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Lista de Livros: Fenomenologia do Espírito (V. II, P. I), de G. W. F. Hegel

Lista de Livros: Fenomenologia do Espírito (Volume 2, Parte I), de Georg Wilhelm Friedrich Hegel

Editora: Vozes

ISBN: 85-326-0772-1

Tradução: Paulo Meneses

Opinião: bom

Sinopse: Ver Parte I

“A razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva à verdade, e quando é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como de si mesma. O vir a ser do espírito, mostrou-o o movimento imediatamente anterior, no qual o objeto da consciência – a categoria pura – se elevou ao conceito da razão.”

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“Essa determinação, ainda abstrata, que constitui a Coisa mesma, é só a essência espiritual; e sua consciência é um saber formal a seu respeito, vagueando em torno do conteúdo diversificado dessa essência. De fato, essa consciência difere ainda da substância como algo singular; ora estatui leis arbitrárias, ora acredita ter em seu saber as leis tais quais são em si e para si; e se tem como potência que as julga. Ou então, considerada do lado da substância, é a essência espiritual em-si e para-si-essente que ainda não é a consciência de si mesma. Entretanto, a essência em-si-e-para-si-essente, que ao mesmo tempo é para si efetiva como consciência, e que se representa a si mesma para si, é o espírito.

Sua essência espiritual já foi designada como substância ética; o espírito, porém, é a efetividade ética. O espírito é o Si da consciência efetiva, à qual o espírito se contrapõe, – ou melhor, que se contrapõe a si mesma, – como mundo efetivo objetivo. Mas esse mundo perdeu também para o Si toda a significação de algo estranho, assim como o Si perdeu toda a significação de um ser-para-si separado do mundo, – fosse dependente ou independente dele. O espírito é a substância e a essência universal, igual a si mesma e permanente: o inabalável e irredutível fundamento e ponto de partida do agir de todos, seu fim e sua meto, como também o Em-si pensado de toda a consciência-de-si.

Essa substância é igualmente a obra universal que, mediante o agir de todos e de cada um, se engendra como sua unidade e igualdade, pois ela é o ser-para-si, o Si, o agir. Como substância, o espírito é igualdade-consigo-mesmo, justa e imutável; mas como ser-para-si, é a essência que se dissolveu, a essência bondosa que se sacrifica. Nela cada um executa sua própria obra, despedaça o ser universal e dele toma para si sua parte. Tal dissolução e singularização da essência é precisamente o momento do agir e do Si de todos. E o movimento e a alma da substância, e a essência universal efetuada. Ora, justamente por isso – porque é o ser dissolvido no Si – não é a essência morta, mas a essência efetiva e viva.

Por conseguinte, o espírito é a essência absoluta real que a si mesma se sustém. São abstrações suas, todas as figuras da consciência até aqui consideradas; elas consistem em que o espírito se analisa, distingue seus momentos, e se demora nos momentos singulares. Esse ato de isolar tais momentos tem o espírito por pressuposto e por subsistência; ou seja, só existe no espírito, que é a existência. Assim isolados, têm a aparência de serem, como tais: mas são apenas momentos ou grandezas evanescentes, como mostrou sua processão e retorno a seu fundamento e essência; essência que é justamente esse movimento de dissolução desses momentos.

Aqui, onde se põe o espírito, – ou a reflexão dos momentos sobre si mesmos, – pode nossa reflexão a seu respeito recordar brevemente que, por esse lado, eram eles: consciência, consciência-de-si e razão. [1] O espírito é, pois, consciência em geral, – que em si compreende certeza sensível, percepção e o entendimento, – quando na análise de si mesmo retém o momento segundo o qual é a efetividade essente objetiva, e abstrai de que essa efetividade seja seu próprio ser-para-si. [2[ Ao contrário, quando fixa o outro momento da análise, segundo o qual seu objeto é seu ser-para-si, então o espírito é consciência-de-si. [3] Mas, como consciência imediata do ser-em-si-e-para-si, -como unidade da consciência e da consciência-de-si, – o espírito é a consciência que tem razão; que, como o ter indica, possui o objeto como determinado em si racionalmente, ou seja, pelo valor da categoria; porém de tal modo que o objeto ainda não tem para a consciência o valor da categoria. O espírito é a consciência tal como acabamos de considerar. [4] Essa razão, que o espírito tem, é enfim intuída por ele como razão que é; ou como a razão que no espírito é efetiva, e que é seu mundo, assim o espírito é em sua verdade; ele é o espírito, é a essência ética efetiva.

