Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Esquerda ri de si mesma na derrota da guerra semiótica, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

O sucesso na Internet da camiseta vermelha da seleção brasileira, para torcedores de esquerda torcerem na Copa sem serem confundidos com “paneleiros do pato amarelo”, e do “Museu da Direita Histérica” no Facebook são dois sintomas de um mal-estar da esquerda: a derrota por WO no campo da comunicação. Quando ri dos vídeos impagáveis da “direita raivosa” ou se diverte com a camiseta alternativa da seleção, no fundo ri de si mesma – enquanto a esquerda brada as armas dos símbolos (o vermelho, cartas para Lula e bandeira do MST e CUT etc.), a direita dispara a bomba semiótica da iconificação – a apropriação dos símbolos para se converterem em ícones facilmente massificados ou viralizados. Símbolos são iniciáticos, sectários, exclusivos. Enquanto os ícones valem mais do que mil símbolos. Desde a iconificação do símbolo da suástica pelos nazistas.

Diante do fracasso dos movimentos proletários, a ascensão do nazi-fascismo e consolidação do capitalismo através da indústria cultural, o pensador alemão Theodor Adorno (expoente máximo da chamada Escola de Frankfurt) disse certa vez: “agora não se trata mais de estabelecer planos para o futuro, mas relembrar as oportunidades perdidas no passado”.

Como Nietzsche, Adorno temia que, sem uma arqueologia das oportunidades perdidas, a História se repetiria como um eterno retorno – as mesmas conjunturas de crise, as mesmas revoluções traídas, as mesmas contrarrevoluções, como uma espécie de neurose social que sempre teima em revisitar a cena do trauma. Porém, sem superação, cura ou simbolização.

Assim como no Brasil: um dia toda essa nova geração que hoje faz seu salto de fé no ideário do mérito-empreendedorismo e todo o seu corolário (startups, aceleradoras, iniciativa pessoal, inovação, ideias etc.) introjetará tanta culpa pelo próprio fracasso em meio ao darwinismo social (mas, desta vez, sem as mínimas garantias sociais de outrora) que se transformará em ressentimento, combustível para as futuras guerras híbridas e novos golpes políticos.

Deveria ser uma prioridade da esquerda entender como, após 14 anos no poder, um governo trabalhista foi tão facilmente apeado do poder através de uma bem planejada “primavera” que prometia purificar o País de todas as mazelas da corrupção e do bolivarianismo.

Mesmo que ganhe as eleições nesse ano (se tiver!), eventualmente um novo presidente progressista enfrentará outro terceiro turno – novamente o complexo judicial-meganha-midiático ateará fogo ao combustível do ódio, ressentimento e intolerância. E, mais uma vez entraremos num loop, no eterno retorno de uma neurose social.

O Incrível Exército Brancaleone: será que o jogo jurídico é mais importante do que a comunicação?

O exército Brancaleone e eleições

Porém, a esquerda continua apostando suas fichas nas instituições, acreditando que poderá “corrigir” tudo unicamente com a força do voto, das alianças e do “povo”. 

E também continua rindo dos “bolsominios” e da direita histérica como fossem apenas curiosos espécimes antropológicos ou etnográficos. Seres que voltarão para as trevas, assim que o remédio democrático fizer a profilaxia e tudo retornar ao eixo.

O problema é que enquanto a esquerda aguarda ansiosa as eleições e o exército brancaleone de advogados tenta juridicamente libertar Lula, a direita ganha de goleada a guerra simbólica da comunicação. A esquerda sabe disso e sente o golpe, embora tente racionalizar tudo num processo patológico de negação e autoengano – por exemplo, reduzindo a direita a “histéricos” e “hidrófobos”. Mas estão ganhando por WO a guerra semiótica.

O mal-estar da Camiseta vermelha e do Museu da Direita

Dois episódios recentes demonstram esse mal-estar esquerdista pela sua displicência com o tema da comunicação.

O primeira episódio foi o lançamento nas redes sociais de uma camiseta da seleção brasileira “de esquerda”. Criada pela designer mineira Luísa dos Anjos Cardoso, é uma camiseta vermelha, com o escudo da CBF e o símbolo comunista da foice e martelo. A camiseta alternativa seria uma solução para esquerdistas torcerem para a seleção na Copa: como poderão torcer pela seleção na Copa da Rússia com a camiseta amarela que acabou se tornando emblemática nas manifestações dos “coxinhas” nas ruas? 

