Desemprego no Brasil em 2016: golpe, austericídio e banalização das estatísticas, por Cristina de Borja Reis e Fernanda Cardoso

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A lógica do jornalismo econômico não só interpreta os números conforme lhe convém, como também desumaniza seus significados

Desemprego no Brasil em 2016: golpe, austericídio e banalização das estatísticas

Cristina Fróes de Borja Reis e Fernanda Graziella Cardoso

A estatística recém-divulgada da pesquisa PNAD contínua do IBGE é desoladora: 12,3 milhões de pessoas desocupadas no país no último trimestre de 2016. Em relação ao mesmo período de 2015, o crescimento foi de 36%, ou seja, três milhões de pessoas desocupadas a mais! Quando se compara a 2014, a quantidade de pessoas desocupadas simplesmente dobrou!!

Números tão expressivos, envolvendo tantas pessoas e famílias, demandam uma reflexão cuidadosa e responsável. O que teria acontecido com a economia, a política e a sociedade brasileira em apenas dois anos para implicar tal catástrofe socioeconômica? Mas, ao contrário, as manchetes da mídia de massa são análises superficiais, banalizando tais acontecimentos. Milhões de desempregados adicionais são tratados pela grande mídia com a mesma negligência e irresponsabilidade com que defendem as reformas conservadoras em marcha desde que Temer se tornou presidente interino.

Não é de hoje que no Brasil o jornalismo econômico tem uma lógica tacanha de funcionamento, via dois gatilhos principais. De um lado, aguardam as estatísticas (especialmente as de inflação, produção, emprego, balança comercial e, diariamente, da cotação do dólar e dos movimentos das bolsas de valores) para tratar da conjuntura superficialmente, sem refletir sobre as raízes estruturais que as implicam. Ou de outro, aguardam novidades da política econômica que pretendam enfrentar aquela conjuntura superficialmente analisada, apresentando-as seletivamente e com viés tendencioso aos interesses de grupos específicos (que também controlam a grande mídia), sempre preocupados com o humor do mercado. Entrevista-se meia dúzia de especialistas, fracamente diversificados em termos de abordagem e ocupação. Pertencem, quase que invariavelmente, a instituições como consultorias, bancos e universidades correlacionadas àqueles mesmos grupos no poder. Em meio às frases entrecortadas, propõem parcamente o contraponto (para validar a “ética” da notícia), geralmente encaixado de forma obscurecida e deturpada.

Porém por trás das estatísticas, existem pessoas reais atingidas pelas políticas econômicas. O desemprego, em particular, é uma questão social profunda. A desocupação não desejada de uma pessoa provoca o aumento das dificuldades financeiras dos domicílios, o bem estar diminui de forma geral ao envolver outras esferas da vida social, originam-se e se agravam traumatismos psicológicos, perspectivas educacionais para as crianças e jovens se reduzem, famílias se desestruturam; há muito sofrimento humano envolvido. Mais além, o desemprego deflagra pobreza, miséria, violência e uma triste sorte de problemas sociais. E ainda, a redução do emprego e da renda torna mais aguda e de difícil solução a crise econômica, na medida em que solapa o consumo e o investimento. Considerando, ademais, a situação desfavorável da demanda externa, caberia ao Estado atuar anti-ciclicamente e promover medidas de impacto estrutural em prol do desenvolvimento sustentável.

Mas, para isso é preciso democracia, que foi justamente o alvo maior do golpe de 2016.  Desde então o propósito da política econômica e das reformas constitucionais tem sido enfraquecer o Estado e as instituições democráticas, endossado pela narrativa midiática. Defendem o regime macroeconômico da austeridade, que promove uma política monetária com taxa de juros elevadas, por um lado, e uma política fiscal de vez engessada pela PEC dos gastos aprovada em dezembro de 2016. Paralelamente, direitos vão sendo eliminados via “propostas” autoritárias de reforma previdenciária, trabalhista, da saúde e do ensino médio, entre outras – somadas à desnacionalização de recursos estratégicos, ataques aos movimentos sociais, inclusive às universidades públicas, e mudanças nas regras orçamentárias – por exemplo, relativa ao seguro desemprego.

Os resultados do austericídio não deixam dúvidas: os maiores golpeados são os trabalhadores. Lutar pelos direitos, pelo emprego e pela renda requer o reconhecimento da raiz do problema e, para tal, faz-se mister a disputa pela narrativa. É, portanto, necessário o aprofundamento do nível e da pluralidade do debate público sobre política macroeconômica.

Cristina Fróes de Borja Reis e Fernanda Graziella Cardoso – Professoras de Economia e de Relações Internacionais da UFABC, coordenadoras do grupo de pesquisa em Cadeias Globais de Valor e do Núcleo de Estudos Estratégicos em Democracia, Desenvolvimento e Sustentabilidade da UFABC.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Oportunismo

    Está aí o preço pago pelo fato dos Heterodoxos não romperem totalmente com as políticas Homodoxas.

    Agora, os Homodoxos dizem que tudo foi culpa dos Heterodoxos.

     

  2. Isso justamente é o que não
    Isso justamente é o que não querem, que o povo abra o olho, o jornalismo econômico vive de vender ilusões, sempre subordinadas aos interesses do grande capital, é imprestável ao país e inútil como jornalismo.