O espírito é a vida ética de um povo, enquanto é a verdade imediata: o indivíduo que é um mundo. O espírito deve avançar até à consciência do que ele é imediatamente; deve suprassumir a bela vida ética, e atingir, através de uma série de figuras, o saber de si mesmo. São figuras, porém, que diferem das anteriores por serem os espíritos reais, efetividades propriamente ditas; e serem em vez de figuras apenas da consciência, figuras de um mundo.

O mundo ético vivo é o espírito em sua verdade; assim que o espírito chega ao saber abstrato de sua essência, a eticidade decai na universalidade formal do direito. O espírito, doravante cindido em si mesmo, inscreve em seu elemento objetivo, como em uma efetividade rígida, um dos seus mundos – o reino da cultura – e, em contraste com ele, no elemento do pensamento, o mundo da fé – o reino da essência.

No entanto, os dois mundos, apreendidos pelo espírito, que dessa perda retorna a si mesmo – apreendidos pelo conceito – são embaralhados e revolucionados pela pura inteligência e por sua difusão, o iluminismo. O reino dividido e distendido entre o aquém e o além retorna à consciência-de-si, que agora na moralidade se apreende como essencialidade, e apreende a essência como Si efetivo. Já não coloca fora de si seu mundo e o fundamento dele, mas faz que dentro de si tudo se extinga; e, como boa-consciência, é o espírito certo de si mesmo.

443 O mundo ético, – o mundo cindido entre o aquém e o além – bem como a cosmovisão moral – são assim os espíritos, cujo movimento e retorno ao simples Si para-si-essente do espírito vai desenvolver-se. Surgirá, como meta e resultado deles, a consciência-de-si efetiva do espírito absoluto.”

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“A efetividade, pois, guarda oculto nela o outro lado, estranho ao saber, e não se mostra à consciência tal como é em si e para si. Ao filho, o pai não se mostra no ofensor que ele fere, nem a mãe na rainha que toma por esposa. Desse modo, está à espreita da consciência-de-si ética uma potência avessa-à-luz que, quando o fato ocorreu, irrompe, e a colhe em flagrante. Com efeito, o ato consumado é a oposição suprassumida do Si que-sabe e da efetividade que se lhe contrapõe. Quem opera, Édipo, não pode renegar o delito e sua culpa. O ato é isto: mover o imóvel, e produzir o que antes só estava encerrado na possibilidade; e com isso, unir o inconsciente ao consciente, o não-essente ao ser. Nessa verdade, o ato surge assim à luz do dia, – como algo em que está unido um elemento consciente a um inconsciente, o próprio a um estranho: como a essência dividida; a consciência lhe experimenta o outro lado, e o experimenta também como lado seu, mas como potência violada por ela e feita sua inimiga.

470 Pode ser que o direito, que se mantinha à espreita, não esteja presente para a consciência operante em sua figura peculiar; mas somente esteja em si, na culpa interior da decisão e do operar. Porém a consciência ética é mais completa, sua culpa mais pura, quando conhece antecipadamente a lei e a potência que se lhe opõem, quando as toma por violência e injustiça, por uma contingência ética; e como Antígona, comete o delito sabendo o que faz.

O ato consumado inverte o ponto de vista da consciência; a implementação enuncia, por si mesma, que o que é ético deve ser efetivo, pois a efetividade do fim é o fim do agir. O agir enuncia justamente a unidade da efetividade e da substância; que a efetividade não é contingente para a essência, mas que, em união com ela, não é assignada a nenhum direito que não seja o direito verdadeiro. Devido a essa efetividade, e em virtude do seu agir, a consciência ética deve reconhecer seu oposto como efetividade sua; deve reconhecer sua culpa: “Porque sofremos, reconhecemos ter errado” [Sófocles, ANTÍGONA, V, 926].

471 Esse reconhecer exprime a cisão suprassumida do fim ético e da efetividade; exprime o retorno à disposição ética, que sabe nada ter valor a não ser o justo. Desse modo, porém, a ação abandona seu caráter e a efetividade do seu Si, e foi à ruína. Seu ser consiste nisto: em pertencer à sua lei ética como à sua substância. Ora, no reconhecer do oposto, deixou essa lei de ser sua substância; e em lugar de sua efetividade, o que alcançou foi a inefetividade, a disposição.”

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“477 (…) Nós vimos as potências e as figuras do mundo ético naufragarem na necessidade simples do destino vazio. Essa potência do mundo ético é a substância refletindo-se em sua simplicidade; porém a essência absoluta que reflete sobre si mesma – justamente aquela necessidade do destino vazio – não é outra coisa que o Eu da consciência-de-si.

