O safado

Era uma vez um país muito, muito, muito distante. Tão distante, que nem mesmo os servidores públicos conseguiam se aproximar dele.

Havia uma regra que obrigava os procuradores a agir de maneira impessoal e outra que impunha aos juízes a obrigação de proferir decisões imparciais. Mas alguns deles preferiam conspirar em segredo para prejudicar seus inimigos inocentes e para proteger seus criminosos prediletos.

Também existia uma regra que mandava o Estado respeitar a integridade física e moral dos detentos. Mas os presos eram torturados e os procuradores os chamavam de safados.

Os cidadãos tinham direito à defesa. Mas os advogados deles podiam ser agredidos moralmente em audiência, processados injustamente por crimes que não cometeram, algemados e presos no exercício da função e até grampeados ilegalmente.

Naquele país muito, muito, muito, muito distante… a Lei nunca conseguia se aproximar dos membros só Sistema de Justiça. Então eles recebiam salários acima do teto e aposentadorias abaixo da moralidade. Quando consumiam lagostas pagas pelo orçamento alguns deles reclamavam que eram obrigados a decidir milhares de processos. O fato de muitos desses processos receberem decisões injustas não lhes causava indigestão.

A distância dos servidores públicos da Lei só não era maior do que aquela que existia entre os jornalistas e a verdade factual. Os jornalistas daquele país transformavam as virtudes em vícios e os vícios em virtudes, a honestidade em crime e o crime em políticas públicas respeitáveis. Eles acusavam o povo de ser ignorante e aplaudiam a destruição das Universidades Públicas.

Outra característica interessante desse Estado muito, muito, muito, muito distante de sua própria legislação era o poder dessa imprensa mentirosa. Ao proferir sentenças, alguns juízes davam mais valor às acusações jornalísticas do que aos documentos públicos. Outros eram suficientemente audazes para dizer na TV que o Judiciário deve sempre se curvar à opinião publicada. O valor dela é sempre absoluto, o da Lei escrita é relativo. Eles raramente se sentiam tentados a cumprir e fazer cumprir uma Lei considerada impopular.

Muito, muito, muito, muito distante… a natureza era vilipendiada. Onças eram caçadas. Floretas eram incendiadas. Rios eram poluídos. Cidades eram soterradas por rejeitos industriais. As multas eram rasgadas. As vítimas eram esquecidas. Se insistissem muito elas começaram ser criminalizadas. Se fossem índios ou quilombolas elas poderiam ser exterminadas.

Juízes, procuradores, presidentes, deputados, senadores, governadores, prefeitos, vereadores, etc… eram todos safados. Mas o povo desse país muito, muito, muito, muito distante da civilização também não se safava. Ele aceitava todos os abusos cometidos contra ele e contra a legislação com uma cordialidade incompreensível.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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