E o outro episódio é a página do Facebook “Museu da Direita Histérica”, com mais de 15 mil seguidores. O propósito é “guardar para a posteridade os maiores micos dos representantes da extrema-direita na história recente do País”. Lá tem de tudo: da dança do impeachment ao non sense da maçã da Luana Piovani para comemorar a prisão de Lula.

 

Claro que a camiseta alternativa da seleção brasileira foi um sucesso com milhares de pedidos de encomenda. Para a artista plástica, a camiseta seria para torcer pela seleção “sem ser confundido com o pato amarelo paneleiro”.

Esses dois simples episódios parecem demonstrar que quando a esquerda tenta ridicularizar o rival político, na verdade está rindo de si mesma. Um riso amarelo e nervoso – afinal os “paneleiros do pato amarelo” ganharam a guerra da comunicação. E aqueles histéricos de camiseta amarela que gritam na foto de capa da página do Museu da Direita fizeram parte de uma estratégia profissional de Guerra Híbrida, para a qual, até agora, a esquerda olha bestificada.

A bomba semiótica da iconificação

Olha atônita e sem reação para a estratégia semiótica profissional chamada de iconificação, estratégia criada pela propaganda nazista e que até hoje é a marca da iconificação da indústria pop e da táticas de guerra semiótica em tempos de conflagração política.

O que é a operação semiótica de iconificação? Tudo começou lá na década de 1920 com a construção do logo da suástica nazi: pega-se um símbolo místico budista tibetano e “iconifica”: invertida e colocada na forma sinistrogira (giro anti-horário, ao contrário da normal, dextrogira), num design elegante preto em um fundo branco, tornou-se um ícone.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

17 Comentários

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  1. Excelente, mais uma vez.
    O
    Excelente, mais uma vez.

    O problema, no entanto, está muito longe de ser revertido.

    Eu fico me perguntando: para quê servem as burocracias partidarias, as sedes, etc., é pra tomar café?

  2. Sempre uma aula

    Wilson, não se deve perder de vista que eles têm uma bomba, rede esgoto e toda a mídia, a despejar lixo tóxico na mente da 

  3. Sempre uma aula

    Wilson, não se deve perder de vista que eles têm uma bomba, rede esgoto e toda a mídia, a despejar lixo tóxico na mente da população como um todo, sem descanso, diuturnamente, na sala, no quarto, nas lojas, loterias, salas de espera, nos bares, salões de beleza. Desde o acordar até a hora de dormir, a mesma versão dos fatos, os mesmos destaques, a visão-de-mundo massificada.

    Com esse poder absoluto, mudam as cores das camisas conforme o seu desejo.

  4. Segundo Adorno e Nietzsche

    Voce presenta uma teoria destes dois filosofos. Então vai duas perguntas:

    Em que momento da Historia estamos hoje?

    E o que podemos fazer para supera-los?

    Vamos fazer deste um canal de reflexão e mudança.

    1. O que fazer?

      Em que momento da Historia estamos hoje?
      Resposta – Em um novo loop, revivendo mais uma vez a cena do trauma: das revoluções traídas.
      E o que podemos fazer para supera-los?
      Resposta – Um utópico GIS: Grupo de Inteligência Semiótica… mas seria anarquista demais para uma esquerda parlamentar prisoneira dos protocolos parlamentares… Afinal, como fala o lobbista Nick Naylor no filme “Obrigado Por Fumar”: todos nós temos uma hipoteca para pagar…

      1. GIS

        E por que não fazê-lo?

        Com a bagagem que v. tem, bastaria colaborar com um esquerdista esclarecido (e influente) nem que fosse como       ” ghost instructor”

        1. Esquerdista esclarecido

          Um esquerdista esclarecido… preciso encontrá-lo para mudar a tática: de luta e resistência para práticas anarquistas de guerra semiótica para desmoralizar a grande mídia. Enquanto ela existir esse “eterno retorno” nunca vai cessar. 

          1. O esquerdista
             

            Que tal o Boulos?

            Wilson, se força vencesse inteligência o gênero humano não teria sobrevivido.

            Vivemos um momento de ignorância e de triunfantes nulidades ressentidas, cujas forças foram reunidas e canalizadas em prol do mal comum.

