EBC usa período eleitoral para acabar com interação na internet, por Gésio Passos

Por Gésio Passos

Do Intervozes

Na CartaCapital

A Empresa Brasil de Comunicação, EBC, responsável pela gestão dos canais públicos do país, como TV Brasil, Rádio Nacional e Agência Brasil, tirou do ar no dia 7 de julho todas as suas páginas das redes sociais do Facebook e do Instagram.
A empresa, que tem por obrigação legal garantir o acesso à informação à sociedade, alega que está tomando esta decisão com base na Lei Eleitoral e em Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que cria as regras para propagandas eleitorais na internet até outubro. Mas basta uma leitura atenta da lei eleitoral para perceber que a decisão da EBC de acabar com a participação da sociedade nos conteúdos da mídia pública na internet é uma decisão política, e não jurídica.
Desde o início do mandato do presidente Michel Temer são muitas as medidas que vão no sentido de fragilizar a EBC. No último domingo, 23 de julho, uma nota publicada na coluna Painel, de Daniela Lima, na Folha de São Paulo, afirma que o governo Temer prepara um plano de extinção da EBC a ser entregue para o presidente eleito em outubro.
Segundo a nota, a proposta seria enviar parte dos funcionários para a NBR (canal controlado pelo governo que acompanha o cotidiano do Executivo) e realocar os demais em outros órgãos governamentais. Trata-se de uma investida final contra a comunicação pública no país.
Lei Eleitoral não obriga retirada de páginas do ar
A retirada de páginas da EBC das redes sociais ocorre no mesmo contexto. Com base em um parecer jurídico feito pelos advogados da EBC, a direção da empresa afirma que deverão ser interrompidos do Facebook e do Instagram todas as páginas institucionais, de emissoras e de programas da empresa, até o dia 08 de outubro (prazo prorrogável até 28 de outubro, caso ocorra 2º turno) pela impossibilidade de monitoramento e controle dos comentários e da interatividade feita pelo público nas páginas.
Mas quais regras são essas que a EBC diz que precisa cumprir, sendo assim obrigada a acabar com toda a relação que mantinha com o público por meio de suas postagens nas redes socias?
A resposta é: não existe nenhuma normativa na Lei Eleitoral 9.504/2017 ou na Resolução do TSE 23.551 de 2017 que obrigue a empresa pública de comunicação a tirar suas páginas do ar para evitar comentários da sociedade que possam descumprir as regras das eleições. Ambas as normativas não regulam objetivamente as áreas de comentários das redes sociais, mas as publicações feitas pelas páginas ou pelos perfis.
Na Lei Eleitoral 9.504/2017, o capítulo que regula o que pode e o que não pode ser feito em termos de propaganda eleitoral na internet é o artigo 57º. Ele é claro em determinar que ficam proibidas as “veiculações de conteúdos” feitas por pessoas de identidade falsa (que poderiam também ser robôs atualmente) e igualmente proibidas as veiculações de campanhas eleitorais pagas, ou impulsionadas nas redes sociais, feitas por pessoas físicas ou jurídicas que não sejam os próprios partidos políticos.
Ao tratarmos das duas situações, pode-se admitir que o que a lei pretende banir são posts e publicações feitas pelas páginas hospedadas no Facebook, e não comentários feitos dentro destes posts. Em nenhum momento a palavra “comentário” ou “interatividade” é descrita, tanto na lei eleitoral, quanto na resolução do TSE. Pode-se, portanto, compreender que tais regulações dizem respeito às publicações feitas por quem gerencia as páginas das redes sociais, e não por quem fizer um comentário dentro de algum post.
A lei também é clara em descrever quem serão os responsáveis pelas exclusões de informações que possam ferir a lei eleitoral. No mesmo artigo 57, inciso IV, parágrafo 4º, está descrito que compete ao “provedor de aplicação de internet”, e, importante, somente após recebimento de decisão judicial que identifique quaisquer informações nas redes sociais que estejam em desacordo com a lei eleitoral, a obrigação de retirada do conteúdo irregular do ar.
A resolução do TSE, em seu artigo 32, define bem o que significa “provedor de aplicação de internet”: é “a empresa, organização ou pessoa natural que, de forma profissional ou amadora, forneça um conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet, não importando se os objetivos são econômicos”.
Fica evidente que se trata de uma obrigação da empresa responsável pela plataforma que oferece o serviço utilizado pelo usuário, que, neste caso, seria o próprio Facebook, ou outros como Twitter e Instagram.
Notificação judicial define retirada de conteúdos
A prática já acontece no Facebook em outros casos, como por exemplo nos jogos da Copa do Mundo ou com conteúdos que tenham direitos autorais. Bastam alguns segundos de algum tipo de imagem da Copa da Rússia ser publicada na rede, ou de um videoclipe não autorizado pela gravadora, para que o Facebook alerte o usuário dono da página para efetuar a retirada deste conteúdo por ferir os direitos de imagem do autor. No caso das eleições, o princípio poderia ser o mesmo com as páginas da EBC.
Mesmo o artigo 57º da mesma lei, que trata de responsabilidades do “provedor de conteúdo e de serviços multimídia na internet” que possa hospedar a divulgação da propaganda eleitoral de candidato, de partido político ou de coligação que desobedeçam a lei eleitoral, é claro em determinar que só deverão ser retiradas as propagandas depois de uma notificação judicial que determine um prazo para o provedor de conteúdo fazer a exclusão de tal informação ilegal.
Ou seja: em última instância, se a justiça eleitoral julgar responsabilidade da EBC (e não do Facebook nesta interpretação) a obrigatoriedade de retirar um eventual comentário que descumpra as regras eleitorais, essa obrigação só poderá ocorrer depois de a empresa ser notificada judicialmente.
Após, portanto, de tal contato judicial, o comentário irregular seria apagado e as redes poderiam continuar a existir normalmente, sem necessidade de multas ou outras punições.
O que a EBC faz ao dizer para a sociedade que está sendo obrigada a tirar do ar todas as suas páginas no Facebook e no Instagram é tomar uma decisão política, não jurídica. Além de ter a interatividade cassada com os programas e veículos públicos, a população perde também seu direito de ter uma forma simples e direta para fazer críticas sobre os conteúdos da EBC.
Vale lembrar que o governo federal cassou o Conselho Curador da empresa, que fazia com que houvesse uma participação direta do público na fiscalização dos conteúdos. E a Ouvidoria da empresa desde março está sendo ocupada interinamente, com seu trabalho de fazer a observação do que é produzido na EBC seriamente ameaçado.
Quem perde com a retirada do ar de dezenas de páginas da EBC das redes sociais em período eleitoral é a sociedade, que, em época de notícias falsas, fica sem a credibilidade que o sistema de comunicação público nas redes deveria oferecer para garantir que as eleições ocorram sob a ótica da informação qualificada e com direito à participação de quem mais interessa nessa questão: o público.
* Gésio Passos é integrante do Intervozes, jornalista da EBC, mestre em Comunicação pela UnB e coordenador geral do Sindicato dos Jornalistas do DF     

 

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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