Condenada a Lula: a mídia armadilhada, por Túlio Muniz

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto Ricardo Stuckert

Condenada a Lula: a mídia armadilhada.

por Túlio Muniz

Posterior à condenação questionável – para dizer o mínimo – de Lula pelo Tribunal Regional Federal 4ª Região, inaugura-se uma nova fase imprevista pelos  controladores da mídia golpista brasileira.

Se até aqui o martelar de acusações contra Lula se baseou na concepção nazi-fascista de que “uma mentira repetida mil vezes se tornará verdade”, a mídia pode ter se armadilhado no viés dessa mesma concepção: a “verdade” resultante das “mentiras”, ou seja, da falta de provas concretas, necessitará de tal atenção e repercussão que podem vir a desconstruir a si mesma, revelando-se enquanto farsa.

Até as vésperas do julgamento de 24 de Janeiro, a mídia tratava Lula e seus passos como nota de rodapé. Invisibilizou, por exemplo, as jornadas que ele empreendeu por todo o país no segundo semestre de , arregimentando multidões por onde passou. Somente nos dias que antecederam ao julgamento, Lula voltou à berlinda midiática.

Aqui é pertinente o aforismo de Nietzsche, em “Humano, demasiado Humano” acerca da mentira:

“Porque é que, na maior parte das vezes, os homens na vida quotidiana dizem a verdade? Certamente, não porque um deus proibiu mentir. Mas sim, em primeiro lugar, porque é mais cómodo, pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória. Por isso Swift diz: ‘Quem conta uma mentira raramente se apercebe do pesado fardo que toma sobre si; é que, para manter uma mentira, tem de inventar outras vinte’. Em seguida, porque, em circunstâncias simples, é vantajoso dizer diretamente: quero isto, fiz aquilo, e outras coisas parecidas; portanto, porque a via da obrigação e da autoridade é mais segura que a do ardil. Se uma criança, porém, tiver sido educada em circunstâncias domésticas complicadas, então maneja a mentira com a mesma naturalidade e diz, involuntariamente, sempre aquilo que corresponde ao seu interesse; um sentido da verdade, uma repugnância ante a mentira em si, são-lhe completamente estranhos e inacessíveis, e, portanto, ela mente com toda a inocência”. 

Doravante, para a mídia conservadora brasileira, estreitou-se a possibilidade de ignorar a Lula, aos seus passos e palavras. Não mais se poderá invocar o manto da ‘imparcialidade’, da ‘inocência’ nas abordagens jornalísticas do tema que permeia as ruas, os escritórios, a mídia. Livre ou preso, vivo ou morto, o espectro de Lula será o tema central e incontornável. Isso se estenderá pelo menos até as eleições de 2018 – se ocorrerem. Qualquer gesto de Lula repercutirá na chamada “opinião pública”, queira ou não a mídia,  e deixar de falar dele será inevitável.

Foucault e Habermas contribuem para compreender como a, partir do séc. XVIII, a “opinião pública” emerge do conflito do mercantilismo e do absolutismo com os interesses privados da burguesia capitalista ascendente, criando a “ficção de uma esfera pública” (Habermas, em Mudança Estrutural da Esfera Pública).

Essa ‘esfera pública’ ficcional seria, supostamente, a defensora de interesses ‘gerais’ da população. É esse o mesmo mecanismo utilizado hoje pelos controladores do capital e da mídia nacional, que até aqui sustentam a versão de que Lula e o PT são os únicos responsáveis pelas mazelas do país e, portanto, inimigos de toda a sociedade.

Foucault (em Microfísica do Poder), por sua vez destacará que a suposta unanimidade oriunda da “opinião pública” é o que respalda e sustenta os meios de governação de uma maioria por uma minoria.

Assim, abduzida pelo ódio ao “inimigo comum” (Lula, PT, etc), a sociedade brasileira atualmente se mantém resignada diante da expropriação de recursos minerais e naturais, da evasão de divisas, da disparidade entre concentração de renda e aumento da pobreza, da permanência no poder de uma casa política vinculada aos interesses capitalistas nacionais e estrangeiros

Essa versão hegemônica da realidade, cujos discursos se embasam numa suposta “vontade geral” (Foucault) de reformar o Estado no sentido de dilapidá-lo, é ecoada pela mídia, e foi incorporada tanto pela classe média brasileira quanto por estratos sociais não inseridos nas estruturas organizadas de movimentos sociais, ou seja, pelos mais pobres que, paradoxalmente, foram os que mais ascenderam com os governos petistas.

