Lista de Livros: Introdução à filosofia antiga, de Antonio Djalma Braga Junior e Luís Fernando Lopes

Lista de Livros: Introdução à filosofia antiga, de Antonio Djalma Braga Junior e Luís Fernando Lopes

Editora: InterSaberes

ISBN: 978-85-4430-300-9

Opinião: bom

Páginas: 240

Sinopse: A obra pretende iniciar o leitor na história da filosofia antiga. Para isso, oferece uma análise introdutória dos principais pressupostos teóricos desenvolvidos pelos mais importantes pensadores da Antiguidade, que vai desde o nascimento da filosofia até o helenismo. Por meio deste livro, você terá uma visão geral das principais preocupações filosóficas da Antiguidade e do legado que os filósofos desse período deixaram para a humanidade.

 

1.2.5 – A invenção da vida urbana e da política

Entre todas as riquezas culturais que os gregos nos legaram, sem dúvida nenhuma a invenção da política é uma das mais importantes para a sociedade ocidental. A política surgiu em um contexto de ampliação e estruturação da vida urbana, fazendo com que as cidades se organizassem de maneira a alcançar uma funcionalidade prática baseada em ideais inéditos.

Com o florescimento do comércio e do artesanato, os gregos se depararam com a necessidade de desenvolver técnicas de fabricação de produtos e estratégias de troca e venda que tornassem os processos comerciais da época mais ágeis e eficientes. Esse fator foi determinante para a diminuição do prestígio das famílias que pertenciam à aristocracia grega e elevou o poder econômico da classe dos comerciantes.

A ascensão social de uma classe de comerciantes suplantou o poderio da elite aristocrática grega, fazendo com que essa parcela da sociedade desenvolvesse estratégias de distinção e prestígio social por intermédio das artes. Essa aristocracia passou, então, a estimular, incentivar e patrocinar o desenvolvimento às artes, às técnicas e aos conhecimentos da época, preparando, assim, o terreno para o surgimento da filosofia. Além disso, essa aglomeração nos centros urbanos exigiu do povo grego a criação de formas de organização social por meio da política, de modo que a nova classe detentora de poderio econômico – os comerciantes – pudesse também participar das decisões políticas, não mais ficando restritas apenas às grandes famílias proprietárias de terras.

Essa organização política traz alguns aspectos interessantes a serem analisados sob a ótica do surgimento da filosofia. Chaui (2000) destaca esses aspectos da seguinte maneira:

1. A ideia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma o que é melhor para si e como ela definirá suas relações internas. O aspecto legislado e regulado da cidade – da pólis – servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do mundo como um mundo racional.

2. O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste, um poeta vidente, que recebia das deusas ligadas à memória (a deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação misteriosa ou uma revelação sobrenatural, diziam aos homens quais eram as decisões dos deuses que eles deveriam obedecer. Agora, com a pólis, isto é, a cidade política, surge a palavra como direito de cada cidadão de emitir em público sua opinião, discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político como a palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer alguma coisa. A política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional, valorizou o pensamento racional e criou condições para que surgisse o discurso ou a palavra filosófica.

3. A política estimula um pensamento e um discurso que não procuram ser formulados por seitas secretas dos iniciados em mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário, ser públicos, ensinados, transmitidos, comunicados e discutidos. A ideia de um pensamento que todos podem compreender e discutir, que todos podem comunicar e transmitir, é fundamental para a Filosofia. (Chaui, 2000, p. 36-37, grifo do original)

Essas três ideias levantadas por Marilena Chaui nos ajudam a compreender como o surgimento da política está diretamente relacionado ao surgimento da filosofia, principalmente pelo fato de a política exigir do cidadão grego o desenvolvimento da prática do debate nos espaços públicos e a articulação de discursos que todos pudessem compreender, não somente os iniciados aos mistérios das divindades e musas. Um discurso claro, livre de contradições e elementos fantasiosos, característicos do discurso mítico; um discurso baseado na razão e na lógica.

Sem dúvida nenhuma, não fossem esses fatos históricos, a filosofia não teria surgido nesse período e nessa região. Isso prova que a filosofia não se origina do nada, mas surge como uma reação a uma série de fatores e acontecimentos históricos que, de certa forma, foram fundamentais para o princípio desse tipo de conhecimento.

Pudemos perceber, ao longo dessas linhas, que essas transformações fizeram com que os gregos se afastassem do pensamento mítico e aderissem ao pensamento racional filosófico.”