478 Esse Eu, por isso, agora tem valor como essência em si e para si essente. Esse Ser-reconhecido é sua substancialidade, que por sua vez é a universalidade abstrata, pois seu conteúdo é esse Si rígido, e não o Si que se dissolveu na substância.

479 Assim, a personalidade saiu, nessa altura, da vida da substância ética: é a independência, efetivamente em vigor, da consciência. O pensamento inefetivo da independência, que vem-a-ser para si mediante a renúncia à efetividade, foi anteriormente encontrado como consciência-de-si estoica. Como ela procedia da dominação e Servidão, entendida como ser-aí imediato da consciência-de-si, assim também a personalidade provinha do espírito imediato, que é a vontade universal dominadora de todos, e igualmente sua obediência servidora.”

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“Mas aquele espírito, cujo Si é o absolutamente discreto, tem seu conteúdo como uma efetividade igualmente rígida, frente a ele; e o mundo tem aqui a determinação de ser algo exterior, o negativo da consciência de si. Contudo, esse mundo é essência espiritual, é em si a compenetração do ser e da individualidade. Seu ser-aí é a obra da consciência de si, mas é igualmente uma efetividade imediatamente presente, e estranha a ela; tem um ser peculiar e a consciência de si ali não se reconhece.

Esse mundo é a essência exterior e o livre conteúdo do direito; mas essa efetividade exterior, que o senhor do mundo do direito abrange dentro de si, não é só essa essência elementar que está presente, de maneira contingente, ao Si; mas é seu trabalho, – não trabalho positivo, e sim negativo. Adquire seu ser-aí pela própria extrusão e desessenciamento da consciência-de-si, que na devastação imperante no mundo do direito parece impor-lhe a violência externa dos elementos desencadeados. Esses elementos são, para si, somente o puro devastar e a dissolução deles mesmos; e contudo, essa dissolução – essa sua essência negativa – é precisamente o Si: que é seu sujeito, seu agir e vir-a-ser. Ora, esse agir e vir-a-ser, mediante os quais a substância se torna efetiva, é a alienação da personalidade; com efeito, o Si vigente em si e para si, imediatamente, isto é, sem alienação, é um Si sem substância, e joguete daqueles elementos tumultuosos. Sua substância, é pois, sua extrusão mesma, e a extrusão é a substância, – ou seja, as potências espirituais que se ordenam para constituírem um mundo e por isso se mantêm.

485 A substância, dessa maneira, é espírito, unidade consciente-de-si do Si e da essência; mas os dois têm também, um para o outro, o significado da alienação. O espírito é consciência de uma efetividade objetiva e livre para si. Contrapõe-se porém a essa consciência aquela unidade do Si e da essência; – à consciência efetiva se contrapõe a consciência pura.

De um lado, graças a sua extrusão, a consciência-de-si efetiva passa ao mundo efetivo; e vice-versa, o mundo efetivo a ela. Mas, de outro lado, suprassume-se justamente essa efetividade, – tanto a pessoa quanto a objetividade: elas são assim puramente universais. Essa sua alienação é a consciência pura ou a essência. A presença tem imediatamente a oposição em seu além, que é seu pensar e ser-pensado; como o além tem seu oposto no aquém, que é sua efetividade, alienada dele.

486 Portanto, esse espírito não constrói para si apenas um mundo mas um mundo duplo, separado e oposto. O mundo do espírito ético é sua própria presença; e por isso cada potência dele está nessa unidade, e na medida em que as duas potências se distinguem, está em equilíbrio com o todo. Nada tem ali a significação de um negativo da consciência-de-si; mesmo o espírito que partiu está presente no sangue dos parentes, no Si da família; e a potência universal do Governo é a vontade, o Si do povo.

Aqui porém o presente significa apenas uma efetividade puramente objetiva, que tem sua consciência além. Cada momento singular, como essência, recebe de um Outro essa consciência, e com isto a efetividade; e na medida em que é efetivo, sua essência é algo Outro que sua efetividade. Não há nada que tenha um espírito nele mesmo fundado e imanente, mas tudo está fora de si em um estranho: o equilíbrio do todo não é a unidade em si mesma permanente, ou a placidez dessa unidade em si mesma retornada, senão que repousa na alienação do seu oposto. Por conseguinte o todo, como cada momento singular, é uma realidade alienada de si mesma; ele se rompe em um reino onde a consciência-de-si é efetiva, como também seu objeto; e em outro reino, o da pura consciência, que está além do primeiro, não tem presença efetiva, mas reside na fé.

