Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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CNN flagrada fabricando notícia falsa nas ruas de Londres, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Repercute nas redes sociais um vídeo no qual uma equipe de reportagem da CNN é pega com a mão na massa fabricando uma manifestação numa rua de Londres contra o Estado Islâmico. Supostamente são mulheres muçulmanas, com destaque para uma criança orientada a segurar um cartaz de papelão. A repórter se transforma em diretora de cena e até policiais colaboram com a produção da CNN, ajudando nas marcações de cena dos “atores”. Desde o “Royal Wedding”, o casamento de Lady Di e príncipe Charles em 1981, cada vez mais a mídia avança sobre a realidade produzindo “eventos-encenação”: roteirizados, dirigidos e produzidos como fossem “notícias” e o jornalista uma “testemunha ocular da História”. Essa pequena amostra de como se constrói a atual matrix de notícias dá o que pensar: imagine a construção de manifestações em larga escala como as sucessivas “primaveras” que varreram o mundo com seus black blocs e máscaras do Anonymous – a árabe, ucraniana, turca, brasileira…

Câmeras, microfones, luz, holofotes, voz e cenário foram checados à risca pela BBC. Mas não só isso: o próprio vestido da noiva (para valorizar os enquadramentos do alto do altar da Catedral de Saint Paul) e décor geral em tons pastéis do figurino de familiares e convidados para dar um toque telegênico primaveril em uma transmissão ao vivo à luz do dia.

Era 1981. A plebeia Lady Di iria se casar com príncipe Charles (o “Royal Wedding”), herdeiro do trono britânico. A emissora estatal de TV BBC estava cuidando de todos os detalhes de um evento que seria transmitido ao vivo para todo o planeta – produção, roteiro, trajeto, logística, tudo para ser encaixado como mais uma atração na grade de TV.

Mas algo foi esquecido. De todos os personagens que participariam, um deles agiria de uma forma perigosamente espontânea em um evento totalmente planejado para a TV: os cavalos da guarda e das carruagens. Eles estavam adestrados para tudo, menos para absterem-se das funções corporais: defecariam em todo o trajeto, excrementos escuros que criariam uma impressão televisiva desagradável – as carruagens reais esmagando excrementos equinos.

Às pressas a produção da BBC submeteu os cavalos a uma dieta especial para que, no dia, defecassem também em tons pastéis, sem prejudicar o décor do Royal Wedding.

Royal Wedding: só os cavalos não sabiam que a TV estava ali

Esse episódio descrito por Umberto Eco no livro clássico “Viagens da Irrealidade Cotidiana” (última edição no Brasil em 1993 pela Nova Fronteira) foi, para o pesquisador italiano, o ato inaugural dos eventos-encenação que dominariam a TV contemporânea – a realidade concebida pela e para a própria televisão.

Com a mão na massa

Em menor escala, porém com a mesma essência, o portal de notícias norte-americano The Daily Wire flagrou em plena rua de Londres no último domingo uma equipe composta por repórter, produtores e câmeras da emissora noticiosa CNN com a mão na massa: orientavam supostos muçulmanos sobre as marcações de cena e exibição de cartazes para serem o “pano de fundo” de uma manifestação com mensagens de paz e protestos contra o Estado Islâmico, em relação aos ataques recentes em Londres.

A repórter Becky Anderson entrou ao vivo em um dos segmentos do “Sunday News” da CNN com imagens comoventes: crianças e mulheres segurando cartazes sobre como o amor vencerá o ódio e declarações muçulmanas de apoio à cidade ao melhor estilo “#SomostodosLondres”.

O objetivo claro desse evento-encenação é promover a narrativa de uma ampla oposição muçulmana ao ISIS e o terrorismo islâmico. E com isso reforçar a ideologia do “choque de civilizações” e do “fundamentalismo islâmico” que supostamente motivariam os atentados – claro, encobrindo a natureza falsa desses eventos: false flags, trabalhos internos, enfim, não-acontecimentos fabricados para favorecer a geopolítica global do petróleo.

 

Um cidadão capturou essas imagens da fabricação de uma manifestação e em seguida postou em sua conta no Twitter: “CNN criando a narrativa. #FakeNews”. 

Nas redes sociais as imagens da fabricação (ou “editorialização”) de uma manifestação causaram grande repercussão entre jornalistas e no público em geral.

Diante disso, o canal CNN declarou no portal Mediaite que “esta história não tem sentido. O grupo estava em acordo com a polícia e fora autorizado pelos oficiais para que pudessem mostrar seus cartazes aos meios de comunicação. A CNN simplesmente filmou o que estava acontecendo”, explica o canal noticioso.

A Editorialização de um acontecimento

Comparação dos dois vídeos (a metalinguagem da entrada da matéria ao vivo e o que foi mostrado pela CNN para os telespectadores) é semioticamente bem didática a respeito do processo de editorialização de um evento-encenação.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

5 Comentários

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  1. manifestação

    E os atentados, podem também ser fabricados e televisonados, afinal, dizem que o homem não foi à Lua e pelos recursos que existiam isto é bem possível.

  2. So naíve

    Well, quem já leu um pouquinho sobre a história da imprensa sabe que isso existe há alguns séculos. Acho que só uma parte dos paneleiros brasileiros realmente acredita cem por cento na imprensa. A título de exemplo mais velho e bastante conhecido, lembro do filme Apocalipse Now mostrando como as equipes de tv americanas montavam matérias prá enganar a opinião pública durante boa parte da Guerra do Vietnã. O número de cadáveres e feridos acabou se impondo ao mundo cor de rosa que a imprensa fabricava. Não é difícil imaginar o que acontece numa rede onipresente  como a CNN, que atende os interesses americanos nos quatro cantos do mundo.,

  3. Ingênuidade …

    … Acreditar que o jornalismo é o registro da história é no mínimo fantasioso e no mais esquizofrênico, fico pensando se os jornalistas acreditam mesmo nisso, de estar fazendo o registro da história, se alguém tiver alguma curiosidade em ler jornaís, por exemplo no período entre guerras, vão perceber que só existiam bobagens sendo escrita, sendo principalmente os jornalistas os grandes disseminadores da ideologia fascista e nazista, tem um filme fantástico chamado, montanha dos 7 abutres (original : Ace in the hole) que trata a maneira como o jornalista trata o mundo e suas estórias, a nossa grande salvação é que os historiadores trabalham com documentos e não com papel para embrulhar ovos.

  4. Me engana que eu gosto.

    O problema não está em pessoas que desavisadamente acreditem nessas bobagens. Isso seria de fácil saneamento e talvez hoje ainda haja uma meia-dúzia de Velhinhas de Taubaté que realmente acreditam.

    O problema está no fato de que empresas como a CNN – e a Globo e tantas outras, quase todas – contam as mentiras que seu limitado público gosta de ouvir, contam o que esse público gostaria que fosse verdade. E o pior, contam o que esse público sabe que é mentira mas que quer ouvir assim mesmo.

    Essas farsas são um nicho de mercado.

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