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“Essas características dos mitos, de impregnar a natureza de qualidades emocionais, nos permite compreender como o pensamento mítico está ligado aos anseios e aos desejos dos seres humanos, projetando nas narrativas míticas o que gostariam que acontecesse. Essa dinâmica abriu espaço para a criação de rituais como uma estratégia para que os deuses realizassem seus desejos: “o ritual é o mito tornado ação” (Aranha; Martins, 2005, p. 125). Com a função de acalmar o espírito dos homens e tranquilizá-los diante de um mundo assustador, cheio de pestes e doenças, catástrofes naturais e guerras, o mito, caracterizado por ações fantasiosas e mágicas, assegurava que o que acontecia na natureza dependia das ações ritualísticas: uma vez cumprido o ritual de maneira correta, as bênçãos dos deuses cairiam sobre eles; uma vez descumprindas tais ações, coisas ruins aconteceriam em forma de castigo pela desobediência.

Vejamos um exemplo de como isso acontece nas narrativas míticas relacionadas ao Minotauro. A mitologia nos mostra que Minos, filho do rei cretense Astérion e irmão de Sarpédon e Radamanto, clamou para si o direito de ser o sucessor de seu pai no governo de Creta. Como argumento, falou aos irmãos que essa era a vontade dos deuses, conforme se segue na passagem da obra de Junito de Souza Brandão intitulada Mitologia grega (1996, p. 61-62, grifo do original):

Minos alegou que, de direito, Creta lhe pertencia por vontade dos deuses e, para prová-lo, afirmou que estes lhe concederiam o que bem desejasse. Um dia, quando sacrificava a Posídon, solicitou ao deus que fizesse sair um touro do mar, prometendo que lhe sacrificaria, em seguida, o animal. O deus atendeu-lhe o pedido, o que valeu ao rei o poder, sem mais contestação por parte de Sarpédon e Radamanto. Minos, no entanto, dada a beleza extraordinária da rês e desejando conservar-lhe a raça, enviou-a para junto de seu rebanho, não cumprindo o prometido a Posídon. O deus, irritado, enfureceu o animal, o mesmo que Héracles matou mais tarde (ou foi Teseu?) a pedido do próprio Minos ou por ordem de Euristeu. A ira divina, todavia, não parou aí, como se verá. Minos se casou com Pasífae, filha do deus Hélio, o Sol, da qual teve vários filhos, entre os quais se destacam Glauco, Androgeu, Fedra e Ariadne. Para vingar-se mais ainda do rei perjuro, Posídon fez que a esposa de Minos concebesse uma paixão fatal e irresistível pelo touro. Sem saber como entregar-se ao animal, Pasífae recorreu às artes de Dédalo, que fabricou uma novilha de bronze tão perfeita que conseguiu enganar o animal. Pasífae colocou-se dentro do simulacro e concebeu do touro um ser monstruoso, metade homem, metade touro, o Minotauro.

Perceba, caro leitor, que o fato de Minos não realizar o ritual de sacrifício do touro entregue por Posêidon para demonstrar que os deuses estavam com o pretenso rei fez com que recebesse um castigo terrível: sua mulher concebeu um filho que era metade homem, metade touro. A história segue seu curso com a ordem de Minos a Dédalo para construir um labirinto e aprisionar a fera dentro, fazendo com que, de tempos em tempos, a fera fosse alimentada com carne humana em forma de tributo ao Rei Minos, até que Teseu libertasse o povo desse tributo matando o Minotauro com a ajuda da filha do rei, Ariadne.

Cabe destacarmos aqui que essa é uma característica de toda mitologia: acreditar que suas ações mágicas, por meio de rituais e sacrifícios, determinam o que acontece ou não na vida dos seres humanos. O ritual se transforma em uma espécie de barganha com os deuses, que, aceitando os sacrifícios, abençoam os homens. É nesse sentido que Aranha e Martins (2005) definem a função de ritual e de mito:

O ritual é a repetição dos atos executados pelos deuses no início dos tempos e que devem ser imitados e repetidos para que as forças do bem e do mal sejam mantidas sob controle. Desse modo, o ritual “atualiza”, isto é, torna atual o acontecimento sagrado que teve lugar no passado mítico.

O mito é uma primeira fala sobre o mundo, uma primeira atribuição de sentido ao mundo, sobre a qual a afetividade e a imaginação exercem grande papel e cuja função principal não é explicar a realidade, mas acomodar o ser humano ao mundo. (Aranha; Martins, 2005, p. 125, grifo do original)

Diante disso, podemos afirmar, por um lado, que os mitos têm uma função de representar essa primeira tentativa de atribuir sentido à realidade, procurando – por meio de rituais que atualizam os mistérios sagrados narrados pelos mitos – fazer com que os gregos conseguissem conviver em um mundo caótico, de incertezas e falta de conhecimento sobre a natureza. Por outro lado, esses mitos apresentam um caráter moralizante, que dita o que os homens devem ou não fazer com base em preceitos morais predeterminados nas narrações míticas.”

Redação

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