Assim como agora o mundo ético, a partir da separação entre lei divina e lei humana, e de suas figuras e sua consciência, a partir de sua separação entre saber e ignorância – retornam a seu destino, ao Si enquanto potência negativa dessa oposição, assim também vão retornar ao Si esses dois reinos do espírito alienado de si mesmo. Mas se aquele era o primeiro Si imediatamente em vigor, – a pessoa singular, – este segundo que a si retorna de sua extrusão, será o Si universal, a consciência que capta o conceito; e esses mundos espirituais, cujos momentos se afirmam todos como uma efetividade fixa e uma subsistência não-espiritual, vão dissolver-se na pura inteligência. Essa, como o Si que se aprende a si mesmo, consuma a cultura: nada apreende senão o Si, e tudo apreende como o Si, quer dizer, tudo conceitua; suprime toda a objetividade e transmuda todo o ser-em-si em um ser-para-si. Voltada contra a fé, como reino da essência estranho e situado além, é o Iluminismo. O Iluminismo leva a cabo a alienação, inclusive naquele reino onde se refugia o espírito alienado de si, como na consciência da quietude igual a si mesma. Perturba-lhe a ordem doméstica que o espírito administra no mundo da fé, introduzindo ali instrumentos do mundo do aquém, – que o espírito não pode renegar como propriedade sua, já que sua consciência igualmente lhe pertence.

Nessa tarefa negativa, a pura inteligência se realiza a si mesma, ao mesmo tempo, e produz seu objeto próprio, – a essência absoluta incognoscível e o útil. Como a efetividade perdeu assim toda a substancialidade, e nela nada mais é em si, então ruiu tanto o reino da fé quanto o do mundo real. Essa revolução produz a liberdade absoluta; com ela, o espírito, antes alienado, retornou completamente a si; abandona essa terra da cultura e passa para outra, – para a terra da consciência moral.”

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488 O espírito desse mundo é a essência espiritual, impregnada de uma consciência-de-si, que se sabe imediatamente presente como esta consciência-de-si para si essente, e que sabe a essência como uma efetividade contraposta a si. Mas o ser-aí desse mundo, como também a efetividade da consciência-de-si, descansa no movimento pelo qual a consciência-de-si se extrusa de sua personalidade e assim produz o seu mundo; frente a ele se comporta como se fosse um mundo estranho, do qual devesse agora apoderar-se. Mas a renúncia de seu ser-para-si é ela mesma a produção da efetividade, da qual assim se apodera imediatamente pela renúncia.

Em outras palavras, a consciência-de-si só é algo, só tem realidade, na medida em que se aliena a si mesma: com isso se põe como universal, e essa sua universalidade é sua vigência e efetividade. Essa igualdade com todos não é, portanto, aquela igualdade do direito; não é aquele imediato ser-reconhecido e estar-em-vigor da consciência-de-si, pelo simples fato de que ela é; mas se ela vigora, é por se ter tornado igual ao universal através da mediação alienadora. A universalidade carente-de-espírito, do direito, acolhe dentro de si e legitima qualquer modalidade do caráter como também do ser-aí; mas a universalidade que aqui vigora é a universalidade que-veio-a-ser, e que é, por isso, efetiva.

489 E portanto mediante a cultura que o indivíduo tem aqui vigência e efetividade. A verdadeira natureza originária do indivíduo, e sua substância, é o espírito da alienação do ser natural. Essa extrusão é, por isso, tanto o fim, como o ser-aí do indivíduo; é, ao mesmo tempo, o meio ou a passagem, seja da substância pensada para a efetividade, como inversamente da individualidade determinada para a essencialidade. Essa individualidade se forma para ser o que é em si, e só desse modo é em si e tem um ser-aí efetivo; tanto tem de cultura, quanto tem de efetividade e poder. Embora o Si se saiba aqui efetivo como este Si, contudo sua efetividade consiste somente no suprassumir do Si natural: a natureza determinada originária se reduz, portanto, à diferença inessencial de grandeza, a uma maior ou menor energia da vontade. Mas o fim e conteúdo da vontade pertencem unicamente à substância universal mesma e só podem ser um universal. A particularidade de uma natureza, que se torna fim e conteúdo, é algo impotente e inefetivo: é uma espécie que se esfalfa, vã e ridiculamente, para pôr-se à obra: é a contradição de atribuir ao particular a efetividade que é imediatamente o universal. Portanto, se a individualidade for posta erroneamente na particularidade da natureza e do caráter, não se encontram neste mundo real nem individualidades nem caracteres, mas indivíduos que têm um ser-aí igual, uns em relação aos outros. Aquela suposta individualidade só é justamente o ser-aí visado, que não logra estabilidade neste mundo, onde só alcança efetividade o que-se-extrusa-a-si-mesmo, e, portanto, só o universal.”