            O soldado vai a campo mas quem vence a guerra é a estratégia do general

             

  5. Derrota por WO
     

    Antigamente, no tempo do Ted Boy Marino e do Telecatch Montilla apresentado pelo Edson “Bolinha” Cury, as vitórias ou derrotas se davam por K.O. ( Todo mundo morto )

    Eder Jofre, tanto quanto Cassius Clay (convertido Mahomed Ali) ganhavam por K.O.

    Atualmente as vitórias e as derrotas dão-se por WO

    O que seria WO?

     

    PS – K.O = knock out

    aportuguesado=  nocaute.

     

      1. Ah!!
         

        Agora eu entendi.

        Mas é interessante a comparação entre ontem e hoje.

        Se antes éramos vencidos por KO e hoje por WO significa que perdemos a resistência e ficamos facinhos?

  6. Caminante, no hay camino

    Lendo esse artigo fico com a impressão de que “direita” e “esquerda” são vilões e mocinhos, como se a realidade fosse ficção, como se filmes e outras ficções fossem realidade, numa dualidade “pílula vermelha ou pílula azul”.

    É atraente, confesso, mas se nem os significados de “esquerda” e “direita” prestam para muita coisa, são termos absolutamente relativizantes, posicionais, que dizer das ficções sobre esses termos? Talvez a realidade seja mais do que simplesmente dual. Talvez qualquer ideologia seja insuficiente…

    De qualquer forma temos uma luta à frente, por prosperidade, idependência e soberania. Uma luta eterna, diga-se de passagem, e que não terá, como têm as ficções, um happy end por que nem um end terá: o preço da liberdade – e eu acrescentaria, civilidade – é a eterna vigilância.

    (***)

    Talvez “realidade” não se oponha a “ficção”, talvez “realidade” seja ausência de “ficção” e em gradações: como diria o saudoso Gaiarsa, “quanto mais realidade, menos ficção; quanto mais fantasia, menos volição”

  7. “Deveria ser uma prioridade da esquerda entender…”

    Ao território ibero-americano da crítica contra-hegemônica como um todo, precisamente por representar a vera esquerda que restou com força eleitoral no mundo, mormente no caso brasileiro, parece reservado um protagonismo irrecusável na cena geopolítica e estratégica.

    Sim, deveria ser uma prioridade da esquerda entender. O autor inspira uma chave importante. O reconhecimento dessa prioridade, um vontade assim incontível de entender, poderia multiplicar geometrica e geopoliticamente o preço do cativeiro do Presidente Lula ao nível do insuportável para seus carrascos.

    Para o trabalhador brasileiro, o movimento de trabalhadores brasileiro é um movimento brasileiro. Para o trabalhador argentino, o movimento de trabalhadores argentinos é um movimento argentino.  E assim para todos. Mas o capital que enfrenta o movimento de trabalhadores argentino e o movimento de trabalhadores brasileiros não é brasileiro nem argentino. Ele precisa enxergar e enfrentar globalmente o movimento. Melhor que o movimento faça uso também de uma lente global.

    O theatro operacional da contra-hegemonia ibero-americana pode ser o palco para ampliar discussões noutras plagas abafadas, interditadas ou neutralizadas em uma pletora de assuntos mais ou menos vitais nos processos geo-estratégicos em curso. A transformação do espaço de confinamento do processo político local em multiplataforma de reflexão global das grandes questões da geopolítica, que contextualizam o ataque em curso ao Brasil e a todo o território ibero-americano, sim, porque para nós é uma prioridade, precisamos entender.

    [video:https://youtu.be/39RS3XbT2pU%5D

    Aos esforços de entendimento deveriam corresponder certamente esforços de comunicação para o mundo. O entendimento e a comunicação sobre o global faz o local revelar o que é; tudo, menos local.

    [video:https://youtu.be/kTyvLpNpa9E%5D

    Esforços de entendimento e de comunicação que não deveriam parar com as eleições, mas podiam bem começar intensamente, com um calendário marcante de eventos digamos para os próximos 120 dias.

    Uma certa lembrança de Posthuman Development in the Age of Pancapitalism, Critical Art Ensemble, VIPER Lecture.

    [video:https://youtu.be/w1NxcRNW_Qk%5D

     

     

     

     

  8. Esquerda si de si mesma na derrota da guerra semiótica por Wilso

    Aguardo ansiosa q o respeitável professor sugira, objetivamente, um ícone, ou, melhor ainda, uma campanha icônica para a esquerda. 

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