Em pauta, a violação do segredo de justiça por jornalistas

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Sylvia Debossan Moretzsohn

Sigilo de fonte e violação do segredo de Justiça

No Observatório da Imprensa

“O jornalista é o único ser capaz de olhar com altivez por um buraco de fechadura. Quem está ali, bisbilhotando, é a sociedade inteira.” O comentário de Armando Nogueira, numa antiga entrevista à revista Playboy, em janeiro de 1988, sintetiza uma ideia largamente aceita no meio profissional: a de que o jornalista não pode sofrer nenhum tipo de restrição para realizar seu trabalho, porque, em qualquer circunstância, estaria agindo em nome do interesse público. Especialmente quando revela o que algum interesse superior ou escuso deseja manter escondido.

A fragilidade do argumento deveria ser evidente: bastaria pensar na hipótese de chantagem, para ficarmos num exemplo extremo, ou nos mais corriqueiros casos de divulgação de informações precariamente apuradas e eventualmente falsas. Afinal, há bons e maus jornalistas, mais ou menos competentes, mais ou menos – e, às vezes, nem um pouco – éticos, como ocorre em qualquer atividade. Porém, a mística em torno da profissão dificulta enormemente a discussão sobre os limites que os jornalistas deveriam respeitar.

O caso do jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP), fornece uma boa oportunidade para essa discussão: em 2011, o repórter Allan de Abreu publicou matérias baseadas em escutas telefônicas realizadas pela Polícia Federal, que apurava denúncia de corrupção na Delegacia Regional do Trabalho. Procurado pelo Ministério Público, negou-se a revelar suas fontes e foi indiciado por ter divulgado informações que estavam sob segredo de Justiça. Agora, tanto ele quanto o jornal para o qual trabalha tiveram seus sigilos telefônicos quebrados, embora caiba recurso à decisão.

Discutir responsabilidades

A ombudsman da Folha de S.Paulo dedicou a primeira parte de sua coluna de domingo (21/12, ver aqui) a este caso, afirmando, logo na abertura:

“Não se faz jornalismo sem fontes, e não se fazem fontes sem relação de confiança e garantia de anonimato. Tentar forçar um repórter a revelar quem lhe passou uma informação é mais do que desrespeitar a ética de uma profissão. É atentar contra o direito de toda a sociedade à liberdade de informação”.

Disso não cabe a menor dúvida. O problema é considerar que só os responsáveis pela condução das investigações devem zelar pelo segredo de Justiça. Por que os jornalistas também não estariam implicados nesse compromisso? Por que estariam autorizados a romper com uma determinação judicial? Por que não seriam cúmplices de uma violação?

Não é uma questão simples. Envolve, de saída, a própria discussão a respeito dos critérios para o estabelecimento do sigilo a determinados casos. Mas essa discussão não costuma ser travada, de modo que, em qualquer situação, o jornalista empenha-se em buscar a informação escondida e exclusiva, desobrigando-se de revelar os métodos utilizados para obtê-la. Seja quando vá “bisbilhotar” por seu próprio esforço, seja quando – o que parece bem mais comum – receba o material decorrente de vazamentos, e aqui não é possível ignorar os interesses que orientam os responsáveis por essa iniciativa: no mínimo, deveria ser claro que, nessa relação, o repórter se submete à fonte, que vai soltando as informações de acordo com sua conveniência.

A ideia de que o repórter está autorizado a tudo devassar embute, além do mais, a crença de que todas as informações obtidas serão divulgadas. Não é bem assim: jornalistas não publicam tudo o que sabem. Em casos de sequestro, só para dar um exemplo conhecido, normalmente comprometem-se em silenciar para não atrapalhar as investigações, embora todos tenhamos na memória a aberração da cobertura do sequestro da jovem Eloá Pimentel, em 2008, transmitido ao vivo com interferência direta de repórteres e apresentadores de programas populares de TV, e que resultou na morte da garota.

Contestar as pressões para que os jornalistas revelem suas fontes é essencial, pelos motivos já citados. Mas também deveria ser necessário pôr em causa certas práticas que, de tão recorrentes, passam a ser naturalizadas e aparecem como normais e indiscutíveis. O caso do jornal de São José do Rio Preto poderia proporcionar essa oportunidade.

