Como desinformar, em onze etapas fáceis

Como desinformar, em onze etapas fáceis:
[Publicado originalmente em 1º de junho de 2010]    


1.      A Agência Internacional de Energia Atômica emitiu um relatório sobre as atividades nucleares do Irã que ainda é sigiloso, até ser examinado pelo Conselho de Segurança da ONU.

2.      Esse relatório  foi vazado em todo ou em parte à agência Reuters.

3.      O material vazado pode – ou não –  ser um reflexo fiel do que está no original.

4.      Segundo o material vazado, a AIEA pode ter dito que o Irã tem 2,5 toneladas UBE (urânio de baixo enriquecimento), enriquecido a 3,5%.

5.      O UBE não é “material de bomba”. 

6.      Para ser útil na confecção de bombas, o UBE precisa ser enriquecido de 3,5% a mais de 90%.

7.      Segundo todos os relatórios  da AIEA  sobre este assunto, o Irã não tem tecnologia para enriquecer urânio ao nível necessário para fazer bombas, mais de 90%.

8.      Segundo todos os relatórios da AIEA sobre este assunto, o Irã não está desviando nenhum material nuclear para aplicações desconhecidas.

9.      Segundo todos os relatórios da AIEA sobre este assunto, o estoque de material físsil do Irã está plenamente controlado, até o último quilo.

10.  Segundo todos os relatórios da AIEA sobre este assunto, as instalações nucleares conhecidas do Irã são plenamente monitoradss e de jeito nenhum poderiam ser usadas para fabricar secretamente uma bomba.

11.  As 2,5 toneladas de UBE que o Ira teria poderiam ser usadas para fazer bombas se:  

a.       os iranianos soubessem como fazer;

b.      sabendo como fazer, eles tivessem como passar da teoria à prática;

c.       conhecendo a teoria e dominando a prática, eles conseguissem driblar a vigilância por tempo suficiente para fazer, testar e tornar operacional uma bomba nuclear;

d.      resolvidos (a), (b) e (c) acima, o Irã de fato quisesse fazer uma.

Vejam bem, em nenhum momento a AIEA, considerando que o relatório vazado corresponda ao original, sequer falou a palavra “bomba”, nem mencionou suspeita alguma, preferindo como sempre falar em “pontos a esclarecer”. 

Agora como fazer para espalhar informações falsas sobre o programa nuclear iraniano sem estar de fato mentindo, e ainda citar a ONU como fonte?

No caso da imprensa brasileira, é facílimo: basta copiar da americana, traduzir, dar uma cor local e publicar (mas eles já aprenderam a aplicar o mesmo método às questões “internas”). No caso da matriz, não é tão primário, mas ainda é fácil: basta ignorar (1), (2) e (3), ir diretamente de (4) a (11), pular (11a), (11b), (11c) e (11d) e pimba!, a manchete está pronta: “ONU diz que Irã pode fazer duas bombas nucleares“. Ou “ONU diz que Irã tem combustível para duas bombas nucleares“, ou até “Irã prestes a ter bomba nuclear.”

Simples, não? E é isso mesmo que eles fazem.

Depois desse bombardeio, saem pelas ruas perguntando às pessoas o que deve ser feito para impedir que os iranianos tenham uma bomba nuclear. E 78% delas dizem “aplicar-lhes sanções”, 42% preferem “bombardeá-los” enquanto 33% indicam “invadi-los.”

======Nota de 16/06:
O relatório oficial já está disponível 
aqui.

Redação

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