oferecer uma plataforma para esses mesmos veículos de comunicação corporativos em momentos jornalísticos de tamanha importância?

A entrevista foi iniciada com um tom relativamente sério, porém, extremamente amigável. No primeiro bloco, foram feitas diversas perguntas relevantes, como: por que o grande aliado de Temer, Romero Jucá, comprometido pelas gravações de Sérgio Machado, se tornará líder do governo no Senado e se são verdadeiras as alegações de que Temer recebeu R$ 10 milhões da Odebrecht em doações de campanha ilegais. Ainda assim, não foram realizadas perguntas complementares após as respostas do presidente, nenhum pedido de esclarecimento foi feito sobre as perguntas que foram descaradamente evadidas e muito pouco esforço foi colocado na elucidação das diversas contradições e alegações infundadas de Temer. Essa foi a parte boa da entrevista.

 

A PARTIR DAÍ, O ENCONTRO decaiu para um nível tão fútil e constrangedor que foi preciso assistir à entrevista diversas vezes para crer no que os olhos viam. Com o passar dos minutos, ficava cada vez mais claro que o político e os jornalistas, que evidentemente o adoram, se inclinavam a um terno abraço coletivo. Quando a entrevista chegou ao terceiro bloco, já estavam todos gargalhando e rindo com considerável pujança das piadas insossas do presidente, como fazem empregados de baixo escalão na primeira semana de emprego para agradar o patrão. Assistindo à entrevista, era possível se sentir como uma mosca na parede de um coquetel de gala da família real, onde os convidados de honra – não completamente bêbados, mas relaxando à medida que incrementavam o nível etílico com taças e mais taças do mais requintado Chardonnay – exploravam os limites da decência no comportamento social.

No quarto e último bloco, as estrelas da mídia pareciam tão cansadas de manter a máscara jornalística, que optaram por deixá-la cair, libertando-se completamente. Ao fim do caloroso bate-papo, o grupo fofocava com o presidente sobre seu palácio preferido, seu estilo antiquado de oratória que lhe confere um charme invejável, o primeiro encontro com a esposa Marcela e como se apaixonou por aquela que viria a ser mãe de seu filho, e seus ousados planos para o mundo literário.

Por pouco, Temer não perdeu o contato com Marcela, sua atual mulher, depois de tê-la conhecido. É o q ele conta no Roda Viva, logo mais.

 
 

Se um desavisado começasse a assistir à entrevista sem saber quem é Temer, poderia facilmente achar que o entrevistado era um vovô simpático, famoso por suas melodias delicadas de Bossa Nova, em vez do líder político profundamente impopular que chegou à presidência através do controverso impedimento de uma presidente eleita democraticamente, que milhões de brasileiros consideram um golpe, e diversas instituições e líderes de todo o mundo considerem um ataque à democracia.

 

COMO RESULTADO DA CONVERSA FIADA, inúmeras questões cruciais foram ignoradas. Os jornalistas perguntaram diversas vezes a Temer se ele pretendia concorrer à eleição em 2018, mas ignoraram – como a mídia dominante sempre faz – o fato inconveniente de que o TRE o declarou “ficha suja”. Embora tenham mencionado Serra quando falaram dos problemas da Venezuela, não demonstraram interesse no depoimento de Odebrecht, em que o Ministro das Relações Exteriores de Temer é acusado de receber R$ 23 milhões em um banco suíço, uma vez que o assunto não foi mencionado. A confissão recente de Temer a banqueiros internacionais em Nova York, de que o impeachment foi motivado por Dilma se recusar a aceitar as reformas econômicas propostas pelo PMDB, também foi completamente ignorada (acompanhando o completo descaso da mídia perante essa importante revelação).

O fato de que a maioria do país rejeita Temer e deseja seu impeachment foi algo que também escapou ao julgamento dos jornalistas. Embora o atual colapso financeiro do Rio de Janeiro tenha sido mencionado, isso serviu apenas para perguntar a Temer qual é seu plano para salvar os cariocas, ignorando o fato de que foi seu partido que governou tanto o estado quanto a cidade nos últimos anos. Os jornalistas tampouco encontraram tempo para perguntar ao presidente sobre o consenso entre economistas ocidentais que acreditam que o caminho mais perigoso que pode ser tomado por um país enfrentando crescimento econômico baixo ou negativo é a austeridade: exatamente o que está sendo imposto por Temer.

