Cobertura da greve dos caminhoneiros mostra como imprensa está distante da população, por Nereide Beirão

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Nereide Beirão

No Observatório da Imprensa

Cobertura fora de foco

A crise gerada pela paralisação dos caminhoneiros demonstra mais uma vez como a grande imprensa está distante da população e como não mostra a real situação econômica e social do país. Houve uma série de equívocos na cobertura, que abalaram ainda mais a já baixa credibilidade da imprensa.

1 – O primeiro erro e o mais grave foi a falta de informação e discussão sobre a principal causa da paralisação: a política implementada pela Petrobras de reduzir a produção interna de derivados, aumentar a importação e repassar diariamente as oscilações dos custos do dólar e do petróleo para os preços dos combustíveis, que aumentaram de forma abusiva. Por defenderem essa política, que beneficia acionistas e o mercado financeiro, os jornais, rádios e TV’s focaram as reivindicações dos caminhoneiros na questão dos impostos, como se fossem eles os responsáveis pelo aumento nos preços, e na necessidade de continuar a “recuperação” da situação financeira da Petrobras. Culpam a corrupção e a política anterior da empresa de controlar os preços do combustível como causadora da crise, apesar da Petrobras estar há dois anos sob a nova gestão, amplamente elogiada. A decisão do governo, apoiada pela imprensa, de reduzir os preços do diesel por 60 dias, mas manter a atual política de reajustes dos preços altíssimos da gasolina, do álcool e do gás de cozinha, e de assumir, compartilhado com estados e municípios o custo dos 10 bilhões da redução dos impostos, em nada resolve o tenso clima econômico e político.

2 – Assim como o governo, a imprensa demorou a dar importância ao movimento e informar o grau de mobilização dos caminhoneiros e os efeitos que a paralisação causaria para a economia do país. Muito preocupado em outros tempos com o aumento do preço do tomate, o jornalismo econômico não considerou o peso, em uma situação de crise e em um país com o transporte baseado em rodovias, que os aumentos sem limite do diesel, da gasolina, do álcool e do gás de cozinha teriam na vida de população e nos diversos setores da economia. Até durante a crise, as matérias continuaram defendendo a política da Petrobras, ouvindo os economistas do mercado.

3 – A cobertura, como tem acontecido nos últimos anos, foi baseada nas informações oficiais. As notícias de Brasília foram amplamente divulgadas, as reuniões do Palácio do Planalto, os “acordos” para terminar a greve, com algumas das lideranças do caminhoneiros que não os representavam, reprodução com destaque das coletivas de ministros, da direção da Petrobras, das falas do presidente, de negociações e decisões que não levavam a nada no Congresso. Noticiário que colocou mais lenha na fogueira, por causa das ameaças aos grevistas, da intervenção dos militares, do uso da força no combate a greve, dos comentários infelizes de muitos ministros e do presidente e da avaliação otimista e fora da realidade geral de Brasília, quando o governo negociou e atendeu, principalmente, ao desejo dos empresários do transporte reduzindo impostos e pedágio e repassando a conta para o tesouro, ampliando o déficit público.

4 – A situação dos caminhoneiros pouco foi mostrada e considerada. A cobertura do movimento, na maioria das vezes, como tem sido hábito na TV, foi feita com imagens aéreas. O dia seguinte ao anúncio de novo acordo com os caminhoneiros comprovou o distanciamento de jornalistas e grevistas. Apesar da expectativa do fim da greve, na segunda-feira, dia 28, a paralisação continuou em vários pontos das rodovias. Por que a greve não acabou? Faltou ouvir os caminhoneiros nos pontos de paralisação para saber. A cobertura se restringiu às imagens e a entrevistas de lideranças, que acusaram infiltrados no movimento.