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“490 (…) O que se manifesta aqui como a força do indivíduo – que tem a substância subjugada e por isso suprassumida – é o mesmo que a efetivação da substância. Com efeito, a força do indivíduo consiste em ajustar-se à substância, quer dizer, em extrusar-se de seu si, e pôr-se assim como substância essente objetiva. A cultura e a efetividade própria do indivíduo é portanto a efetivação da substância mesma.

491 O Si só é efetivo para si como suprassumido. Portanto, o Si não constitui para ele a unidade da consciência de si mesmo e do objeto; mas o objeto é para o Si o seu negativo. Assim, mediante o Si, enquanto alma, a substância é plasmada em seus momentos, de tal modo que um oposto vivifica o outro; e cada um, através de sua alienação, dá subsistência ao outro, e dele igualmente a recebe. Ao mesmo tempo, cada momento tem sua determinidade como uma vigência imutável, e como uma firme efetividade, frente ao Outro. O pensar fixa essa diferença da maneira mais universal mediante a oposição absoluta do bom e do mau que, evitando-se mutuamente, não podem de forma alguma vir-a-ser o mesmo. Porém esse ser fixo tem por sua alma a passagem imediata ao oposto: o ser-aí é, antes, a inversão de toda a determinidade na sua oposta, e só essa alienação é a essência e o sustentáculo do todo. Resta a considerar esse movimento efetivante, e a vivificação dos momentos: a alienação se alienará a si mesma, e, através dela, o todo se recuperará em seu conceito.”

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“529 Essa pura consciência da essência absoluta é uma consciência alienada. Resta examinar mais de perto como se determina aquilo de que ela é o Outro, pois a pura consciência só deve ser examinada em conexão com esse Outro. Primeiro, essa pura consciência parece apenas ter o mundo da efetividade em contraposição consigo. Mas enquanto é fuga desse mundo – e portanto é a determinidade da oposição – tem esse mundo nela: a pura consciência á pois essencialmente alienada de si nela mesma, e a fé só constitui um de seus lados. O outro lado já surgiu ao mesmo tempo para nós. A pura consciência é justamente a reflexão a partir do mundo da cultura, de modo que a substância deste mundo, bem como as massas em que se articula, se mostram como são em si: como esencialidades espirituais, como movimentos absolutamente irrequietos, ou determinações que imediatamente se suprassumem em seu contrário. Sua essência, a consciência simples, é assim a simplicidade da diferença absoluta, que imediatamente não é diferença nenhuma. Por isso sua essência é o puro ser-para-si; não como deste singular, mas como o Si universal em si enquanto movimento irrequieto que toma de assalto e penetra a essência tranquila da Coisa. Assim, há nele a certeza que se sabe imediatamente como verdade: o puro pensar como conceito absoluto, presente na potência de sua negatividade, que elimina toda a essência objetiva – que devesse estar contraposta à consciência – e faz dela um ser da consciência.

Essa pura consciência é, ao mesmo tempo, igualmente simples, pois justamente sua diferença não é diferença nenhuma. Mas, como essa forma da simples reflexão-sobre-si, ela é o elemento da fé em que o espírito tem a determinidade da universalidade positiva, do ser-em-si em contraposição àquele ser-para-si da consciência de si. Reprimido de novo para dentro de si, a partir do mundo carente-de-essência que somente se dissolve, o espírito segundo sua verdade é, em uma unidade indivisa, tanto o movimento absoluto e a negatividade de seu aparecer, quanto sua essência satisfeita em si mesma, e sua quietude positiva [Prefácio § 47].

Entretanto, de modo geral subjazendo à determinidade da alienação, esses dois movimentos se separam um do outro como uma consciência duplicada. A primeira consciência é a pura inteligência como o processo espiritual que se concentra na consciência de si; processo que tem, frente a si, a consciência do positivo, a forma da objetividade ou do representar, e se lhe contrapõe; mas seu objeto próprio é só o puro Eu.

Inversamente, a consciência simples do positivo, ou a quieta igualdade-consigo-mesmo, tem por objeto a essência interior como essência. Portanto, a pura inteligência, de início não tem conteúdo em si mesma, porque é o ser-para-si negativo; ao contrário, pertence à fé o conteúdo sem inteligência. Se a inteligência não sai da consciência-de-si, a fé possui, na verdade, seu conteúdo igualmente no elemento da pura consciência de si; mas no pensar, não no conceituar: na pura consciência, não na pura consciência-de-si. Por isso a fé decerto é pura consciência da essência, isto é, do interior simples, e assim é pensar: – o momento-principal na natureza da fé, que é habitualmente descurado. A imediatez, com que a essência está na fé, baseia-se nisto: em que seu objeto é essência, quer dizer, puro pensamento.