Mesmo que a entrevista tenha sido trágica, o que se seguiu conseguiu superá-la nesse quesito. Em uma transmissão ao vivo pelo Facebook, todos os jornalistas elogiaram e parabenizaram uns aos outros pelo excelente trabalho, como se comemorassem a vitória de seu time do coração. No meio da celebração da conquista do campeonato, o próprio Temer, sorrindo como pinto no lixo, olhando direto para a câmera, ofereceu ao público da rede social uma das poucas declarações honestas do encontro: “Eu cumprimento vocês por mais essa propaganda.” Arrancando, mais uma vez, gargalhadas subservientes de seus subalternos jornalistas.

No começo do ano, a respeitada organização Repórteres Sem Fronteiras rebaixou o Brasil para a 104ª posição em seu ranking de liberdade de imprensa – atrás de países como Chile, Argentina, El Salvador, Nicarágua, Peru e Panamá – em parte, porque a mídia dominante é controlada por um número ínfimo de famílias extremamente ricas, além de serem usados para fins de propaganda e ativismo político, em vez de jornalismo. Fora a reconstituição dramática com ares de novela das oito das gravações de Lula e Dilma, a palhaçada vergonhosa que foi transmitida ontem à noite foi a caracterização mais fiel, e lamentável, dessa triste dinâmica até o momento.

 

 

 

 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

24 Comentários

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  1. Vergonha nacional

    Estão chamando todos nós de idiotas deste 2013. Eles acham que do lado de cá só há imbecis, parvos e afins. É impressionante que seja preciso um jornalista de fora denunciar esses idiotas e a própria imprensa séria não tenha espaço nessa joça chamada de país.

    1. eles têm razão

      Olha , por tudo que aconteceu , pela classe média que foi às manifestações de rua pedir o impeachment pelo fim da corrupção , e agora , diante de tudo que está acontecendo não há manifestação alguma – exceto pelos estudantes que ocuparam as escolas e são chamados de baderneiros pela grande mídia – por tudo isso eu temo que eles – os jornalistas marrons – estejam com a razão em achar que tudo mundo é idiota . 

  2. Nunca um jornalista desceu

    Nunca um jornalista desceu tanto ao inferno da degradação humana como Ricardo Noblat.O mais medíocre de todos que atuam na velha mídia.Tem seu habitat no esgoto da política e tudo que ele produz de podre,imundo e fétido.Usa dos instrumentos das intrigas,das fofoca,das transinhas e da malidicencia,jogando uns contra os outros.Sua senhora esposa está envolvida em um nebuloso caso de corrupção no Ministério da Colonização e Reforma Agrária,então chefiado por Raul Julgmann,hoje na Defesa,que dormita em uma das gavetas do Supremo,por certo atendendo pressões da Rede Globo.Tosco,rude ignorante,ignorante,envergonha o jornalismo tupiniquim,com suas perguntas ridículas,cretinas,capciosas.O maior sabujo do antro que o emprega,desprovido de caráter e decência para fazer valer sua condição de capadadocio na sua forma mais vil.Nassif há algum tempo em resposta a uma cretinice que Noblat lhe fez a soldo,o liquidou de forma tão humilhante,que nem sequer lhe respondeu.Noblat é uma daquelas figuras bizarras,que serve appenas e nada mais,para de forma emblemática,mensurar até que ponto pode chegar um ser humano na escala da degradação humana.Seu comportamento nas perguntas feitas a Temer mostra de forma incontestável,que jornalista nunca foi,apenas um cretino,um leviano,um palhaço que provocou risos com suas perguntas pateticas.Um ser repugnante.

  3. Então a esposa do Temer é uma senhora elegante e quase bonita?

    Então a esposa do Michel Temer é um senhor elegante e quase bonito também?

    Quer dizer que o próprio Temer chamou a ‘entrevista’ de propaganda?

    Bonito para a cara desses jornalixtas.