  3. Quem quebrou o Brasil?

    O MT (Michel Temer), citado 43 vezes na delação do diretor da Odebrecht, está levando o país ao fundo do poço e os golpistas continuam com o mesmo discurso para enganar os bestas de que o PT quebrou o país. Não sei que conta fazem para chegar a essa conclusão. Quando os golpistas tiraram O PT do Governo, o Brasil tinha R$ 370 bilhões de reservas, era o sexto maior credor dos Estados Unidos, permitiu ao golpista conceder reajuste de mais de 40% ao judiciário e servidores públicos, torrou bilhões em verbas para favorecer a base aliada, salvou a mídia aliada do golpe injetando mais de 1.250% em verbas publicitária e ainda tem a cara de pau de responsabilizar a ex-presidente Dilma pela crise. É muita falta de vergonha na cara.

  4. Em busca da S/A dos trabalhadores!

    Bom dia Nassif e equipe, demais debatedores.

     

    Peço venia para discordar do texto das ilustres debatedoras.

    Isso porque , o texto aborda apenas  o famoso “mais do mesmo”. Senão vejamos.

    Preliminarmente, ressalto que partirei da conclusão do texto  para não me delongar.

    Notem bem:

    “Os resultados do austericídio não deixam dúvidas: os maiores golpeados são os trabalhadores. 

    Lutar pelos direitos, pelo emprego e pela renda requer o reconhecimento da raiz “(…)

     

    Maxima venia mas a conclusão é nitidamente rasa e com fortes indícios de ser falsa, vez que as premissas não nos permitem chegar a tal conclusão.

    Aliás, só para  relembrar a todos aquele aforisma estatístico, sabe-se que quando a sua cabeça( ou a medade de seu corpo)  está em um alto- forno siderúrgico, e os seus pés ( ou a outra medade) no gelo ártico ou antártico, pode-se concluir que , na média, a temperatura do seu corpo pernanece estável, sem febre, tampouco, sem febre amarela, exceto, o estado febril proporcionado pelo uso  paneleiro  da “camisa amarela”.

    Percebe-se que a estatística serve também para “agradar o freguês” visando a “venda” , também, de uma premissa falsa.

    Lado outro, o “capital” é também “trabalho” , ainda que este “trabalho” seja aquele definido pela física no qual nada se faz, ou é nulo, negativo etc.

    Nesse sentido, pode-se extrair uma conclusão passageira na qual o Trabalho é também, portanto, capital.

    Aliás, na escravidão brasileira, o maior “capital” era o possuir( no sentido de ter)  “semoventes” humanos os quais, ao contrário de Locke, não tinham a propriedade privada do seu próprio corpo.  Daí,  proporcionavam o trabalho que na essência, era o capital.

    Nesse sentido, o trabalho estava contido  na propriedade privada do próprio corpo do  semovente humano que não era vendido,  mas sim comprado e disputado. A venda era do resultado do trabalho gerado pela propriedade na qual estava contida o trabalho.

    Logo, os dois, “capital e trabalho”, nesse exemplo, em apertada síntese, propriamente dita, se fundem.

    Com fulcro nesse fundamento, de mais ou menos 400 anos de existência “institucional”, pode-se extrair outras conclusões, digamos, mais precisas, a saber:

    No fundo, o “desemprego”  já é uma manifestação do  CAPITAL, assim como o “emprego”.

    Emprego é , portanto, capital e a “economia do trabalho”, se quiserem usar dessas BANALIDADES! pode também  nos ajudar a compreender tal premissa.

    O “trabalho livre” , sobretudo, no brasil preso, não passa de uma “máscara” do capital. 

    Enquanto isso, a “estatística trabalha a serviço” dele, o capital, que também é trabalho. Mas a recíproca não é verdadeira, vez que Locke se equivocou ao pensar que a propriedade privada começa com o próprio corpo. Negativo Locke! Falso. 

    A alma , talvez, se antes não for “vendida” ao  “reino dos céus” por intermédio de alguma “bancada do BBB, pode ser a “propriedade privada”.

    Portanto, maxima venia,  a mensagem para o “trabalho” ( que é o capital de alguns também movimentada com o  desemprego etc) é , quase exatamente o contrário da conclusão do texto  das precitadas debatedoras, autoras, qual seja:

    Na linha do pensamento econômico do texto acima, torça para o QUANTO PIOR MELHOR, isto é, torça para que tudo piore  contrariando, portanto, a conclusão do texto.

    Este será o momento de , talvez,  lançar uma Sociedade Anônima, cuja propriedade será dos trabalhadores sem “acionista majoritário”, tampouco proteção aos minoritários. kkkkk

    1. Diversionismo pior que o artigo criticado

      O artigo é fraquinho? Sim. Carece de lógica? Sim, pois a conclusão não decorre das premissas como você pontuou.

      Entretanto sua tese diversionista, a que você ´parece achar ‘engraçadinha’, não é melhor do que o artigo criticado.

      1. Bom meu caro debatedor,

        Bom meu caro debatedor, aponte então o que você definiu como sendo “minha tese”, bem como a razão do “engraçadinho”.

        Só para eu poder compreender melhor o seu comentário e a partir daí, podermos debater sobre o que escrevi.

        Pode ser?

        No aguardo.

        saudações 

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