“É preciso erradicar os donos de meios de comunicação racistas”

Vinícius Mansur – Brasil de Fato
24.09.2010

Após um longo processo de debate promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados da Bolívia, o Projeto de Lei Contra o Racismo e toda forma de Discriminação já está em trâmite no Senado e recebe dura crítica nos grandes meios de comunicação nacionais. Eles reivindicam a retirada do artigo 16 do projeto, que diz: “o meio de comunicação que autorize e publique ideias racistas e discriminatórias será passível de sanções econômicas e de suspensão de licença”.

A Associação Nacional de Imprensa (ANP) lançou nota em que considerava o projeto como um ataque à liberdade de expressão. O presidente da ANP, Marco Dips, afirmou que a aprovação do texto significará que “o Estado boliviano romperá com o sistema democrático ao amordaçar a imprensa” e defendeu que a autorregulação dos meios é a saída para o problema.

Defesa presidencial

O projeto de lei estabelece como delitos contra a dignidade do ser humano: o racismo, a discriminação, a difusão e incitação do racismo ou da discriminação, a participação em organizações ou associações racistas ou discriminatórias, os insultos e outras agressões verbais por esses motivos. Entre as sanções, estão previstas a privação de liberdade de um a sete anos, trabalhos voluntários, multas e o fechamento de estabelecimentos de atendimento ao público e meios de comunicação, em caso de repetidas infrações.

Em diversos atos públicos realizados durante o período em que a imprensa bombardeava o projeto de lei, o presidente boliviano Evo Morales dedicou-se a defendê-lo: “Essa gente que pratica o racismo por microfones tem que que se incomodar (..) Temos a obrigação de erradicar os racistas que são donos dos meios de comunicação (…) Aqui não há pessoas de primeira, segunda ou terceira categoria, mas, para alguns, custa entender isso”, discursou.

 

Protestos

A deputada oposicionista Adriana Gil classifi cou a medida de combate à discriminação como “persecutória, repressora e perversa”, uma vez que “um grupo afi m ao governo não pode defi nir o que é racismo e o que não é”.

Para Sucy Mitre, representante do Capítulo Boliviano de Direitos Humanos, a oposição ao governo e a mídia estão distorcendo a proposta:“A definição de racismo é a mesma usada pelo Comitê Internacional contra a Discriminação Racial, da ONU [Organização das Nações Unidas], pelo Comitê Internacional de Eliminação da Discriminação das Mulheres, pela OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Quem julgará as ações será uma autoridade do Judiciário.O tema tem suas suscetibilidades, mas nada além de outros julgamentos como os de delitos contra a honra, injúria, calúnia etc. Precisamos ir desenvolvendo jurisprudência, mas, para isso, temos que afetar o exercício do direito e não só contemplar o seu reconhecimento”.

Ela ressalta que a lei não vem para censurar os meios, mas para cumprir com o compromisso que o Estado boliviano tem diante da comunidade internacional de punir atos discriminatórios. “Nossa opção é de prevenir e educar, dando forte ênfase às responsabilidades que devem ser assumidas pelo Estado em outros âmbitos, não somente encher as prisões de racistas.O eixo central do projeto é a criação do Plano Nacional contra o Racismo e toda forma de Discriminação, sobre o qual não se diz nada. Mas há uma aliança dos meios privados para difamar o presidente, esse é seu interesse, o que não permite que nada seja visto como positivo”, relata.

 

Discussão aberta

De acordo com a secretária técnica da rede de organizações que conformam a Comunidade de Direitos Humanos, Mónica Bayá, a posição política dos meios impede uma maior visibilidade do projeto de lei, que também obriga o Estado a adotar políticas em todos os âmbitos da educação, a fomentar pesquisas e divulgação de dados sobre a discriminação, a criar um Comitê de Luta contra o Racismo e todas as formas de Discriminação – composto por representantes de órgãos públicos e de organizações da sociedade civil – e a adequação ou criação de códigos de conduta para funcionários de instituições públicas e privadas, incidindo até mesmo sobre a Polícia.

“A discussão do projeto foi feita com portas abertas a todos, em inúmeras audiências públicas, em oito dos nove departamentos do país, onde participaram mais de 300 organizações. Foram convidadas as associações de imprensa, mas elas não vieram. O projeto inicial foi completamente modifi cado pela participação. E, agora, querem dizer que esse é um projeto do ofi cialismo imposto pelo governo. E você sabe que o partido de governo tem dois terços do Congresso, ou seja, poderiam ter entrado com o projeto de manhã e ter a lei aprovada à noite. Lamentamos que o processo não está sendo valorizado”, desabafa.

Nos últimos dias, as organizações de imprensa apareceram para debater o projeto com os senadores. De acordo com o senador do MAS-IPSP (Movimento ao Socialismo – Instrumento pela Soberania dos Povos), Eugênio Rojas, o artigo 16 não será alterado porque as sugestões da imprensa se referem à etapa de regulamentação da lei.

 

http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=7171

Redação

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