Contudo, esgotado o arsenal de ‘vinte mentiras’ contra Lula, impõe-se a questão: como por em xeque a supremacia da “opinião pública” imposta pela mídia em nome de interesses capitalistas internacionais que mantém vínculos com o sistema de dominação social e econômico das castas brasileiras abonadas? Castas, sim, é o termo apropriado para designar a luta de classes no Brasil – e editorial recente do Le Monde não hesitou em usar o termo  –, marcada pelo racismo, pelo sexismo, pelo ideal do patriarcado branco.

Entretanto, a mídia, tal qual o capitalismo, por vezes já se demonstrou capaz de criar hiper-realidades que possibilitam surgimento de alternativas a suas próprias auto-sabotagens. Não haverá um aniquilamento da mídia hegemônica por si mesma. Se há algum sentido no que aqui se afirma, será preciso ações rápidas e diversificadas que embaralhem e confinem a mídia no labirinto por ela mesma criado com a perseguição a Lula.

É raro no telejornalismo, hoje, o contraponto à opinião pública hegemônica que legitima a estratégia de poder estatal. Quando há, se restringe na atuação de poucos profissionais que ainda preservam seu direito ao contraditório. Cometendo o risco de uma injustiça, depois da saída de Kennedy Alencar do SBT e do silenciamento de Boechat na TV Bandeirantes, não me ocorre nenhum outro nome afora Luiz Carlos Azenha na TV Record. Na mídia impressa, sobressaem a revista Carta Capital e Jânio de Freitas, na Folha de S. Paulo, que destoam do endosso à demonização da esquerda.

A questão é ampla, merece análise aprofundada que não cabe nesta curta reflexão. Passaria, por exemplo, pela crítica aos próprios governos do PT, que fortaleceram a mídia dominante com fartos recursos de publicidade, em detrimento de mídias alternativas, sobretudo das mídias eletrônicas.

Alguns caminhos podem ser indicados:

– A urgência da necessidade da união das esquerdas e do centro-esquerda, ora fragmentados. Está em curso um debate acerca tanto das necessidades quanto das dificuldades dessa união, no que um artigo recente de Boaventura Santos é emblemático. Somente essa união pode gerar argumentos fortes para combater a opinião pública hegemônica que aí está. Para tanto, cabe ao PT abandonar discursos e posturas dúbias e cabe aos demais atores políticos se desarmarem de dogmas e crenças. Seria interessante que todos mirassem para Portugal, onde o Partido Socialista governa já há dois anos com apoio críticos dos demais partidos de esquerda, o Bloco de Esquerda e a coligação do Partido Comunista com os Verdes.

– Igualmente, se faz urgente uma maior aproximação de atores progressistas da chamada blogosfera. A última década assistiu a uma proliferação de blogs e sites pessoais ou coletivos no campo progressista. Estes tiveram apoio financeiro mínimo dos governos do PT – os quais eram defendidos ou contavam com apoio crítico desses ativistas – em comparação ao carreamento de recursos públicos à grande mídia. A blogosfera progressiva compete entre si na captação de apoio de leitores e adeptos para se manter  na ativa. Seu fortalecimento se faz necessário por ser a alternativa de mídia eletrônica à TV, ainda que desta esteja longe de obter o mesmo alcance  junto à parcela massiva da população. E, sobremaneira, por ser a blogosfera progressista o combatente de primeira linha das tais ‘fake news’ que têm origem nos think tanks a serviço dos conglomerados capitalistas mundiais.

– Por fim, é preciso que artistas e intelectuais engajados na defesa da nossa “frágil democracia” (cf. Boaventura Santos) mantenham suas inserções nos mídia para denunciar a pseudo imparcialidade dos mesmos, como fizeram recentemente, ao vivo, por exemplo, a filósofa Márcia Tiburi, ao abandonar um programa de rádio de emissora em Porto Alegre que a colocaria em conversação imprevista com um expoente da juventude fascista brasileira, ou o ator Pedro Cardoso, que retirou-se do estúdio da TV Brasil em meio a um debate, para se solidarizar com os funcionários em greve da emissora. Aumenta também a presença de artistas em atos públicos pela democracia e contra o golpe de 2016, artistas, cantoras, músicos, atrizes e atores que demonstram, como afirmou Guattari,em As Três Ecologias, que  “ninguém está dispensado de jogar o jogo da ecologia do imaginário” nesses tempos  obscuros.

Túlio Muniz – Historiador e Doutor em Sociologia/Pós Colonialismos e Cidadania Global pela Universidade de Coimbra. Professor na Universidade Federal de Uberlândia.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. O proximo alvo?

    Com Lula preso, a midia o colocará novamente no ostracismo “noticional” e apontará os canhões para o próximo alvo “não confiável”, Bolsonaro. E após a queda deste (bem vinda, por sinal), para qualquer outro que ouse se levantar com voz de esquerda, quer Ciro, Boulos, Manuela ou quem seja, até que só reste o candidato “aprovado” (Alckmin, Huck, Dória, Serra, Meireles, Joaqum Barbosa…)

    Porque a midia é assim, um partido político (golpista), ou PiG (segundo Paulo Henrique Amorim).