  4. Ainda bem que não perdi meu

    Ainda bem que não perdi meu tempo para assistir isso. Mas, ao ler as críticas, nem são bem uma crítica já que não houve conteúdo, fiquei pensando na tristeza e no deserto de idéias que nos cerca. Não sei que tipo de jornalismo é esse: se jornalismo Alfredo, o mordomo suberseviente que traz o papel higiênico na bandeja para seu amo, ou se jornalismo corcunda, o auxiliar apaixonado do drácula, o mestre da cegueira.

  5. O esperado

    O roteiro do convescote pré ensaiado foi cumprido a risca. Foi um “levanta a bola que eu corto” constrangedor.

    É impressionante como a política e a economia do nosso país estão dominadas por uma agenda de interesses exógenos e escusos, tendo como executores grande parte de nossa elite econômica, garantidos pelos verdadeiros aparelhadores do Estado, o PSDB/PMDB/DEM (mais a bancada “evanjegue” espalhada em vários partidos) e seus concurseiros “classe média/alta” incrustrados nos cargos mais altos do aparelho estatal. No “suporte intelectual” a grande mídia faz, como sempre fez, o papel de dar alguma lógica, ainda que mentirosa, ao processo político/econômico em curso e vender o embuste como a “boa nova” a ser espalhada entre os brasileiros “padrão Globo/FIFA” com seus temores oriundos da guerra fria, a qual foi ressuscitada quase que exclusivamente no Brasil.

    Ao menos reconheço que o trabalho de destruição está sendo tão bem feito, que levaremos décadas até consertar os estragos, principalmente os econômicos…

    Um abraço.

    1. E os estragos econômicos

      E os estragos econômicos levarão a estragos sociais ainda mais terríveis do que os de hoje. Na minha pobre área, a da educação e cultura, preveja-se o que haverá em 20 anos de congelamento. Sem falar nos campos da saúde, da habitação, da segurança… Todas as áreas se relacionam.

      Abraços.

  6. Deve ser o que chamam de

    Deve ser o que chamam de vergonha alheia. Mas o curioso é que jornalixas como esses estão se lixando. É a famosa cara de pau.

  7. Alguém poderia informar

    Alguém poderia informar quantas vezes o Lula ou a Dilma participaram do programa roda-viva nos seus mandatos?

    Obrigado.

     

     

     

    1. fo….

      Roda Viva, o melhor programa de entrevistas sérias durante a Ditadura, época em que foi criado. Nada como um dia após o outro. No que se tranformou?!!! 

      1. Zé Sérgio

        Concordo v/ vc Ze Sérgio. Eu não o perdia de modo algum. Fora os infantis. Mas …. O PSDB não gosta de Cultura e nós sabemos do que gosta , né ?

  8. O mundo está vendo.

    O governo golpista é um cupinzal eleito por essa corja que o entrevista. A foto e o filme da entrevista são documento importante de prova quando esse bando for acusado conforme o art. 288 do Codigo Penal. 

    A formação de quadrilha é explícita e evidente. 

    O Plim PIG é um partido político (conforme declaração dessa triste senhora da foto), fora da lei e golpista. 

     

  9. Tucanhede disse que Temer

    Tucanhede disse que Temer entende de romance, ri ri ri. Não duvido que ela tenha sido sincera, por dinheiro essa aí faz qualquer coisa.

  10. O temerário ainda abusa,

    O temerário ainda abusa, continuou a entrevista com Josias da FSP. Para relembrar, canto para essa turma nefasta, especialmente para Padilha e Jucá:

     Ai ai Johnny, ai ai Alfredo, Quem é da nossa gangue, Não tem medo.

  11. Dor de cotovelo.

    A Globo deve estar morrendo de inveja. Afinal, ela é a emissora oficial do golpe.

    Uma edição especial do JN já deve estar no forno……

  12. Admiro voces

    Eu  admiro voces,  jornalistas que pela necessidade do oficio, tem que assistir e ler o que esses pseudo jornalistas fazem.

    Voces merecem ganhar bem!!!

    Ei já desisti lá se vão anos.

    Parabens ao Glenn, Nassif, Brito, Altamiro, PHA, Paulo Nogueira, Azenha, Rodrigo e muito outros. 

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