Entretanto, essa imediatez, enquanto o pensar entra na consciência – ou a pura consciência entra na consciência-de-si -, adquire a significação de um ser objetivo, que se situa além da consciência-de-si. Através dessa significação, que recebe na consciência a imediatez e a simplicidade do puro pensar, é que a essência da fé decai do pensar para a representação e se torna um mundo suprassensível, que seja essencialmente um Outro da consciência de si. Inversamente, na pura inteligência, a passagem do puro pensar para a consciência, tem a determinação oposta: a objetividade possui a significação de um conteúdo, somente negativo, que se suprassume e que retorna ao ser. Quer dizer: só o Si é propriamente o objeto para si mesmo; ou seja, o objeto só tem verdade na medida em que tem a forma do Si.

530 Como a fé e a pura inteligência pertencem conjuntamente ao elemento da forma pura, as duas são também conjuntamente o retomo a partir do mundo efetivo da cultura. Apresentam-se, por isso, segundo três aspectos: 1º: cada uma delas, fora de toda a relação, é em si e para si, 2º: cada qual se refere ao mundo efetivo, oposto à pura consciência; 3º cada uma delas se refere à outra, no interior da pura consciência.

531 1º O aspecto do ser-em-si-e-para-si na consciência crente é seu objeto absoluto, cujo conteúdo e determinação já se deram a conhecer. Com efeito, segundo o conceito da fé, o objeto absoluto não é outra coisa que o mundo real elevado à universalidade da pura consciência. Portanto a articulação do mundo real também constitui a organização do mundo da fé, – só que neste último as partes em sua espiritualização não se alienam, mas são essências em si e para si essentes: são espíritos que a si retornaram e junto a si mesmos permanecem. Por conseguinte, só para nós o movimento de seu transitar é uma alienação da determinidade em que essas partes existem em sua diferença; só para nós são uma série necessária. Para a fé, ao contrário, sua diferença é uma tranquila diversidade; e seu movimento, um acontecer.

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“A pura inteligência enreda-se nessa contradição, porque se empenha na luta supondo combater algo outro. Não passa de uma suposição; pois sua essência, como negatividade absoluta, consiste em ter o ser-outro nela mesma. O conceito absoluto é a categoria; o que significa que o saber e o objeto do saber são o mesmo. Assim, o que a pura inteligência enuncia como o seu Outro, – como erro ou mentira – não pode ser outra coisa que ela mesma: só pode condenar o que ela é. O que não é racional não tem verdade; ou seja, o que não é concebido, não é. Portanto, quando a razão fala de um Outro que ela, de fato só fala de si mesma; assim não sai de si.

Por conseguinte, essa luta com o oposto assume em si a significação de ser sua própria efetivação. Essa, com efeito, consiste precisamente no movimento de desenvolver os momentos e de recuperá-los em si mesma. Uma parte desse movimento é a diferenciação, em que a inteligência conceituante se contrapõe a si mesma como objeto; enquanto se demora nesse momento, aliena-se de si mesma. Como pura inteligência, carece de qualquer conteúdo; o movimento de sua realização consiste em que ela mesma venha a ser para si como conteúdo, – já que um outro não pode tornar-se seu conteúdo, pois ela é a consciência-de-si da categoria. Mas enquanto ela no seu oposto sabe o conteúdo só como conteúdo – e não ainda como si mesma – está se desconhecendo nele. Sua implementação tem pois o sentido de reconhecer como seu o conteúdo que inicialmente para ela era objetivo. Mas assim, seu resultado não será nem restabelecimento dos erros que combate, nem apenas seu conceito primeiro, e sim uma inteligência que reconhece a absoluta negação de si mesma como sua própria efetividade, – e que a reconhece como a si mesma, ou seja, como seu conceito reconhecedor de si mesmo.”

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“574 (…) A pura inteligência, como conceito absoluto, é um diferenciar de diferenças que já não são tais; de abstrações ou puros conceitos, que já não se sustentam a si mesmos, mas que só têm apoio e diferenciação mediante o todo do movimento. Esse diferenciar do não-diferente consiste precisamente em que o conceito absoluto faz de si mesmo seu objeto, e se contrapõe como a essência àquele movimento. Por isso lhe falta o lado em que as abstrações ou diferenças se mantém-separadas-umas-das-outras e assim se torna o puro pensar como pura coisa.

