Qual será a consequência da persistência na austeridade fiscal após a pandemia?, por Rodrigo Medeiros

A fragilidade da economia brasileira encontrou um choque sanitário que dificilmente poderíamos esperar que fosse efetivamente resolvido a partir do “espírito animal” da iniciativa privada.

Qual será a consequência da persistência na austeridade fiscal após a pandemia?, por Rodrigo Medeiros

A pandemia de Coronavírus (Covid-19) encontrou a economia brasileira fragilizada. Os indicadores econômicos e sociais divulgados regularmente pelo IBGE já apontavam para um elevado desemprego, a estagnação da renda do trabalho, altas informalidades e subutilização da força de trabalho. Portanto, as expectativas eram de um pibinho em 2020, concentrador de rendas e ampliador das desigualdades sociais. A crise econômica provocada pela pandemia demanda a efetiva revisão do paradigma da austeridade fiscal no Brasil.

Imerso na desarticulação de ações federativas no combate à pandemia, o Brasil ainda está testemunhando as suas curvas de contágio e mortes crescerem. A economia já acusa, segundo o IBGE, os danos. Em síntese, a fragilidade da economia brasileira encontrou um choque sanitário que dificilmente poderíamos esperar que fosse efetivamente resolvido a partir do “espírito animal” da iniciativa privada. O dogma do equilíbrio fiscal, independente das circunstâncias, entrou um cheque novamente.

O livro “Austeridade: a história de uma ideia perigosa”, de Mark Blyth, editado pela Autonomia Literária, merece ser lido e discutido. A partir de uma revisão bibliográfica vasta, podemos encontrar nessa obra passagens clássicas de Keynes, entre outros pensadores relevantes no debate sobre a macroeconomia. Destaco o “paradoxo da poupança”, logo no início do livro. Se todos poupam ao mesmo tempo e não há consumo que estimule o investimento, então teremos uma falácia da composição e não um problema de confiança. Segundo Blyth, professor na Brown University, “não podemos ser todos austeros ao mesmo tempo. O que isso faz é contrair a economia para todos”.

De acordo com Blyth, a democracia tem uma tendência inflacionária, na medida em que há mais devedores do que credores. Nesse sentido, bancos centrais “independentes” buscam invariavelmente baixar a inflação, tendo como consequência prática um balanço desfavorável para os devedores. Para Blyth, é até possível discutir esse balanço de vantagens, “mas [ele] continua a ser um imposto específico de classe”. A escassez relativa, incluindo a sua gestão cotidiana, é fundamental para a formação e a defesa dos preços nos mercados.

Não é necessário ser adepto do keynesianismo para reconhecer que as economias não se curam a si mesmas. Olivier Blanchard, por exemplo, atuando como economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicou artigos sobre o fenômeno de histerese e como as economias eram afetadas pela crise financeira global de 2008. A austeridade fiscal, portanto, já se mostrava uma estratégia de autoderrota. Muito antes, na década de 1930, John Maynard Keynes demonstrou que não há razão para que uma economia volte “naturalmente” ao equilíbrio de pleno emprego depois de um choque. Um quadro de desemprego pode se estabilizar por muito tempo gerando prejuízos para a economia e a sociedade. Não adiantará culpar os sindicatos e as leis de proteção ao trabalho. A reforma trabalhista brasileira, de inspiração estrangeira, por exemplo, teve como consequência prática o aumento da precarização laboral. Ela não é um caso isolado no mundo.

As políticas de austeridade permanente nos revelam como o neoliberalismo tem um problema com a democracia. No Brasil, não causa espanto a defesa da independência do Banco Central e da necessidade de voltarmos para a austeridade fiscal quando passar a pandemia. Pouco parece importar para esses defensores de um liberalismo primário fiscalista qual será o estado em que se encontrará a economia e as condições de vida da população. O modelo econômico e institucional que desejam é o que foi aplicado no Chile, durante a ditadura do general Pinochet? Afinal, qual é o conceito de democracia que defendem? Democracia oligárquica e estado oligárquico de direito? No Chile, protestos sociais estouraram em outubro de 2019 por conta das desigualdades sociais extremas e da insensibilidade do sistema político em rever os pilares desigualitários da Constituição herdada da ditadura. Não convém esquecer que a ditadura de Pinochet distribuiu benesses para empresários alinhados a partir da lógica das políticas de privatizações.

Branko Milanović, professor da City University of New York, prevê que a globalização, com as suas cadeias globais de valor, que dividem a produção das grandes empresas entre diversos países, será menos atraente após o fim da pandemia. De acordo com o professor, “quando o medo de pegar a doença diminuir, cenas de desordem social como as que já ocorreram no Chile serão mais frequentes”. Segundo Milanović, “tenho certeza de que verão isso no Brasil, veremos nos Estados Unidos e em outros países”. Afinal, a pandemia “vai elevar a desigualdade porque as pessoas que estão perdendo empregos e as pessoas que têm salários ameaçados são basicamente pessoas que são menos qualificadas”.

Desigualdades sociais extremas, históricas e estruturais, estão conectadas, afirmou Milanović, “à habilidade dos ricos de controlarem o processo político. O que significa que os ricos são capazes de introduzir e sustentar leis e regras que os mantenham no poder”. O que podemos esperar do retorno à austeridade defendido pelos fiscalistas ortodoxos brasileiros? Caos social e ruptura institucional? Eterno retorno? Esse complexo jogo está sendo jogado atualmente.

Rodrigo Medeiros

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