De repente, um repente.

Uma das coisas mais complexas de ser um ser sensorial e intenso (que tenho!), é experimentar toda a batelada de emoções que aparecem, vez ou outra, em cascata e, assim como uma cascata, tem hora que é bom, tem hora que não dá vontade nem de molhar o pézinho.

Dá pra perder o chão e achar que aquilo é condição. Vale lembrar que é sintoma. Não é o chão que se perde porque a cabeça não sabe o que fazer, é a cabeça trabalhando no ritmo do trauma justamente porque nossa natureza é de amor e possibilidade e, puramente para proteção, arruma escape rápido e profundo pra situação incompreensível e dolorida. Ai.

Para a psicossíntese de Roberto Assagioli, nas palavras de uma mulher que é uma das energias de cura mais potentes que conheço – preces siempre por ti, Maria Beatriz da Silva Mattos, “a psicanálise é uma psicologia do profundo, em um sentido descendente e deixa de lado aspectos da pisque humana que não necessitam ser CURADOS, bem como não considera diferentes níveis psíquicos. Haveria um nível superior da consciência, o supraconsciente comparado a um sótão iluminado

(…) com amplos terraços, onde se recebem os raios vivificantes do sol, e à noite se pode contemplar as estrelas (ASSAGIOLI, 1963-1, p.04).

Começou a desenvolver-se uma Psicologia do alto, ou do espírito humano, que se ocupou das experiências de pico (ou de cume) estudadas por Maslow, mas também dos valores éticos, do senso de justiça, do amor e do significado da vida, aspectos extremamente importantes para a psicossíntese.” // vale cada página o livro da Bia e, na vida prática, se interessante for, procurar terapeutas que considerem a psicossíntese como possível.

Dá, também, pra se organizar minimante e desfrutar desses momentos/períodos e criar. Perceber a beleza e a delícia sensorial desse sótão avarandado (parece um lugar que desenhei com lápis de cor) e anotar, colorir, cantar, artear. Sentir e expressar, nossa senhora das lágrimas que existem em mim, transbordem. Tanto fica no rascunho, alguns crivados pelo bom senso e outros terraplanados pela autocrítica exacerbada mas, repito, vale pesquisar outras referências. Lorene, minha querida, também comenta sobre os passeios entre aqui e acolá, a criatividade atuando como experiência recordada, forçada – não aceite sua primeira resposta, espere, passeie. Sinta e flua. Flutua (e deve ser de esperar e aceitar o movimento que vive a leveza).

Cuidar-se a ponto de conhecer-se, com aceitação e movimento, como ser possível. Ô, delícia. Desenvolver outras aptidões, ampliar-se em possibilidade. Dá muito bem pra ser, dá sim, mas há de caminhar então no sentido de crescer em valores éticos, no senso de justiça, no amor e no significado da vida. Talvez a gente não caiba na norma porque a norma é esquisita, gente, olha o nível do presidente da república e atente ao fato de que enorme parte de seus eleitores não se arrependeu e, fora uma enorme parte ignorante, sim, que sofre em consequência do não conhecimento, tem muita, mas muita gente retrógrada. 

É um enorme momento, também, para nos percebermos e nos comprometermos, diariamente, com a transformação desse status quo. Mudando na gente o machismo, o racismo, a homofobia; ensinando nossos filhos a fazer diferente, mesmo que tenhamos passado uma vida praticando péssimos hábitos, ao mesmo tempo em que nos modificamos; cultivando e estimulando no mundo uma atitude mais criativa mesmo, menos romanceada – falácias do machismo na prática, liberdade poética em verso, prosa, poesia… não dá pra viver sem nenhum romance meu povo, que seja o artístico, nu, aberto, tolerante, porque é preciso nesses tempos de bizarrices coletivas ainda mais, todo dia mais, senão estamos perdidos todos, se não é que já estejamos, enfim.

(e sim, eu insisto em poetizar: a vida, os medos, as sensações. mesmo que não seja de fato bom, serve de registro histórico, como bem explanou aquela indígena JanaÚ ela que, em breve, volta pra terra da rinite até pra quem não tem, haja água!).

Aqui, do meu caderno de rascunho para a possibilidade que é viver em si, ampla e coletivamente, um pequeno passeio pelo sótão dos meus pesares, palavras em ordem poética.

ASPECTO
Ubatuba/2019

arruma isso, sá moça!
– pinta parede, ajusta janela, coloca maçaneta na porta

tá bom assim?
…ainda não, não vê?

arruma isso, sá moça!
– cria a menina pra ser boa, dá o que tem e o que não tem (de melhor) e se não tem o que dar, corre atrás pra inventar

tá bom assim?
…ainda não, não vê?

arruma isso, sá moça!
– vai ganhar dinheiro pra ter aquilo que não tem nem vontade, se mata trancada no ar(tificial) e nem pensa em passear

tá bom assim?
…ainda não, não vê?

arruma isso, sá moça!
– estica a saia, cobre esse peito, não desenha mais no corpo, dançar só pode valsa

tá bom assim?
…ainda não, não vê?

arruma isso sá moça!
– modela pensamento, esquece sentimento e chama isso de viver

tá bom assim?
…ainda não, não vê?

arruma isso, sá moça!
– gosta, mas nem tanto, cuida, mas sem muito carinho, faz, mas pela metade que você é muita coisa pra existir assim, de uma vez só

tá bom assim?
não.

enquanto a pergunta for pro coro, silêncio algum faz resposta piar.

Mariana A. Nassif

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