***

Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)
 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

19 Comentários

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  1. Again: Assistam The

    Again: Assistam The Newsroom.

        A temporada acabou.Mas é possível alugar ou fuçar no HBO quando irá repetir.

                Tá tudo lá.

                E essa  última temporada são apenas 6 capítulos.

                 Mas recomendo assistir os 20 anteriores(acho que é isso) pra entender mesmo.

                   É o máximo dos máximos.

                 Não percam.Excelente pra leigos e jornalistas e qualquer um.

  2. É cada uma…

    “Por que estariam autorizados a romper com uma determinação judicial? Por que não seriam cúmplices de uma violação?”

    Se a professora de jornalismo não sabe, lá vai: a determinação judicial se limita a quem tem a guarda destas informações. E este grupo não inclui jornalistas: cumplicidade nenhuma. Quem as vaza sabe disso.

    1. Nao tem “cumplicidade

      Nao tem “cumplicidade nenhuma” porque nao seus patroes nao foram estrangulados financeiramente ainda.

      Mas bilhoes anuais “do dinheiro publico” nao escutam.  Nao adianta gritar.

      E eu cansei desse assunto, nao vou voltar a ele.

    2. “determinação judicial se

      “determinação judicial se limita a quem tem a guarda destas informações”.

      A informação foi vazada. Alguém vazou. Um criminoso. Um cumplice.

      São fatos.

      Pergunta de um leigo: tem cúmplice inimputável além daqueles previstos em lei?

    3. Se é segredo e vazou, algum

      Se é segredo e vazou, algum erro ocorreu e alguém tem de ser responsabilizado e pagar, legalmente, por isso.

      O “como” vazou é importante. Se houve delito e o “jornalista” sabe, por questão legal é obrigado a informar a autoridade legal que foi testemunha de um delito. É assim para mim e para todos. Não há, em qualquer lei, algo que isente o “jornalista, um cidadão, de cumprir o que a lei dispõe.

       

  3. Não é, do ponto de vista

    Não é, do ponto de vista legal, possível que se rompa o critério de segredo de justiça sob nenhum argumento.

    Ou é segredo de justiça para todos ou não é para ninguém.

    Se a sociedade entende que o segredo de justiça é viável para que investigações não sejam prejudicadas por alguns fatores, então a quebra desse instrumento deverá ser considerado delito.

    Se o cidadão fora do processo não pode acessar os dados, não será o jornalista que poderá fazê-lo.

    Se o jornalista teve informações em sigilo não foi pela sua simples capacidade investigatória e sim por necessidades escusas do vazador.

    1. Muito bom!”Ou é segredo de

      Muito bom!
      “Ou é segredo de justiça para todos ou não é para ninguém”.

      Simples, assim.

      O que se vê, atualmente é o delito, em larga escala, tolerado/incentivado/elogiado porque atende o interesse e moção de uma parte.

      Alguém, com poder e autoridade, precisa dar um basta nesse estado delituso (poderia ser dito, também, Estado delituoso).

  4. No seriado dinamarques O

    No seriado dinamarques O Governo, a mídia é apresentada como um reality show. A turma nova de administração de mídia é um verdadeiro horror. Também vale a pena assistir, embora a 1a temporada tenha sido a melhor.

  5. violar segredo de justiça é crime

    Simples assim.

    Crime.

    O problema é que no Brasil nao se pune os criminosos, mas apenas se pune os nem sempre criminosos inconvenientes para os Tribunais Superiores e afins.

  6. Violação de sigilo
    Violação de sigilo judicial.
    Foi o que o Estadão fez contra a familia de Sarney, num dos mais repugnantes atos de chantagem midiática dos últimos anos. Nem se dignaram a informar a seus leitores o quanto pagaram pela informação ou a quem corromperam para obte-la.
    Depois que foram impedidos de prosseguir na vendetta, posaram de vítimas de censura, com contador de dias e tudo.

  7. jornalismo e justiça andam tão de baixo nível…

    que já passei a defender o seguinte:

    ninguém pode ser culpado pela revelação de um segredo que todos adivinham

  8. o mais absurdo é que os

    o mais absurdo é que os jornais rompem o sigilo judicial e

    a justiça não toma nenhuma atitude legal.

    enquanto não houver  uma lei que puna esses absurdos continuaremos

    sob o tacão da ditadura  do sigilo – judicial -vazado.

    e o conluio de interesses escusos atazanando

    a nossaa vida,

    horrorrizando-a,

    aterrorizando as instituições,

    vilipendiando a democracia…

    o conluio é capaz de privatizar a petrobras

    e ficaremos assistindo a tudo boquiabertos, sem reação?