Portanto é isso justamente aquele tecer do espírito dentro de si mesmo, – tecer surdo e carente-de-consciência em que afundou a fé ao perder seu conteúdo diferenciado. E ao mesmo tempo, é aquele movimento da consciência-de-si, para o qual ela deve ser o além absolutamente estranho. Com efeito, uma vez que essa pura consciência-de-si é o movimento em conceitos puros, em diferenças que não são tais, ela de fato colapsa no tecer carente-de-consciência, isto é, no puro sentir ou na pura coisidade.

Mas o conceito alienado de si mesmo, por ainda se manter aqui no nível dessa alienação, não reconhece essa igual essência dos dois lados – do movimento da consciência-de-si e de sua essência absoluta; não conhece a igual essência deles, que é de fato a substância e subsistência desses lados. E por não reconhecer essa unidade, a essência para ele só conta na forma do além objetivo; no entanto, a consciência diferenciadora, que tem dessa maneira o Em-si fora dela, conta como uma consciência finita.

575 A propósito daquela essência absoluta, o próprio Iluminismo entra consigo mesmo no conflito, que antes tinha com a fé; e divide-se em dois partidos. Um partido se comprova como vencedor somente porque se decompõe em dois partidos: pois nisso mostra possuir nele mesmo o princípio que combatia, e com isso ter suprassumido a unilateralidade em que anteriormente se apresentava. O interesse que se dividia entre ele e o outro, agora recai nele totalmente; e esquece o outro, já que encontra nele mesmo a oposição que o preocupava. Mas ao mesmo tempo, a oposição se elevou ao elemento superior vitorioso, em que se apresenta purificada. Assim que a divisão nascida em um partido, e que parece uma desgraça, se mostra antes sua fortuna.

576 A pura essência mesma não tem diferença nela; por conseguinte, a diferença lhe advém pelo fato de surgirem para a consciência duas puras essências tais; ou então, uma dupla consciência da mesma essência. A pura essência absoluta está somente no puro pensar; melhor, é o puro pensar mesmo. Assim está pura e simplesmente além do finito, da consciência-de-si, e é só a essência negativa. Mas dessa maneira é precisamente o ser, o negativo da consciência-de-si. Como negativo seu, é também relativo a ela: é o ser exterior, que referido à consciência-de-si, dentro da qual recaem as diferenças e determinações, recebe nela as diferenças de ser saboreado, visto, etc; – e a relação é a certeza sensível e a percepção.

577 Partindo-se desse ser sensível, para o qual passa necessariamente aquele além negativo, mas abstraindo desses modos determinados da relação da consciência, – resta assim a pura matéria como surdo tecer e mover dentro de si mesmo. É essencial aqui considerar que a pura matéria é só o que fica de resto se abstraímos do ver, tocar, gostar, etc O que se enxerga, apalpa e saboreia, etc, não é a matéria, e sim, a cor, uma pedra, um sal, etc. A matéria é antes a pura abstração; e desse modo está presente a pura essência do pensar, ou o puro pensar mesmo, como o absoluto sem-predicados, não diferenciado e não determinado em si.

578 Um dos Iluminismos denomina essência absoluta esse absoluto sem-predicados que está no pensar, para além da consciência efetiva e do qual se partiu; o outro, o chama matéria. Se se distinguissem como natureza e espírito ou Deus, então faltaria ao tecer carente-de-consciência dentro de si mesmo, para ser natureza, a riqueza da vida desenvolvida; e faltaria ao espírito ou Deus a consciência que em si mesma se diferencia. Os dois são pura e simplesmente o mesmo conceito, como vimos. A diferença não reside na Coisa, mas puramente apenas nos diversos pontos de partida das duas formações, e no fato de que cada uma se fixa em um ponto próprio no movimento do pensar. Se fossem mais adiante, teriam de se encontrar, e de reconhecer como o mesmo, o que para um – como ele pretende – é uma abominação; e para o outro, uma loucura.

Com efeito, para um Iluminismo a essência absoluta está em seu puro pensar; ou seja, imediatamente para a pura consciência, fora da consciência finita, está o Além negativo da mesma. Se ele refletisse em que, de uma parte, aquela imediatez simples do pensar não é outra coisa que o puro ser, e de outra parte, aquilo que é negativo para a consciência, ao mesmo tempo a ela se refere; e enfim que no juízo negativo, o “é” – a cópula – reúne os dois termos separados, então resultaria a relação desse Além na determinação de um essente exterior à consciência; e assim, como o mesmo que se chama pura matéria: e seria recuperado o momento, que falta, da presença.

