Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Comercial da Samarco é aula sobre técnicas indiretas e a canastrice da propaganda

Por Wilson Ferreira

Uma desastrada estratégia de gestão de crise?  Ou um exemplo daquilo que o pai das Relações Públicas, Edward Bernays, chamava de “técnica indireta”? O fato é que o comercial da Samarco “É sempre bom olhar para todos os lados” veiculado em horário nobre na TV (que a revista “Meio & Mensagem” chama elogiosamente de “prestação de contas” das medidas de controle de danos ambientais) revoltou muitos internautas. Mas como diria Nick Naylor (o relações públicas do Tabaco no filme “Obrigado Por Fumar”) “Eu não quero convencer você, mas eles!”, diz apontando para as pessoas anônimas que caminhavam ao redor – a Opinião Pública. O comercial da Samarco é uma aula sobre todas as táticas de propaganda que envolvem as chamadas “técnicas indiretas”:  naturalizações, descontextualizações, inversões de hierarquia e, no final, a cereja do bolo: a canastrice da linguagem audiovisual.

Sobrinho de Freud e considerado o pioneiro das técnicas de relações públicas, Edward Bernays no seu livro Crystallizing Public Opinion (1923) nos oferece um exemplo que abriria a nova era das chamadas “técnicas indiretas” de manipulação da opinião pública: Os proprietários de um decadente hotel consultam um conselho de relações públicas. Eles perguntam como melhorar o prestígio do hotel e incrementar os seus negócios.

Em tempos menos sofisticados, a resposta poderia ser contratar um novo chefe de cozinha, melhorar o encanamento, pintar os quartos, ou instalar um lustre cristalino no saguão de entrada. Mas a técnica dos relações públicas é mais indireta. Eles propõem a celebração do trigésimo aniversário do hotel. Um comitê é formado, incluindo proeminentes banqueiros, a matrona líder da alta sociedade, um advogado famoso, um pastor influente e um ‘evento’ é planejado (digo, um banquete) para chamar a atenção dos distintos serviços oferecidos pelo hotel à comunidade. 

A celebração é realizada, são tiradas fotos, a ocasião é amplamente informada e o objetivo é alcançado.

Bernays criou esse paradigma que é seguido até hoje, como podemos ver no inacreditável comercial em TV aberta onde a empresa mineradora Samarco (empresa controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton) mostra as ações que visam minimizar os danos causados pelo rompimento da barragem de Mariana/MG que provocou o maior desastre ambiental brasileiro.

A mentalidade invertida

O comercial estreou no horário mais caro da TV brasileira, no intervalo do Fantástico da TV Globo, e vem sendo apresentado também nos intervalos de telejornais do horário nobre – surpreendente para uma empresa que teve bens bloqueados pela Justiça e adia pagamentos de indenizações alegando que o seguro da empresa não é o suficiente para arcar os custos. 

Para além do evidente exemplo do chamado conflito de interesse (Samarco patrocina telejornais que supostamente deveriam ser imparciais sobre notícias que responsabilizam a empresa), o comercial da Samarco é mais um irônico exemplo dessa eufemística “estratégia indireta” que anima as táticas de engenharia de opinião pública.

Por exemplo, a revista Meio & Mensagem chama o comercial de “prestação de contas da Samarco”, num sintoma da mentalidade invertida das estratégias indiretas de RP: se as medidas de controle de danos são reais deveriam ser noticiados como informações nas pautas de telejornais, e não como storytellings nos intervalos comerciais pagos. 

A imagem precede a informação, o simulacro se antecipa à realidade numa surpreende inversão platônica em pleno horário nobre.

Inversão da hierarquia da empresa

Nesse mundo invertido do gerenciamento de crise nas Relações Públicas é surpreendente como também é invertida a hierarquia organizacional da empresa – se a crise foi provocada pelos CEOs, diretores, presidentes etc. a partir de decisões alimentadas por dados de planilhas Excel em reuniões fechadas, nada mais lógico do que escondê-los.

Inverta tudo. Ao invés de gente engravatada, mostre em um comercial os funcionários consternados, comovidos, alguns com sentimento de culpa (“mal conseguia trabalhar direito”, fala um funcionário no vídeo), penalizados, preocupados com filhotes de cachorros (um patético signo de uma suposta preocupação ambiental da empresa) e se apresentando de braços abertos – e outros, no linguajar corporativo, dizendo que estão “vestindo a camisa”. 

Incautos funcionários são colocados como escudos numa filosofia de “é sempre bom olhar para todos os lados”. Em um momento desse inacreditável comercial, um funcionário fala desconsolado em “minimizar os danos que a gente causou!”. 

“A gente” é uma mágica expressão de RP que num só golpe esconde hierarquias corporativas, centros superiores de decisão de gestores e CEOs, colocando o rabo de foguete no nível do “chão de fábrica” dos catatônicos funcionários com suas testas franzidas e olhares suplicantes por desculpas.

Como se a Samarco se desculpasse tomando como refém seus próprios funcionários ao afirmar que a empresa gera seis empregos diretos, sugerindo que retalhar a empresa prejudicará a vida dos seus abnegados funcionários. 

Assim como Bernays achava que mais importante para incrementar os negócios do hotel eram fotos nos jornais do que contratar um bom chefe de cozinha, também para a gestão de crise da Samarco é melhor mostrar histórias “humanas” de seus funcionários em vídeos publicitários do que implementar medidas reais de impacto que se transformem naturalmente em notícias.