  9. ora  dizer que o jornalista

    ora  dizer que o jornalista nao pode  sofrer  restriçoes   nas  suas investighaçoes  ai é demais,.quer dizer que ele  tem  que  xeretar  invadir   tirar a privacidade de pessoas   invadir  lugares sem   ordem judicial e tudo  em nome   da informaçao?  nao   entendo assim.  ele  tyem quer   encontrart  seus  meios  de   investigar  sem  ferir   o outro lado  PORQUE  SEU   DIREITO  TERMINA  ONDE  COMEÇA  O MEU. 

  10. Iguais perante a lei

    A imprensa é um segmento empresarial como qualquer outro e o profissional do jornalismo é um profissional como qualquer outro. Todos temos que ter e cumprir a responsabilidade civil de obedecermos as leis, as normas e as regras oficiais estabelecidas, da mesma que o policial precisa de uma ordem judicial para efetuar buscas, prisões e escutas, entre outros, da mesma forma que o médico precisa de autorização da família para realizar algum procedimento fora do convencional, da mesma forma que um cidadão comum tem que ter autorização para entrar na residência de alguém, no trabalho, nos ambientes onde existe placas em que só é permitida a entrada para pessoas autorizadas, etc…  

    Então, porque o jornalismo se acha no direito de ser a única exceção? A lei da imprensa não pode ser maior que nenhuma lei e a liberdade de imprensa deve funcionar como o nosso livre arbítrio, como o nosso direito de ir e vir, de pensar, dizer e escrever o que quisermos, Porém, todos deveremos responder perante a mesma lei, que é para todos, por qualquer irresponsabilidade cometida, por qualquer abuso que nos faça avançar de nosso direito, por qualquer dano que essa irresponsabilidade e esse avanço possa causar a alguém.

    A covardia, o modo abusivo, acintoso, autoritário, chantagista, arrogante e escarnioso, que parte da imprensa adota sem nenhum pudor, por se garantir na tal da lei da imprensa e na complacência do judiciário além de revoltante, imoral, ilegal, inconstitucional, chega a nos causar nojo.

    Publicar segredos de justiça, é cometer crime; denegrir a honra com acusações sem provas, é cometer crime; publicar ou se recusar a publicar, com a clara intenção de causar prejuízo a outra parte, é crime; mentir, adulterar, editar ou descaracterizar notícias, comentários, respostas, acusações e etc, é crime.

    A imprensa tem, reconhecidamente, um grande e importante papel em nossa sociedade e tanto ela quanto seus profissionais devem ser respeitados, como também devem ser protegidos para desenpenharem suas funções com isenção e com imparcialidade.

    A imprensa honesta, profissional e ética, em nada é melhor que o policial, o médico e o cidadão, quando executam o seu trabalho adotando  a mesma conduta e as mesmas virtudes.  

     

     

     

  11. O sigilo da fonte preserva o

    O sigilo da fonte preserva o exeercício da Profissão do Jornalista. Isso é absolutamente diferente da fofoca e da propaganda política. Simples assim.

    Quando aqueles que reivindicam o monopólio das palavras não têm coragem de utilizá-las a coisa fica dantesca.

    Não se trata de competência. Simplesmente acreditam que jornalismo se resume a isso: fazer campanha; seja ela comercial, política ou ideológica. Nessa ordem.

    Armando Nogueira fazia parte da “escola” do “jornalismo literatura”; em uma época em que se estava “de frente pra moodernidade” e “de costas pro Brasil” e somente uma “elite” ilustrada poderia alcançar algum “essencialismo” nacional…

    A exigência de diploma só serviu – como lembra Mauro Santayana – para reforçar essa mesma “elitizaçao” das redações.

    Há quem se debata com o conceito de elite… O problema é deles. O conceito é bem arrazoado e fundamentado; redondino. Há uma farta literatura sobre isso.

    Sobre o sigilo da fonte a história é outra. Não há Direito garantido para o cometimento ou cumplicidade com ilícitos.

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