A resistência das ONGs nos antigos casarões no Centro do Rio

Assistindo mais uma vez ao vídeo do evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas” na Casa das Pretas, na rua dos Inválidos, de onde Marielle Franco desceu as escadas para ser executada, tive a percepção de que a ocupação legal dos antigos sobrados localizados no Centro do Rio, são fundamentais para a resistência das populações consideradas periféricas.

O Centro do Rio é estrategicamente viável por ter sido o palco das grandes transformações no curso da história, como o Cais do Valongo, porta de entrada para mais de 500 mil africanos, que foram trazidos como escravos para o Brasil. E são os pretos, os pobres e periféricos que têm maior representatividade dentro das Organizações não governamentais com sede no Centro.

Uma dessas ONGs é a Casa do Menor Trabalhador, Fundada em 1969, sob os auspícios da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – FEBEM, que tinha sua sede na região da Central do Brasil, no Rio de Janeiro.  A Instituição foi idealizada por funcionários da FEBEM, para prevenir que meninos em situação de risco social ficassem desocupados depois e antes do período escolar.

A Casa do Menor Trabalhador, apesar de ter sido concebida com orientação pública assistencialista, sempre teve gestão privada. A única contribuição do Estado foi a concessão, por Termo de Comodato, do prédio onde a CMT se estabeleceu. 

Para tanto, criaram o Projeto Menino Engraxate e Menino Jornaleiro. Através de convênios, fixaram cadeiras de engraxates em pontos comerciais onde os meninos faziam rodízio; Os jornaleiros vendiam jornais em postos de gasolina e sinais de trânsito. Para ingressar na CMT era necessário estar matriculado na escola. O serviço social acompanhava o desenvolvimento escolar através dos boletins atualizados. 

De 1977 em diante, a CMT incorporou cursos profissionalizantes à sua grade proporcionando oportunidade também para as meninas. A partir da década de 1990, tornou-se célula do CAMP – Círculo dos Amigos do Menino Patrulheiro, um curso para adolescentes até 18 anos, similar ao Jovem Aprendiz, de hoje. O CAMP Mangueira está em atividade.

Com a entrada do novo milênio, a Casa do Menor Trabalhador instalou um laboratório de informática passando a ministrar cursos para os alunos do CAMP e aberto para a comunidade, incluindo a terceira idade.  Os projetos dos meninos jornaleiros e engraxates foram encerrados em 1997.

Assinou convênio de Apoio Alimentar com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social – SMDS; Com a Fundação Para a Infância e Adolescência – FIA, que pagava per-capita para manter os alunos na Instituição; Com o Ministério do Esporte e Ministério da Educação, no Projeto Segundo Tempo; Com o Rotary Clube Rio de Janeiro, que financiou o curso de panificação –  Projeto A Massa que faz o pão

A CMT criou parcerias com diversas empresas que contratavam os Jovens em situação de Aprendizagem, muitos eram contratados em definitivo. 

A instituição, que foi fundada em 1969, encerrou suas atividades em 2017, mas já vinha ‘se arrastando’ desde 2012. Por lá passaram jovens que se tornaram esportistas, artistas, cantores, juízes, prefeitos.  

Entre os motivos que fizeram com que a CMT declinasse, está o fato de que a prefeitura e o estado encerraram vários convênios com diversas ONGs, grandes empresas como a Fundação Bradesco, aderiram ao social criando oportunidades atrativas e – caiu aqui– o imóvel de 1911 precisava de uma reforma estrutural e o próprio nome da instituição, com a nova contextualização, aproximava o menor do trabalho, além da palavra menor ser atribuída aos iniciantes no tráfico. 

A Casa do Menor Trabalhador está na história da cidade, atravessou períodos do AI-5 à anistia; A redemocratização; Governos autoritários e populares. 

Em ação judicial de 2001, movida pelo Rio Previdência – uma autarquia estadual, a CMT foi notificada que o prazo de Comodato havia se encerrado e que haviam débitos referentes a aluguéis durante esse período, sendo que nenhuma cobrança tivesse chegado. Como o valor era impagável, a instituição recorreu. 

O Estado está certo em cobrar aluguéis de seus imóveis, mas desprezou toda uma história que, inclusive, nasceu de seus servidores. Uma ação de despejo teve efeito em junho de 2017 e o imóvel teve suas portas cerradas. 

O telejornal da Rede Globo, RJTV, em uma edição no início de setembro deste ano, apresentou matéria sobre os imóveis pertencentes ao Estado que não pagam aluguel.  

O Imóvel da rua Senador Pompeu 200 apareceu na matéria. A Casa do Menor Trabalhador, que tanto atuou pelo bem-estar social, foi despejada para que o imóvel fosse invadido por moradores em situação de rua, que transformaram o lugar no folclórico ‘cabeça de porco’, nome que se dá a um cortiço coletivo e insalubre. 

O Palácio das ONGs – PALONG, localizado no antigo prédio da Legião Brasileira de Assistência – LBA, no Centro do Rio, que abriga 32 instituições, foi alvo de ação movida pelo Ministério do Planejamento, em 2012, que pediu a desocupação do local.

Voltando ao Casarão da rua dos Inválidos, na Casa das Pretas, em uma noite de diálogo, de socialização, de preservação e valorização cultural, de empoderamento feminino e de busca por alternativas, Marielle encerrou o encontro dizendo: “Vamos ocupar tudo”! Depois silenciaram sua voz contra a incessante chegada de navios ao Valongo.

Ricardo Mezavila, escritor, pós-graduado em ciência política, com atuação nos movimentos sociais no Rio de Janeiro.

Redação

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