Redes líquidas, válvulas de complexidade e a solução do paradoxo da reprodução sexual, por Gustavo Gollo

Transição de fases gás/líquido (condensação)

Seres assexuais dispersam-se independentemente, como gases; seres sexuais condensam-se em populações similares a gotas de líquidos. O surgimento da reprodução sexual correspondeu a uma transição de fase entre os seres vivos.

Enxames comportam-se como redes líquidas cuja conexões internas se alternam constantemente.

A viscosidade dos enxames é proporcional à complexidade dos seres que os compõem, inversamente proporcional à precocidade reprodutiva de tais seres.

Grupos de indivíduos conectados através de uma rede de reprodução ─ as espécies ─ compõem redes líquidas.

Espécies são redes reprodutivas com funcionamento wireless. Podem ser vistas como hiperindivíduos complexos compostos por indivíduos aglutinados através de conexões sem fios.

Redes wireless permitem a troca frequente de suas conexões internas, funcionando como redes líquidas capazes de regeneração sem cicatrizes, ou remendos.

Seres sexuais mantêm-se conectados em redes wireless. Permanecem obrigados à constante interação com a rede líquida, ou arriscam perder contatos que os coadjuvem no processo de autorreplicação. Devem identificar e se manter antenados uns nos outros com vistas a garantir o contato sexual tempestivo necessário à autorreplicação.

 

Sexo e complexidade

Antes do surgimento da reprodução sexual, só existiam seres unicelulares extremamente simples ─ bactérias e arqueias. Sere verdadeiramente assexuais como esses ─ descendentes de linhagens exclusivamente assexuais ─ são extremamente simples, comparados a indivíduos oriundos de linhagens sexuais.

Além desses, existe apenas um terceiro grupo de seres vivos: os eucariotos, seres quiméricos que surgiram da conexão simbiótica entre bactérias e arqueias. As origens dos eucariotos e da reprodução sexual encontram-se indissociavelmente ligadas. Todas as linhagens eucariotas, e apenas essas, incluem seres gerados sexualmente. A sexualidade é uma exclusividade dos eucariotos.

Seres assexuais assemelham-se mais ao núcleo das células de criaturas sexuais ─ os eucariotos ─, que a suas células. Seus genomas também são muito mais simples que os dos eucariotos.

A condensação originadora dos eucariotos correspondeu ao maior salto de complexidade já ocorrido, induzindo enorme complexidade nos novos seres originados pelo evento. Desde o surgimento, os eucariotos já possuíam estrutura celular complexa caracterizada por núcleo e organelas estruturadas em uma célula milhares de vezes maior que outros seres, além do abastecimento de energia capaz de prover genomas inflacionados.

 

Válvulas de complexidade

Certa tendência termodinâmica universal pressiona todas as coisas a estados simplificados. Entre os seres vivos, essa propensão se manifesta através da aceleração do processo de replicação. Durante longas eras, a seleção natural aperfeiçoou os modos de replicação tornando-os cada vez mais eficientes. Por bilhões de anos, tal eficiência impediu que os seres resultantes dos processos hiperacelerados transpusessem certa barreira de complexidade. Os eucariotos não só romperam tal barreira em um único salto evolutivo, como garantiram um modo de reter a enorme complexidade alcançada por eles.

O surgimento da reprodução sexual correspondeu ao de uma válvula retentora de complexidade. Válvulas são mecanismos direcionadores de fluxos. Os eucariotos mantêm a complexidade necessária a sua existência graças ao bombeamento constante de complexidade que impede sua simplificação.

 

O paradoxo da reprodução sexual

A reprodução sexual é um processo extremamente ineficiente. O esforço necessário para uma linhagem que se reproduz sexualmente se perpetuar por 10 gerações redundaria em um aumento populacional de 1.000 vezes em uma linhagem assexual; em 20 gerações, o esforço que permite uma linhagem sexual se manter, possibilitaria uma multiplicação de 1.000.000 de vezes em uma linhagem assexual. Tais constatações sugerem que uma linhagem que abandone o modo de reprodução sexual tende a ser tão eficiente que eliminará seus parentes que se reproduzem sexualmente.

O paradoxo da reprodução sexual consiste em explicar a manutenção de um modo de reprodução tão drasticamente ineficiente.


A solução do paradoxo

Dada a lentidão com que se reproduzem, os eucariotos, criaturas extremamente complexas oriundas de linhagens sexuais, só conseguem sobreviver em um nicho ecológico exclusivo. Seriam extintos se obrigados a competir com criaturas verdadeiramente assexuais, muito mais simples e eficientes.

A replicação de criaturas complexas tende a ser mais lenta que a de seres mais simples. Ao favorecer a aceleração da replicação, a seleção natural favorece, também, sua simplificação.

 

Machos são válvulas de complexidade

O sucesso reprodutivo diferencial de alguns machos permite que eles transcendam a necessidade de aceleração da reprodução. Ao contrário das fêmeas, cuja precocidade reprodutiva é sempre premiada, machos podem permanecer longamente imaturos e serem, mesmo assim, selecionados se sua longa maturação os tornar muito mais atraentes que machos precoces.

Um aumento de 10% no tamanho de uma fêmea pode levá-la a um incremento equivalente na quantidade de sua prole. O mesmo aumento no tamanho de um macho redunda em um enorme acréscimo no número de seus descendentes, se isso lhe favorecer o acesso às fêmeas. Desse modo, o gasto de tempo necessário para o aperfeiçoamento dos machos tende a ser recompensado em muito mais alto grau que o gasto com o aperfeiçoamento das fêmeas, que é mais bem empregado no favorecimento de sua precocidade.

Machos longamente imaturos podem acabar, assim, favorecidos pela reprodução diferencial, enquanto as fêmeas são compelidas à precocidade. O efeito colateral da perda de precocidade é o ganho de complexidade. Em troca da precocidade, as linhagens sexuais mantêm sua complexidade, conseguindo, com isso, a manutenção da exclusividade de seu nicho ecológico. Tal dinâmica só é possível devido à segregação de nichos decorrente da altíssima complexidade dos eucariotos e elucida o papel dos machos.

A visão evolutiva tradicional não reconhece o papel devido dos machos, tratando-os, efetivamente, como parasitas responsáveis por metade do investimento reprodutivo da espécie.

O papel evolutivo dos machos é bombear complexidade para a espécie, mantendo-a no patamar de nichos exclusivo dos seres complexos. A perda de exclusividade redunda quase inexoravelmente na extinção da espécie.

 

Leia também:

Teoria da evolução, por Gustavo Gollo

O paradoxo da reprodução sexual, por Gustavo Gollo

A História do Mundo – parte I, por Gustavo Gollo

Como surgiu a reprodução sexual?, por Gustavo Gollo



Assista:

https://www.youtube.com/watch?v=Qw_S3T25pBc

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Redação

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