Naturalização e descontextualização

Essa estratégia indireta de RP também produz dois efeitos propagandísticos: naturalizar e descontextualizar crises. Funcionários dizem no comercial que “de repente” acordaram com uma “missão de acolher as pessoas”. Mas como “de repente”, cara pálida! Em poucos segundos a “prestação de contas” da Samarco quer apagar as notícias de que tudo foi uma tragédia anunciada por técnicos especialistas na área de mineração e situar a catástrofe no campo dos terremotos, furacões ou quedas de meteoros.

 

9 Comentários

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  1. Quais lados?

    Quais os lados: – o lado da Verdade, aquele da realidade nua e crua, das 16 pessoas mortas e/ou desaparecidas, da destruição da flora e fauna ao longo do Rio Doce e afluentes à jusante de Mariana, MG, da destruição da atividade agrícola, da mais brutal mortandade de peixes que já ví em minha vida, da poluição de mananciais e da captação d’água, do apagamento da história e referências locais dos moradores da região onde se abateu esse tsunami de lama? Ou o do lado do marketing, da propaganda com técnicas subliminares que entram pelos seus olhos e ouvidos e te emprenham o cérebro?

    Um pouco de hombridade pessoal, e não tirem os seus respectivos c,,,,s da reta! Assumam suas responsabilidades de vez e não se escondam desde a priimeira hora sob habeas corpus preventivos enquanto a lama ainda escorria morro abaixo.

    Vergonha alheia!

  2. Proibiram….

    proibiram o livro do Hitler, o Main  kampf….mas  deixaram livre o de Goebbels…

    Daí a Samarco leu e  está colocando em prática seus ensinamentos perversos….

  3. Molho Bernays

    Foi esse sobrinho de Freud Bernays quem deu o nome de propaganda — aquela que devia ser propagada, no bom e velho latim ecclesiástico — no seu livro de 1921, “Propaganda.” Depois da guerra, durante o qual a propaganda foi muito utlizado por todos os lados, ele percebeu que o termo tinha perdido sua neutralidade e precisava de um “rebranding”. Assim se nascera as relações públicas — a arte de ter relações com o público … 

    Uma autora muito interessante sobre essas sem-número de técnicas é o Dicionário do Futuro, de uma publictária chamado — aparentamente é isso mesmo — de Faith Popcorn — Fé Pipóca!

  4. Quem foi o “Bernays” da

    Quem foi o “Bernays” da Samarco/Vale??

     

    A PROPAGANNNDA da Samarco não é novidade, nos EUA é comum, rotineiro até, causou impacto pois acho que é uma das primeiras desse tipo por aqui com métodos norte-americanos no formato e estilo, e por isso acho que a idéia nem partiu daqui, tenho quase certeza que partiu dos sócios americanos da Vale, afinal estão acostumados em fazer isso. Quando de uma viagem para lá para treinamento/trabalho, durante o vazamento de plataforma no Golfo do México, a BP fez mesma coisa. A GM americana também fez em relação ao problema do travamento da direção dos carros, e etc, etc…

    Há 20-25 anos atrás, sem o conhecimento que tenho hoje, que graças à Internet e as idéias e aos livros que ela me permitiu conhecer e ler, eu certamente ficaria sensibilizado, mas hoje, para mim é tudo BS (“bullshit”) como disse um colega inglês quando assistimos às PROPAGAAANNNDAS da BP.

    Não tenham dúvida, veremos mais e mais deste tipo de PROPAGAAANNNDA por aqui, afinal, cerebro de geléia é regra, não excessão.

    Mas por isso mesmo, seria interessante saber quem foi o “Bernays” da Samarco/Vale/Americanos??

     

    Obs.: Aqueles que desejam conhecer como o mundo realmente funciona devem “correr atrás” e “malhar” a geléia, com informação de fontes que se baseam em fatos, não em mitos. Lembro de uma palestra (esta no YouTube) do já falecido historiador americano Howard Zinn, dizendo que ele foi realmente aprender história durante o Mestrado/Doutorado, pois ele teve de procurar sozinho por fontes de informação que se baseavam na verdade dos fatos, não nos mitos ou propagandas, e onde elas estavam segundo ele, nos livros mais empoeirados nos cantos das prateleiras das Bibliotecas.

    1. Alguma agência de publicidade incompetente e mentirosa…

      Alguma agência de publicidade incompetente e mentirosa…Opps esqueci que TODAS  as agências de publicidade são incompetentes te mentirosas!!

       

      1. Desculpa cara, tudo isso é um

        Desculpa cara, tudo isso é um absurdo, mas culpar a agencia de publicidade é bem errado, pelo cntrario, a agencia foi muito eficiente por sinal, e apenas fez o trabalho que solicitaram, cara de pau é da samarco mesmo.

  5. São homens prontos para serem
    São homens prontos para serem corruptos quando se prestam a executar qq serviço por um bom preço.
    Uma agência contratada para realizar uma propaganda
    dessas é tão inconsequente, desastrosa e conivente com os fatos. Se uma agência se presta a elaborar um serviço desses, eu não chamaria esses homens que a compõe de inteligentes, mas sim de aproveitadores..

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