O outro Iluminismo parte do ser sensível, e logo abstrai da relação sensível do gostar, do ver, etc, e faz disso o puro Em-si, a matéria absoluta, o que não é tocado nem saboreado. Desse modo, tornou-se esse ser o Simples sem-predicados, a essência da consciência pura: é o puro conceito como em si essente, ou o puro pensar dentro de si mesmo. Em sua consciência, essa inteligência não dá o passo em sentido oposto: do essente que é puramente essente, ao pensado, que é o mesmo que o puramente essente; ou seja, não dá o passo do puro Positivo ao puro Negativo. Ora, enquanto o positivo só é pura e simplesmente por meio da negação, ao invés o puramente negativo, enquanto puro, é igual a si dentro de si mesmo; e justamente por isso, é positivo.

Em outras palavras: os dois Iluminismos não chegaram ao conceito da metafísica cartesiana, de que o ser e o pensar são em si o mesmo; nem ao pensamento de que o ser, o puro ser, não é uma efetividade concreta, mas a pura abstração; e inversamente, o puro pensar, a igualdade consigo mesmo ou a essência, é por uma parte o negativo da consciência-de-si, e por conseguinte, ser; por outra parte, como simplicidade imediata, também não é outra coisa que o ser: o pensar é coisidade, ou coisidade é pensar.

579 A essência tem aqui a cisão nela de tal modo que se presta a dois tipos de considerações: por um lado, a essência deve ter nela mesma a diferença; por outro lado, os dois modos de considerar convergem, justamente nisso, em um só. Com efeito, os momentos abstratos do puro ser e do negativo, pelos quais eles se distinguem, são reunidos depois no objeto desses modos de considerar.

O universal, que lhes é comum, é a abstração do puro estremecer em si mesmo, ou do puro pensar-a-si-mesmo. Esse movimento simples de rotação deve desdobrar-se, pois ele mesmo só é movimento enquanto diferencia seus momentos. A diferenciação dos momentos deixa atrás o imóvel, como a casca vazia do puro ser, que não é mais pensar efetivo, nem vida em si mesmo: porque essa diferenciação é, enquanto diferença, todo o conteúdo. Mas, ao colocar-se fora daquela unidade, é por isso a alternância – que a si mesma não retorna – dos momentos do ser-em-si, do ser-para-um-Outro, e do ser-para-si; é a efetividade, tal como é objeto para a consciência efetiva da inteligência pura: – a utilidade.

580 A utilidade, por pior que possa parecer à fé ou à sentimentalidade, ou ainda à abstração que se denomina especulação e que se fixa o Em-si, mesmo assim é nela que a pura inteligência consuma sua realização, e é objeto para si mesma; – objeto que agora não renega mais, e que também não tem para ela o valor de vazio ou de puro Além. Com efeito, a pura inteligência, como vimos, é o próprio conceito essente, ou a pura personalidade igual a si mesma, que de tal modo se diferencia em si, que cada um dos termos distintos é, por sua vez, puro conceito, quer dizer, que é imediatamente não-diferente. É a simples consciência-de-si pura que tanto é para si quanto é em si, em uma unidade imediata.

Seu ser-em-si não é, portanto, ser permanente, mas deixa imediatamente de ser algo, em sua diferença; ora, um tal ser que imediatamente não tem firmeza, não é em si mas essencialmente para um Outro, que é a potência que o absorve. Contudo, esse segundo momento oposto ao primeiro, ao ser-em-si, desvanece tão imediatamente quanto o primeiro: ou melhor, como ser só para Outro é, antes, o desvanecer mesmo, e o que está posto é o ser-retornado-a-si-mesmo, o ser-para-si. Mas esse ser-para-si simples é, antes, como a igualdade-consigo-mesmo, um ser; ou por isso, um ser para um Outro.

O útil exprime essa natureza da pura inteligência no desdobramento de seus momentos, ou seja, exprime-a como objeto. O útil é algo subsistente em si, ou coisa; esse ser-em-si, ao mesmo tempo, é apenas puro momento; assim ele é absolutamente para um Outro, mas é tanto para um Outro somente quanto é em si. Esses momentos opostos retornaram à unidade inseparável do ser-para-si. Mas se o útil exprime bem o conceito da pura inteligência, não é, contudo, a inteligência como tal, e sim enquanto representação ou enquanto seu objeto. O útil é apenas a alternância incessante daqueles momentos, um dos quais, na verdade, é o próprio ser retornado a si mesmo, mas só como ser para si, isto é, como um momento abstrato, que aparece de um lado em contraste com os outros momentos. O útil mesmo não é a essência negativa, de ter em si esses momentos em sua oposição ao mesmo tempo indivisos sob um só e o mesmo aspecto, ou como um pensar, como são enquanto pura inteligência. Embora haja no útil o momento do ser para si, não é de modo que se sobreponha aos outros momentos – ao Em si e ao ser para outro – e por isso, seja o Si.

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