Os caminhoneiros, antes da deflagração da greve já haviam montado uma rede própria de informação, por meio de mensagens no celular, que coordenaram e alavancaram o movimento. Em uma matéria exibida no Fantástico, sete dias depois do início da paralisação, ficamos sabendo que, assim como a Revista piauí, a reportagem da afiliada da Globo em Campo Grande teve acesso a grupos de WhatsApp dos caminhoneiros, antes ainda da deflagração do movimento. Pelo conteúdo de áudio obtido nesses grupos fomos informados, por exemplo, que sempre houve uma orientação dos grevistas para permitir a circulação de caminhões com remédios. Soubemos também por outra reportagem que acompanhou o percurso de um caminhão com medicamentos pela via Dutra, que não havia impedimento para esse tipo de transporte, desde que o caminhoneiro apresentasse a nota fiscal. A responsabilização da paralisação por possíveis mortes por falta de remédio já havia gerado vídeos revoltados dos caminhoneiros na internet, chamando a TV Globo de mentirosa. Mas cabe a pergunta? Por que a Globo não esclareceu isso desde a segunda-feira, até para impedir possíveis ações individuais de caminhoneiros no bloqueio dos caminhões com medicamentos ou a decisão de transportadoras que atuam neste segmento de fazer locaute para obter vantagens? Por que permitiram a sensação e o temor da falta de medicamentos, mostrando até situações pontuais, como a de uma farmácia de Araxá, no Triângulo Mineiro, onde faltou insulina no meio da semana? Imagino o pânico criado em quem precisa diariamente desse medicamento para viver.

Não se pode negar o grande esforço dos jornalistas para a cobertura da crise, gravíssima, que atingiu contornos jamais imaginados; a dificuldade em cobrir um movimento sem lideranças estabelecidas; a desconfiança dos grevistas com relação à imprensa, havendo casos até de impedimento à livre circulação de repórteres da TV Globo nas áreas de concentração dos caminhoneiros; a quebra do protagonismo na circulação das informações produzidas e obtidas pelos próprios caminhoneiros por meio das redes sociais; a falta de combustível que prejudicou o dia a dia dos jornalistas e a circulação dos jornais e revistas em várias cidades; a falência das instituições, executivo, legislativo e judiciário, que não fornecem informações confiáveis; mas a situação não justifica o fato da grande imprensa ter perdido a chance de melhorar a sua imagem já tão desgastada ao optar, mais uma vez, em defender seus interesses, seus pontos de vista e direcionar a cobertura, distorcendo a realidade da situação econômica e política, gravíssima, que vivemos.

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Nereide Lacerda Beirão é jornalista. Foi Diretora de Jornalismo da EBC e da TV Globo Minas, além de professora. Ocupou também a diretoria do Centro de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais. É autora do livro “Serra”, publicado em 2012.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. bom post.

    Muito esclarecedor.

    Mas não vamos esperar nada de bom de nossa imprensa, com as exceções de sempre.

    Sinceramente, é um caso perdido.

    Tenho pena dos novos formandos em jornalismo.

    Sem mercado, sem credibilidade, sem futuro!

     

  2. A imprensa e a greve.

    Équivoco na cobertura? Houve, isso sim, intenção, má-fé mesmo. Mostrar e divulgar somente o que interessa ao “mercado”. Ao fim e ao cabo é quem comanda de verdade o Brasil.

  3. As carpideiras do parente.

    Enquanto tomava umazinhas num boteco, ouvi as lamúrias da “grobo” no seu jornal nacional, as viúvas do novo herói do “mercado”, já saudosas da ausência daquele que provinha lucros exorbitantes aos gananciosos da jogatina da bolsa e engordava seus fabulosos patrimônios, tudo a custa das longas jornadas dos caminhoneiros e do sacrifício dos brasileiros.

    Não. Eles não estão simplesmente distantes da população, mas em confronto aberto como os interesse legítimos dela.

  4. Testo fraquinho.

     

     A jornalista parece que vive em outro mundo. Não se deu conta ou fingi não entender que a imprensa é um partido político de direita.

    Ela diz “a grande imprensa está distante da população …”. É hilário.

    É um texto desnecessário neste site.

  5. “um movimento sem lideranças

    “um movimento sem lideranças estabelecidas”??? Parece que querem repetir a piada (de mal gosto) de 2013. Não existe isso de revolta espontânea!!! Há sempre quem canaliza o descontentamento difuso para alguma direção. Claro que há lideranças no movimento, mas talvez não queiram ser conhecidas e os próprios caminhoneiros zumbis manifestoches do whatsapp não a conhecem. Não será estranho que recebi, por e-mail (já que não tenho face) convite para assinar uma petição “somos todos caminhoneiros”, mas nunca recebi um convite sequer para assinar Lula livre e prêmio Nobel? Assim conseguem os tais 87% de “apoio”. O que realmente deveria preocupar os brasileiros é sua completa falta de defesa: um ataque de torpedos do whatsapp consegue paralizar o país de modo mais eficiente do que 500 Tomahawk!

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