  2. Cadê as provas?

    Passei o final de semana discutindo com haters no Twitter. Burrice minha, pq todo mundo sabe que os caras ganham por interação e views. Ainda assim insisti pq identifiquei a vulnerabilidade que Muniz aponta no texto: Lula foi condenado sem provas.

    “Cadê as provas?” continua sendo o buraco no casco dos fascistas. Os caras se irritam muito com essa pergunta. Respondem de tudo. Citam artigos da mídia golpista, dizem que Lula não perde por esperar o processo do sítio. Usam ofensas e ironias. Mas provas que é bom, ninguém tem.

    E não as têm porque não houve crime. Esse é o busílis

    1. Caro mcm
      Também faço essa

      Caro mcm

      Também faço essa pergunta.

      E ainda pergunto: – se você tem as provas, vamos agora para qualque delegacia, chamamos alguns colegas,  do PT, ou não, e abrimos o processo junto. Mas antes, chamarei, a folha, estadão, globo, o jornal local, para divulgar bastante.

      Acaba o assunto no ato.

      Mas eles não querem saber da prova, eles querem prender mesmo. Bobagem falar isso com eles, a convicção de classe e lacaio, é maior.

      Saudaçoes.

  3. Sugestões

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    Alô, partidos, coletivos e comunicadores de esquerda! Contribuição para o debate político, inclusive eleitoral, na atualidade brasileira!

    Mitos da direita neo-liberal em circulação que podem e devem ser desconstruídos:

    – mito da origem histórica espontânea da revolução industrial e da riqueza dos países capitalistas em alegados contextos de Estado Mínimo e livre comércio. Mostrar que não tem sustentação histórica, examinando casos da Inglaterra, EUA, Tigres Asiáticos.

    – mito da superioridade do livre mercado e da livre iniciativa em alegados contextos de Estado Mínimo para a geração de riqueza e prosperidade de povos e nações. O exemplo da China nos últimos 40 anos basta para contestar esse mito. É preciso explicitar o caráter predominantemente estatal e dirigido da economia chinesa – porque o senso comum acredita que a China se “converteu” ao capitalismo.

    É preciso oferecer uma análise didática do caso russo (colapso do socialismo soviético), argumento preferido dos neo-liberais. Economia exclusivamente estatal é incapaz de competir com o livre mercado na inovação tecnológica e na oferta de bens de consumo de massa. A China aprendeu com o exemplo russo e está combinando Estado e Mercado para obter crescimento econômico superior ao de todos os demais países do mundo na atualidade. Está gerando concentração de renda (milionários e bilionários a rodo), mas parece que o PC chinês estabeleceu metas de redução da pobreza e da devastação ambiental. A conferir.

    – mito da espontaneidade da distribuição de renda “em cascata” nos países que enriquecem com livre mercado em contexto de Estado Mínimo. Mostrar que isso é “cascata”, com exemplos concretos.

    – mito da necessidade ou positividade da inserção subalterna do Brasil como produtor de commodities. Estamos repetindo com os países desenvolvidos a relação de Portugal com a Inglaterra após o Tratado de Métuen. Esse tratado foi muito vantajoso para os viticultores portugueses, mas desastroso para o povo português e para os interesses nacionais portugueses, pois matou no nascedouro a industrialização portuguesa. Hoje no Brasil as elites estão lutando por posições equivalentes às dos viticultores portugeses, pouco se lixando para a ruína do povo e da nação.

    – mito da afinidade eletiva entre livre mercado e democracia. Exemplo chileno sob Pinochet (abençoado pelos neoliberais americanos) já o desmente. Livre mercado é perfeitamente capaz de conviver com regimes autoritários (caso da Rússia hoje – a Rússia, sim, se “converteu” ao capitalismo!). Países escandinavos, Kerala, Islândia, mesmo o caso português com a Geringonça, mostram como se pode combinar democracia com presença forte do Estado na economia (e na oferta de bons serviços públicos, distribuição de renda etc.).

    Seria bacana produzir pequenos vídeos divertidos, didáticos e bem fundamentados – nenhum deles com mais de 5 minutos – em torno de cada um desses temas! A Manuela D’Ávila tem produzido alguns nesse estilo. É preciso que façamos mais! Vamos à luta de guerrilha nas redes com munição apropriada!

  4. Não é a primeira vez que

    Não é a primeira vez que mentem aos seus leitores. O problema é quando isso ocorreu em outros momentos, nada ou pouco aconteceu; a não ser um espastelemanto aqui, a venda de um grupo ali. No futuro espero que a revolta com as mentiras e manipulações da imprensa nacional seja proporcional a todo mal que eles têm feito ao Pais.

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